A noite adivinhava-se intensa. Afinal só há uma noite de fim de ano e a ideia das pessoas quando se juntam para as celebrações é sempre a mesma. Entrar da melhor forma em 2006. A preparação da festa foi feita com alguma antecedência. Muitos almoços e jantares de trabalho. A parte chata é que faltei a quase todos. Bolas. Prefiro não ir à empresa do que faltar a estas reuniões importantes. Mas enfim. Na divisão de tarefas, entre copos de imperiais e de vinho tinto, no meio dos comentários sobre a comida, business e outras tricas de importância fundamental, lá me calhou o papel de DJ. Ok. "Boa cena", pensei eu. É a parte que mais gosto e a aposta está no papo. Tinha mais de uma semana para me preparar. Um tempão. Mal sabia eu o que me esperava. Foi a pior semana do ano, na empresa que me dá dinheiro ao fim do mês para beber uns copos. Não sei como descobriram, mas penso que fizeram de propósito. O tempo de me organizar ficou reduzido a pouco mais de 24 horas. Mas a preparação não foi descuidada e foi o mais profissional possível. Analisei tendências, gostos etários, géneros musicais na moda, oldies, goldies e lá fiz trinta e cinco mil selecções musicais, que ia reduzindo, até chegar a uma, que ganhou a final. Tinha músicas suficientes para aguentar uma emissão de rádio durante 24 horas e para agradar a todos, pensei eu. A noite mais esperada do ano chegou e a música ambiente que recebia os convivas era da melhor. “Transa” do Caetano, “Vinicius em Itália”, com Tom Jobim, arrumavam definitivamente a música ambiente de elevador mais avançada. As pessoas iam chegando e marcando os seus territórios, em função dos amigos, conhecidos, ou pessoas que queriam conhecer a toda a força. Afinal, era fim de ano. Sempre era preciso algo de novo, quanto mais não seja para contrariar os hábitos lusitanos das cuecas ou calcinhas azuis, usadas ou novas dependendo das cenas trendy do underground ou upperground. Um show inesperado de sevilhanas veio apimentar a noite. Os olhares raio X, tipo superman, tentavam ultrapassar a barreira da roupa, que era muita, principalmente a parte dos folhos. Depois a música começou a rolar. A primeira conclusão que tirei passados poucos minutos é que há um DJ em cada um de nós. Todos temos um conhecimento profundo e absoluto da música. Passado pouco tempo, um queria aquela passagem de um disco do Caetano, outra só queria forró. Já a salsa tinha de ser mais picada para uns do que para outros, que estavam de dieta. O rock é a solução, pensei. Mas…., o rock é um mundo. Heavy, alternativo, chill out, militante, deslumbrante, ié-ié-ié, tudo foi tentado. Havia sempre alguém que vinha ter comigo dizer: “olha isto não está a dar. Não tens aquela_____?” A frase era quase sempre esta, a música é que variava. Primeira grande conclusão. Fiquei a odiar a democracia. Mas achei que não devia ser tão radical e pensei que não tinha música para aquela faixa etária. Mas havia várias e acabavam sempre por ter um representante seu na pista de dança. Só para liquidar a minha teoria. Alguns amigos, estimulavam-me. "Dá-lhe gás, meu". Perante o divisionismo daquela representação da sociedade, só tinha uma solução. Fazer uma governação musculada da música. Tipo Sócrates. Sem despedimentos, mas uma gestão forte. Deixei de olhar para a pista e fiz uma viagem musical por aquilo que me pareceu melhor. Foi gratificante porque teve os seus apoiantes. Alguns resistentes chegaram ao fim. Eram sem dúvida os melhores. Na sua maioria, também os mais entornados, como sempre. Os outros já lá não estavam. Eram seis horas da matina e já se tinham pirado. Uuhff. Mas aquela frase “não tens aquela…?” ainda se mantinha em loop na minha cabeça. Para a próxima vou exigir um palanque inacessível, rodeado de vidro, com pouca luz, com código de acesso na porta. E segurança. Esta coisa de lidar com o povo é obra. As conclusões foram pouco animadoras. Fiquei a desconfiar da democracia participativa. É verdade. Há noites em que se não pode sair de casa. Bom ano.domingo, 1 de janeiro de 2006
