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domingo, 17 de fevereiro de 2008

Explosão (2)


No jogo inicial a Maio explosão do Estádio verificara-se aos doze minutos da segunda parte quando Vicente apontou o golo da vitória do Atlético. Porém o que mais me impressionaria, foi a invasão do campo no final do segundo encontro, favorável aos madeirenses, por uma margem que lhes garantia a passagem da eliminatória, em circunstâncias que indignaram a maioria dos espectadores. As interrupções da partida – que mais tarde, em conversas, me esclareceram com pormenores – quando os jogadores alvi-negros protestaram o primeiro golo do Marítimo, alegadamente marcado com a mão, ou quando o árbitro marcou a grande penalidade decisiva, também contestada, gota de água que fez transformar o final de um desafio de futebol numa espontânea revolta popular, tudo isso, ainda que de forma difusa, consigo recordar agora.
O resto pude saber através dos jornais consultados, Correio da Horta e O Telégrafo: o Atlético protestou o jogo e a Associação de Futebol da Horta deliberou não homologar o segundo encontro, argumentando que o árbitro não entregara o respectivo relatório. Tiveram lugar então diversas actividades cívicas que pretendiam homenagear o Angústias Atlético Clube, as quais contaram com a presença de dirigentes dos restantes clubes locais e representantes das actividades cívicas.
Eis uma notícia desses tempos: «Na noite da passada quarta-feira, após entusiástica homenagem prestada pelos faialenses ao popular clube das Angústias, os seus corpos gerentes, jogadores com o estandarte, centenas de simpatizantes, numa romagem de agradecimento, acompanhados pela filarmónica “União Faialense”, percorreram as ruas da cidade.» Permanecia um sentimento de grande injustiça causado pelas opções do árbitro. Mas a vida continuava.
Os navios demandavam o porto. Eram os dias do “Cedros” e do “Arnel”, os “carvalhinhos”. Chegavam mercadorias e donativos. As actividades económicas, com dificuldade resistiam. Na doca, nesse mês de Abril aprontavam-se as traineiras para a campanha da albacora. A rua Serpa Pinto, ou “rua direita”, continuaria a viver o seu bulício matinal com as mercearias atulhadas de sacas de batatas, sementes, feijões. Sobre o balcão havia frascos de azeitonas. Circulavam misturados os cheiros de antigos temperos. E muita gente afluía ao Mercado Municipal, fornecido com apreciável variedade de frutas e legumes. Aglomeravam-se as mulheres em volta das pesagens. Alguém regateava.
No Teatro Faialense e no Cine-Salão prosseguiam as sessões de cinema, numa época de sucesso e afirmação dos realizadores italianos, Visconti, Rosselini, Vitorio de Sica, não obstante a turba apenas delirar nas fitas em que sobressaíam, entre outros, Errol Flynn, John Wayne ou Sara Montiel. No Café Internacional, por entre cortinas de fumo, continuaram renhidas, as partidas de dominó. Mesmo ao lado, no seu silêncio branco, o Infante escutava os rumores do jardim: correrias de crianças, segredos de namorados, assobiadelas da malta quando passavam as flausinas. No mês de Junho haviam de florescer as manchas vermelhas em todos os metrosíderos.
Mário Machado Fraião, CARTA DE MAREAR

Fotos Júlio Vitorino da Silveira

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Explosão (1)


As recentes proezas da equipa de futebol do Santa Clara, na sua meteórica subida à I Divisão Nacional, hoje Superliga, proporcionaram-me recordações de um tempo já distante. Ainda não completara seis anos de idade. No entanto, jamais aquelas imagens se me apagariam da memória. A euforia do peão no Estádio da Alagoa, ostentando uma das maiores enchentes de sempre, no dia 11 de Abril de 1958, com guarda-chuvas, casacos e chapéus lançados ao ar, em transbordante aclamação, quando o Angústias Atlético Clube marcou o golo da vitória sobre o Marítimo do Funchal na primeira mão da eliminatória Açores-Madeira a contar para a Taça de Portugal. Nofinal do encontro, Atlético 3, Marítimo 2.
No mês de Abril de 1958 o vulcão dos Capelinhos ainda expelia os seus jactos de lava e cinzas que oscilavam entre os duzentos e os seiscentos metros de altura. Seguiam-se horas de acalmia, por vezes total, para recomeçar novamente a actividade vulcânica com igual ou maior intensidade. No dia 12 o Correio da Horta noticiava: “A nuvem de vapor atinge os 2000 metros de altura.” Acrescentava que o Instituto de Assistência à Família distribuía peças de vestuário aos sinistrados do Capelo e Norte Pequeno, oferta da Igreja Adventista dos Estados Unidos da América.
Nessa mesma altura o mundo encontrava-se em plena “guerra fria” e na luta pela conquista do espaço iniciada com o lançamento dos Sputniks. Por esses dias John Foster Dulles informara o Presidente Eishenhower dos preparativos para a Conferência de chefes de governo das grandes potências mundiais. A França debatia-se com o problema da guerra na Argélia, questão que arrastaria o país para uma profunda crise política. Em Cuba continuava a guerrilha e as autoridades cubanas anunciaram o prémio de 100.000 dólares, ou seja, dois mil oitocentos e sessenta contos a quem capturasse o chefe rebelde, Fidel Castro. O governo indonésio confirmava que as tropas governamentais tinham capturado Buki Tingi, capital de Samatra Ocidental, última grande fortaleza rebelde.
Na Índia, o “Congresso Nacional de Goa”, suspende o movimento dos sritiagrah e inicia uma nova fase da sua luta contra a administração portuguesa. Em Portugal, enquanto o último plano de Fomento continuava a entusiasmar os incondicionais do regime, avolumavam-se as divergências entre diversas personalidades da situação, e que, associadas a diversos condicionalismos, levariam à candidatura do general Humberto Delgado à Presidência da República.
Na ilha do Faial o dia a dia continuava a ser marcado pela actividade eruptiva do vulcão dos Capelinhos que arruinara muitas famílias da Praia do Norte enquanto se multiplicavam as iniciativas de solidariedade. O Jornal Português, de Oaklande, Califórnia, organizou uma subscrição a favor das vítimas, a qual, no dia 4 de Abril atingia vários milhares de dólares. E foi neste momento de adversidade que o Angústias Atlético Clube, equipa de pescadores e homens da doca – nessa altura orientado por Costa e Melo, irmão do fundador do jornal A Bola – venceu pela quinta vez o Torneio Açoriano de apuramento para a taça de Portugal, recebendo por isso o representante da Madeira, o Marítimo do Funchal, em dois jogos que se disputaram no Estádio da Alagoa.

