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quinta-feira, 3 de julho de 2008

Não se pode voltar ao presente como sendo aquele que era seu

Em menos anos se constrói uma morada, seja ela o que se quiser chamar.
Pergunto-me se um prisioneiro encaixará em si o termo "saudade", quando devolvido ao início do percurso que o conduziu até ali. Não o sentimentalismo barato, mas aquilo que se tornou em mais alma, porventura com os cheiros já adocicados do inimigo, pelo tempo de convivência.

Que pode uma pessoa passar a pensar e sentir, devido a uma mudança de chão?
É inimaginável...

Que estranheza haverá, em supôr que ela exista no olhar de uma "colombiana" raptada há anos?
O resgate não foi uma libertação, mas numa visão radical, um novo rapto, desta vez o que a faz regressar a um mundo para o qual já não pode olhar do mesmo modo.

domingo, 1 de junho de 2008

Da Liberdade..

A deseducação parece ser essencial, penso neste país cada vez mais como uma democracia-pocilga, berço de miserihabilidades de fundo.
É angustiante ver como se alastra a tudo e se confunde a educação (capacidade de se dizer o que se pensa sem se cometer assassinato, ou seja, de se ser sensível ao outro que é sobretudo respeitável porque não assassina, podendo fazê-lo porque também imperfeito) com a alegria triste de se ejectar o despojo pessoal com tamanha facilidade, garantia de tanta liberdade anémica..

terça-feira, 20 de maio de 2008

Foto:g.ludovice


É do que há enquanto o destempo vigora,
que se vive até ao ocaso,
assim fervilhante de alma !

A um Alemão de Hoje

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Exercícios

Exercício da plataforma visível

Ter chão, pensa-se, é a coisa mais certa e óbvia para um animal terrestre e até mesmo as aves que se exilam tempos diria infindos pelo tecto gasoso do mundo, o têm por vezes.
Mas não é assim fácil de todo, achá-lo no sítio debaixo das nossas solas onde ele se torna perpendicular à nossa consciência física ou notá-lo pegado a um lado mais extenso do nosso corpo como uma insoltável paisagem, vista da janela de um trem, porque pelo pensamento também dos demais e pelos desejos e angústias somos muitas vezes desvisitados de nós mesmos.

Olha-se para baixo.
Existem tábuas de madeira ou mosaicos ou terra ou assim.
Nesse fundo à vista, está a ponta de nós ou um meridiano que ainda somos nós.
Abarcamos pouco. Ocupamos um irrisório espaço em relação às coisas e cidades, mas precisamos de espaço em volta do que somos, mesmo que permanecendo imóveis como as sombras de objectos pendulares que não são visitados, pelos esgares da luminosidade.
É estranho. Só os mortos parecem não necessitar de horizonte.

Olha-se ainda para a parte que em nós não se desalinha com o piso.
Um dedo poderia percorrer essa linha de contacto como uma carícia inusitada que aproxima estranhos, de modo invulgar, com uma enormidade de súbitos pretextos irracionais.
Não há dúvidas desse apego ao quintal dos pés.

Mas na angústia da nossa efemeridade, tal como desaparecem as coisas quando aceleradas em demasia perante a estática visão que delas temos, a realidade estável torna-se volátil como uma mobilidade ainda mais real e aquilo que é para nós certo, deixa-o de ser.
Incluído o nosso único e insubstituível chão.

Olha-se de novo para onde assentamos algo de nós em algo.
Ama-se essa impossível permanência.
É tudo.
(A pensar nas vítimas de xenofobia que assolam o mundo, neste instante, Joanesburgo)

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Terra

Somewildwish/30
O homem do cacilheiro não sabe que responder, se pela primeira vez lhe perguntam pela quantidade de energia e pelo real labor dos motores, que fazem com que aquela existência, longe de ser apenas deteriorável um dia, se sustenha para que tanto rume entre as margens.
Assemelha-se-lhe a questão, ao saber qual o volume de coração que deve soprar no desfiladeiro do amor, supondo que em derrocada deverá permanecer ágil.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Mambo 39

Os primeiros sofrimentos são como as grandes chuvas.
Não se sabe se tudo se vai entranhar em afundamentos na perda ou apenas revolvida a superfície, areja-se o novo caule já surgido entretanto, o que guarda a desejada imperdível flor.
Por causa dessas estranhas parecenças de momentos, muitas vezes como se tem a própria sombra, temos uma imparável sarna mental, sentimo-nos como se nos pudessem chamar de cão vadio, de um quem perdido e afirmamos a fenda da nossa existência com a convicção de quem vê uma paisagem. Fugazes compleições.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Em fôlego de rio

Levava-a todo o dia ao rio depois de descida a faladora ponte, areava-a pois na paisagem com areias, sempre punha esforços no hábito de compreender os fundos, revirava-a de lado em sucessivas voltas, esfregava-lhe o que liga a base ao circular e amolgado encosto para as duas asas, que sobre o carvão sempre a aqueceram demais nas vontades das mãos, percorria-lhe teimosamente o redondo dos esbatidos parafusos com aqueles dedos que perseguem a fugitiva doença no momento da cirurgia, recuspia-lhe nos grãos em arranjos de começar de novo o saber dos escondidos brilhos, roçava-lhe nova areia uma e outra vez numa paixão de seres que sempre se querem afundar só para estarem de verdade, já tarde em sol depois das tensas lambidelas da terra sacudia-a, como fazia aos seus panos após estar ali sentada de pernas abertas com a panela no meio, como um filho protegido dos ventos da vida nas ternuras de mãe, sem que a emprestasse muito tempo a outras mãos, não fosse esse alguém começar-lhe a descuidar as quantas coisas que estranhamente, existem num vazio. A mente dela era uma panela. O coração também talvez.