Repensar a democracia em 2006
A noite adivinhava-se intensa. Afinal só há uma noite de fim de ano e a ideia das pessoas quando se juntam para as celebrações é sempre a mesma. Entrar da melhor forma em 2006. A preparação da festa foi feita com alguma antecedência. Muitos almoços e jantares de trabalho. A parte chata é que faltei a quase todos. Bolas. Prefiro não ir à empresa do que faltar a estas reuniões importantes. Mas enfim. Na divisão de tarefas, entre copos de imperiais e de vinho tinto, no meio dos comentários sobre a comida, business e outras tricas de importância fundamental, lá me calhou o papel de DJ. Ok. "Boa cena", pensei eu. É a parte que mais gosto e a aposta está no papo. Tinha mais de uma semana para me preparar. Um tempão. Mal sabia eu o que me esperava. Foi a pior semana do ano, na empresa que me dá dinheiro ao fim do mês para beber uns copos. Não sei como descobriram, mas penso que fizeram de propósito. O tempo de me organizar ficou reduzido a pouco mais de 24 horas. Mas a preparação não foi descuidada e foi o mais profissional possível. Analisei tendências, gostos etários, géneros musicais na moda, oldies, goldies e lá fiz trinta e cinco mil selecções musicais, que ia reduzindo, até chegar a uma, que ganhou a final. Tinha músicas suficientes para aguentar uma emissão de rádio durante 24 horas e para agradar a todos, pensei eu. A noite mais esperada do ano chegou e a música ambiente que recebia os convivas era da melhor. “Transa” do Caetano, “Vinicius em Itália”, com Tom Jobim, arrumavam definitivamente a música ambiente de elevador mais avançada. As pessoas iam chegando e marcando os seus territórios, em função dos amigos, conhecidos, ou pessoas que queriam conhecer a toda a força. Afinal, era fim de ano. Sempre era preciso algo de novo, quanto mais não seja para contrariar os hábitos lusitanos das cuecas ou calcinhas azuis, usadas ou novas dependendo das cenas trendy do underground ou upperground. Um show inesperado de sevilhanas veio apimentar a noite. Os olhares raio X, tipo superman, tentavam ultrapassar a barreira da roupa, que era muita, principalmente a parte dos folhos. Depois a música começou a rolar. A primeira conclusão que tirei passados poucos minutos é que há um DJ em cada um de nós. Todos temos um conhecimento profundo e absoluto da música. Passado pouco tempo, um queria aquela passagem de um disco do Caetano, outra só queria forró. Já a salsa tinha de ser mais picada para uns do que para outros, que estavam de dieta. O rock é a solução, pensei. Mas…., o rock é um mundo. Heavy, alternativo, chill out, militante, deslumbrante, ié-ié-ié, tudo foi tentado. Havia sempre alguém que vinha ter comigo dizer: “olha isto não está a dar. Não tens aquela_____?” A frase era quase sempre esta, a música é que variava. Primeira grande conclusão. Fiquei a odiar a democracia. Mas achei que não devia ser tão radical e pensei que não tinha música para aquela faixa etária. Mas havia várias e acabavam sempre por ter um representante seu na pista de dança. Só para liquidar a minha teoria. Alguns amigos, estimulavam-me. "Dá-lhe gás, meu". Perante o divisionismo daquela representação da sociedade, só tinha uma solução. Fazer uma governação musculada da música. Tipo Sócrates. Sem despedimentos, mas uma gestão forte. Deixei de olhar para a pista e fiz uma viagem musical por aquilo que me pareceu melhor. Foi gratificante porque teve os seus apoiantes. Alguns resistentes chegaram ao fim. Eram sem dúvida os melhores. Na sua maioria, também os mais entornados, como sempre. Os outros já lá não estavam. Eram seis horas da matina e já se tinham pirado. Uuhff. Mas aquela frase “não tens aquela…?” ainda se mantinha em loop na minha cabeça. Para a próxima vou exigir um palanque inacessível, rodeado de vidro, com pouca luz, com código de acesso na porta. E segurança. Esta coisa de lidar com o povo é obra. As conclusões foram pouco animadoras. Fiquei a desconfiar da democracia participativa. É verdade. Há noites em que se não pode sair de casa. Bom ano.