(continua)

Mário Machado Fraião, Carta de Marear

Fotos Júlio Vitorino da Silveira

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Silêncio sobre o sofrimento

Chegara
finalmente a uma certa praia
E nesse instante
as gaivotas
formavam a densa mancha
no céu crepuscular
um céu de vento e já sem cor
Na areia repousavam barcos pintados de
verde e outras inspirações
a proa curva muita alta
Pôde ainda reter o odor a peixe
admirar
as fachadas impressionantes
antigas moradias que morrem devagar
porque morre o dia porque morre
o equinócio
Apenas pretendia voltar a vê-la
a fresca face de outrora
Atrás dele
uma longa demorada estrada
silêncio sobre o sofrimento.

Mário Machado Fraião

terça-feira, 18 de setembro de 2007

PROLONGAVAM-SE OS DIAS

Prolongavam-
-se os dias para além do Outono
Era um tempo de jovens coloridos
mar
de navios espalhados em manchas claras
poisavam as gaivotas
à nossa beira
num silêncio contaminador
estonteante
Reparei nessa altura na pureza das bicicletas
permitem ouvir as ondas
o som mais breve
a mais perfeita respiração.

Mário Machado Fraião

sábado, 15 de setembro de 2007

Das coisas que me disseste

Das coisas que me disseste
a probabilidade
o mito e o logos
o mais fácil era o azulejo
ali por baixo do Aqueduto e que não gostavas
Tão cedo
chegaste
e foi para me avisares
do teu gosto felino
o teu rosto pintado
os dedos frios e vermelhos sobre o café
Por isso tivemos o tempo a passar
embora saiba
desde sempre
que o barco é leve como o vento
quando entramos devagar sobre as águas claras

Mário Machado Fraião

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

O Outono

O Outono chega sempre na mesma altura
celebram as aldeias
Parto para esses sítios
onde irei rejeitar
todas as manhãs
os convites de alguns caçadores
os seus pássaros estilhaçados
-- Vai chover!
Tão inesperadamente
como o apito de um navio
Já nem sabia como era
nem
dos sinais que permanecem
por quantas gerações numerosas e dispersas
O azul é outro
andam as estrelas cintilantes pelos seus ardentes
(milhões de anos
O Outono chega sempre


Mário Machado Fraião

domingo, 9 de setembro de 2007

ERA UM SORRISO BONITO

Era um sorriso bonito se chegavas antes das oito. Se
chegavas tarde murchavam as flores do quadro velho, um
quadro kitsch pendurado por cima de mim.
As noites calmas da província.
No pacato restaurante poucos clientes havia:
aquela mesa de bêbados – um deles e sempre o
mesmo cantava de vez em quando um fado canalha;
alguns viajantes de passagem
e nós os dois.
Rolaram calmas as noites da província.
Cantou o bêbado muitos fados canalhas. Murcharam
e floriram as flores do quadro Kitsch.
E nunca te sentavas à minha frente.

Mário Machado Fraião

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

OS BARCOS

Os barcos
levam bandeiras
os cavalos
belas cabeças
Os barcos levam nomes de mulheres
Por elas nos consumimos
e nos perdemos
e nos reencontramos
Grandes nuvens escondem um sol a acabar
no magnífico céu azul e oiro
Partiram as gaivotas rente às ondas
e percorrerem leves a extensa areia desta praia branca
outras ficam na faixa brilhante
reproduzidas
silenciosas
e passam novamente os cavalos batendo os cascos
pelo imenso paredão de luz e muita gente
Os barcos levam nomes de mulheres
ou levam nomes díspares
o Afrodite o Filho-da-Mãe
Alguém canta as trovas dos últimos trovadores
que agora já morreram
Os barcos
a brisa do mar em frente à cara
Vamos a ver hoje se não bebo.

Mário Machado Fraião

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Leituras de Verão


Mário Machado Fraião é um açoriano, nascido na cidade da Horta, ilha do Faial, em 1952. As crónicas publicadas ao longo de catorze anos, de 1990 a 2004, em diversos jornais açorianos, foram recuperadas, corrigidas e acrescentadas, para a presente publicação, que surge com fotografias de Júlio Vitorino da Silveira.
O Mário tem ainda apreciável produção poética (Enquanto o Mar se Renova, Poemas do Mar Atlântico, Os Barcos Levam Nomes de Mulheres) encontrando-se representado em várias antologias de poesia açoriana.