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quinta-feira, 21 de junho de 2007

"A papinha feita"

Foi nestes termos que a APP (Associação de Professores de Português) se referiu ao exame nacional de Português para o 9º ano de escolaridade.
Nem referências a Gil Vicente nem ao Camões épico - conteúdos literários do programa deste ciclo de ensino.
Reina tal confusão neste domínio do ensino da língua materna que nada surpreende.
Não é de agora.
É de há muitos, muitos anos a esta parte.
Quem quiser dar-se ao trabalho poderá tentar consultar um artigo assinado pelo hoje deputado (PS) Luíz Fagundes Duarte no JL (não consigo precisar a data, mas será na década de 80) no qual este docente da FCSH da Universidade Nova de Lisboa se insurgia quanto ao facto de continuarem a ser reconhecidas as Licenciaturas em História como "habilitação própria" para o ensino no 2º ciclo da disciplina de Português.
A coisa prolongou-se e deu no que deu. Durante muitos anos os professores do 2º ciclo leccionavam simultaneamente as disciplinas de Português e Estudos Sociais, sendo que muitos deles eram precisamente Licenciados em História.
Com as sucessivas reformas do nosso sistema educativo nunca se tocou no essencial: quem pode leccionar a disciplina de língua materna? O que é um programa para uma disciplina que há-de passar pela aquisição das competências, pelo pôr em prática as mesmas e pelo domínio e compreensão da língua enquanto estética (a Literatura)? Essa discussão nunca se fez. Nunca houve a preocupação de entender o ensino desta disciplina enquanto veículo facilitador de todas as restantes aprendizagens, nem se lhe deu nunca uma dimensão de disciplina transversal: o aluno que domina mal a língua em que aprende nunca poderá ter grandes expectativas enquanto à sua progressão no sistema de ensino...
O mais fácil era facilitar (perdoe-se-me a redundância): retirar a carga literária dos programas.
Fernão Lopes, a lírica medieval, os poetas do Cancioneiro Geral, entre muitos outros, foram sacrificados. Um aluno do nosso actual ensino secundário não tem nem ideia de quem sejam estes autores. Aliás, os programas da disciplina de Português do nosso ensino secundário são matéria rísivel - oscilam entre um ensino do funcionamento da língua (competência que deveria estar já adquirida com o cumprimento da escolaridade obrigatória, nove anos são o suficiente!), e uma parafrenália de conteúdos espúrios, mais uma série de coisas da Literatura que são comuns a todos os cursos.
Resultados: os nossos alunos lêem de forma deficiente; desconhecem, de uma forma geral, as regras básicas do funcionamento da língua; não têm hábitos regulares de leitura; não conseguem, de uma forma geral, expressar-se correctamente nem oralmente nem através da escrita.
Era urgente pensar nisto como uma prioridade nacional.
Nenhum país avança dignamente com base em 'papinhas feitas'.