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18 comentários:
Foste um dos "artífices" da noite! Thanks!
Kanimambo
Grande António, obrigado.
Dia 1 de Janeiro, como soube bem aquele passeio junto ao rio, ao início da tarde. Enquanto os últimos vapores se esvaíam de todos os poros, ainda me vinha à memória “ mora na filosofia ...” , tirada do baú de recordações do DJ de serviço.
BOM ANO para amigos e navegantes do 2+2!
H.D.
Para a próxima passagem de ano, apresento desde já uma sugestão para as tarefas de animação: casal Zé e Camila, ele como DJ e ela como bailarina. Que tal?
Um grande abraço e beijo à Paula e Zé Paulo, sempre disponíveis para receber/juntar os amigos e outros que venham por bem.
Um bom ano para todos e para a Amélinha mais linda do mundo que tambem estava comigo.
Grande DJ! Diverti-me o que pude, e as tuas "escolhas musicais" contribuiram bem para que isso acontecesse. Thanks
A Paula e o Zé Paulo são gente do outro mundo. É sempre um prazer conviver com eles.Um obrigada pela vossa constante disponibilidade.
Paula e Zé Paulo: obrigado por nos terem proporcionado um super fim de ano. Não foi bom, foi "simplesmente demais" como diz o Caetano...
Tenho de salientar que se esperava mais do Mad Dog. Depois de atingir o estrelato e de choverem convites por todos os lados, não mostrou o seu génio musical. Esperavamos uma exibição musical mas a Timidez venceu o tigre. Sim. O nome dela era Timidez, Maria Timidez Peixoto, da Rua Amilcar Cabral, lá de Maputo..
Foi bonita a festa, pá!
A musica do Pita foi o máximo, parabéns DJ!Também a foto tá muito gira...e a Chita!!!
Parabéns à Paula e Zé Paulo por tudo e em especial pelo vosso sorriso!!
O irmão do Zé Paulo foi fantástico!!!
Eu gostei muuuuuito da festa!!!
BOM ANO!
MJoão Amaral
Excelente metáfora e que texto bem engendrado, Oliveira. Sem ser grande entusiasta das eleições que aí espreitam e que são tudo menos participativas, o previsível vencedor é o espelho da maioria. Dos grunhos para aplicar um vocábulo dum vosso comentador. Abaixo a democracia via TV.
Marlon
Bom ano António!
Gosto de ver que continuas com grande verve.
Começar 2006 a dar ainda música ao povo é de enorme espírito de entrega, concordarás.
Querias melhor?
Talvez agora o povo se repense democrático.
Afinal, pelo número, as potencialidades são infinitas:
8, a inverter.
beijinhos
Saudades
António, Zé Paulo, Paula, "Manelito", já sei: a festa foi de arromba, a música do melhor, os amigos lá estavam quase todos... a Chita apareceu...que inveja! que é que eu perdi mais? Parabéns aos organizadores e beijos para vocês todos. Bom ano. E até breve. Amélia
tambem ja passei por algumas experiencias democraticas e cheguei a mesma coclusao : a democracia da muito trabalho!!!!
no entanto neste caso valeu a pena e aproveito para agradecer a todos os que participaram nesta noite....
pf
António, por experiência própria, digo-te que a pior coisa que um DJ pode fazer é começar a aceitar os pedidos musicais dos ouvintes. Acho que percebeste isso. Fui DJ num bar durante um ano, e como eles eram uns chatos com isso dos discos pedidos, encontrei uma solução de compromisso: passo essa banda, mas sou eu que escolho o tema, e quando o passo. Assim consegui contentar a maralha sem perder a linha musical do meu "set". Um boa ano para ti. Abraço.
Será este um texto reaccionário? Afinal quem mais ordena, o povo ou o DJ?
Aqui a reacção não passará.
Um abraço a todos e até à próxima festa.
O DJ de serviço.
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