Não se escreve em definitivo sobre nada. E a experimentação na escrita não deixa de ser uma experimentação dos conceitos ou da matéria que para lá caminhe entre o informe e a forma – não há como a escrita para pensar e não há pensar que não seja ficção. Falou o José Gil, na última aula, que venho glosando numa espécie de vontade de ser eco, do risco como pensamento, isto é, de que pensamento e risco seriam sinónimos. Tenho andado a tentar perceber isso. Uma coisa acho que entendi: as teorias cheias de consistência – e nelas incluo as plenas de inconsistência, a medida contrária que afirma a irracionalidade mas não explica as cidades nem a romanização por exemplo, menos ainda o pão e circo, o canibalismo e outras façanhas humanas consistentes e constitutivas do ser, como também o extermínio selectivo – são formas de esquivar ao risco.
Quem teoriza no arame faz uma coisa que o teórico consistente não é capaz de fazer.Olhando-se não se reconhece na imagem sempre movente e aí talvez escape ao narcisismo, doença destes tempos de filhos únicos e protecções materno-paternais ansiosas.
A imprecisão do que se quer fixar é uma constante e o desejo de forma, outra. Quem, como se diz, tem os pés na terra, diante do bitoque de que fala o Gil, esquece o resto e converte-o em entretenimento. Começa polémica e risco o que começa e se foca em qualquer coisa discernível e termina culinário. Estes últimos, os dos pés na terra, são muito úteis como polícias. Os outros não têm finalidade. São mesmo inúteis. Talvez aí comece qualquer coisa.
FMR
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quarta-feira, 17 de março de 2010
anaCrónicas 9
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José Gil
sábado, 21 de junho de 2008
Mambo 45
Das partes à parte
Assim lhe sucedeu aos amores também.
Molhava o pé primeiro nas areias soltas, e na poeirada da emoção já lhe parecia aviltado o entusiasmo, e a luxúria em espuma do quase imaginado encolhia-lhe o que seria o segundo passo numa forma tão mesmo mínima, que levaria séculos para que arrastando-o, se considerasse isso andar em direcção a alguém ou a algo.
Por causa dessa atitude voluntariosa em não coincidir a vontade com o acto, ficou como sendo quem vinha a caminho numa sorridente correria, levantando as vidas já atenuadas como leves folhas sopradas à sua passagem, caso completasse a outra metade do que desejava, o que após o que nunca acontecia essas mesmas existências se transportariam de novo para sítios semelhantes onde é alcançável a maciez do que quer que seja, que é no fundo apenas um também adiado esquecimento.
Mas no seu modo, o que se tornava realidade era apenas uma esperança de revoada futura, de um dia que se gangrenara em sonho seu, revoada essa que alteraria a sua vida de tal forma que se respeitaria até à decadência do seu corpo, como sendo alguém capaz de dar mais de uma passada.
Existem começos que são apenas já o fim, no entanto.
Por causa das metades que a existirem seriam o meio, que é o que sustenta as pontas dos acontecimentos.
Com os vapores contemporâneos, ficava-se pela metade de tudo quanto pensava ser inteiro, caso continuasse.
Assim lhe sucedeu aos amores também.
Molhava o pé primeiro nas areias soltas, e na poeirada da emoção já lhe parecia aviltado o entusiasmo, e a luxúria em espuma do quase imaginado encolhia-lhe o que seria o segundo passo numa forma tão mesmo mínima, que levaria séculos para que arrastando-o, se considerasse isso andar em direcção a alguém ou a algo.
Por causa dessa atitude voluntariosa em não coincidir a vontade com o acto, ficou como sendo quem vinha a caminho numa sorridente correria, levantando as vidas já atenuadas como leves folhas sopradas à sua passagem, caso completasse a outra metade do que desejava, o que após o que nunca acontecia essas mesmas existências se transportariam de novo para sítios semelhantes onde é alcançável a maciez do que quer que seja, que é no fundo apenas um também adiado esquecimento.
Mas no seu modo, o que se tornava realidade era apenas uma esperança de revoada futura, de um dia que se gangrenara em sonho seu, revoada essa que alteraria a sua vida de tal forma que se respeitaria até à decadência do seu corpo, como sendo alguém capaz de dar mais de uma passada.
Existem começos que são apenas já o fim, no entanto.
Por causa das metades que a existirem seriam o meio, que é o que sustenta as pontas dos acontecimentos.
Com os vapores contemporâneos, ficava-se pela metade de tudo quanto pensava ser inteiro, caso continuasse.
sexta-feira, 4 de maio de 2007
O Corpo da Escrita
...
Como a um cativo, o ouvem a passar
Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura
Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de ânsia
Fitando a proibida azul distância.
...
Mensagem, Fernando Pessoa
III Os Tempos - Noite



Composição e fotos de José Salvado
Como a um cativo, o ouvem a passar
Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura
Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de ânsia
Fitando a proibida azul distância.
...
Mensagem, Fernando Pessoa
III Os Tempos - Noite



Composição e fotos de José Salvado
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