Múltiplas hipóteses

Pintura em azulejo 2001- Serpa

sexta-feira, 21 de março de 2008

As razões dele
O perdidismo da sua mais nova, resolvia-se por vezes nos aromas do mar. Chegava orientar-lhe a cintura do corpo na direcção da brisa e alastrava o assalto de um sorriso, na paragem de seus olhos.
Tinha de tomar conta de todas elas, era seu mérito e dever de marido rico de mulheres.
Cuidá-las com palavras cavadas no adocicado, por vezes gritos grossos de humores trazidos do mundo, outras barcos nas mãos para as viagens de pele, trocas de serviços, o beijo pelo prato.
No ajuntamento com a mais velha, conseguiu umas quantas cabras castanhas com manchas brancas, não puras de raça, mas um bom dote ainda assim.
Ao fim de uns tempos veio a do meio, com a devida autorização de coração da primeira, cansada de procriar e ser sempre ela a consumidora dos abismos da cabeça dele.
Estava na hora de o repartir como uma comida amarga só na nossa boca, ainda a paciência lhe sobrava para os desaforos do seu homem mas o seu parideiro volume, já lhe esmolava violentos descansos.
Quando lhe disse aquele sim sombreado pela quebra de si mesma, ele trouxe a segunda para a casa do lado, com a mesma árvore e sua amedrontada sombra.
Ficaram amigas na mesma história dos sucessivos arredondamentos e desarredondamentos.
Nos luares fortes, as conversas giravam entre os três, num balanço de leves digestões o mambo do milho, os enlameados futuros dos filhos todos que falhavam o saber escrever numa repetição de gerações, o terreno enchuvado a estragar a melhoria de vida, a morte dos que primeiro se tinham encovado de tristezas na doença de muitos nomes ou que num atropelamento de rua para a cidade, se tinham feito sangue solto nas areias.
As duas eram como os dois braços musculados dele, livravam-no de muitas incumbências, sabiam como manter as estrelas no alto do seu planalto. Não pareciam sofrer o fazer da existência, juntas como irmãs de destino comandado por ele.
Mas a mais nova só se derramava a sonhar pelos poucos cantos, que havia. Não queria saber do fundo de panelas, nem do rio seco com roupa a atravancá-lo de cor nem da lâmina da enxada a fazer surgir palavras de comer nos lábios da terra.
Não tinha terceira casa para ela, mas um nicho de amor sem janelas, antes recolha de quintal.
Elas desprezavam-na.
Os miúdos sorriam-lhe.
Ele não sabia bem que fazer com ela.
Desconhecia o que ia fora dela por ignorar o que estava lá por dentro, onde ela estava o mundo ficava com mais espaço mas escapava-lhe mais, ao raciocínio de chefe de casas.
Parecia um peixe fora do seu maternal liquido, não havia murete onde se sentisse encostada nem solas de pés que a entusiasmassem com desvios de sonhos.
Quando se afogava de amores por ter sido a escolhida entre as outras duas, para com ele amanhecer , só então parecia suster-se com substância.
Ele estava a ficar em alargados desesperos, mas gostava da sua nova condição; esta permitia-lhe um estatuto mais macho, ser o chão onde ela se alcunhava de vida, numa guerra perdida com a realidade.

terça-feira, 18 de março de 2008

Mambo 37

Para ti Papito, algures.. feito Estrela
Foto:g.ludovice
Aproximei-me em passos vagarosos dele, estava sentado à secretária na sua biblioteca, a pensar ou coisa assim. Ao fundo rente ao tecto, havia uma rasgada tira de janela por onde o pai espreitava os poentes e nos chamava para com ele, os vermos. Estava lá essa janela, porque ele a tinha desenhado para só isso. Estendi-lhe uma pequena encadernação de capa verde. A primeira folha estava guardada para ele escrever-me uma coisa com que eu pudesse iluminar o resto da minha vida, queria eu. Não adivinharia o que lá poria ele, só sabia que seria especial, que ficaria diferente de todas as outras pequenas rectangulares páginas já escritas por colegas, professores e amigos. Acho que por volta dos dez anos, era costume ter-se um livrinho destes, era como um acrescento à existência, sempre que o abriamos nos viamos como pequenos tesouros aos olhos dos demais, para além de que ali ficavam as caligrafias e marcas das pessoas importantes que iam e partiam da nossa vida, muito mais rápidamente do que suporíamos, tão breve é a vida e tão enrolada é a história do mundo para alguns. Agarrou no livrito com as suas mãos parecidas com as minhas agora, olhou-me com aqueles castanhos olhos doces quase de criança e escreveu: "Se eu pudesse agarrar uma estrela no céu, não seria mais feliz do que ter a filha que Deus me deu." E como as estrelas são para mim tão grandiosas, fiquei naquela altura sem perceber como podia o pai dizer-me uma coisa daquelas.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Exercícios

O exercício, de encontrar aquela alma

As palmas das mãos são como canoas tornadas inquietas pelas suas brechas futuras, as que as levarão ao desleixo de não ter como se abrir, que na língua mais clara, se chama afundamento.
Antes disso, precisam de fazer algo mais importante, que é ver a alma do outro.
Essa coisa que foge a sete pernas, a hospedar-se na debandada, a rir-se desde o algodão do poente que depressa se desfaz em cegueira de noite, essa coisa que nos empurra a acreditar que não bastam as outras coisas de uso mais vago, como os olhos a libertarem sossegos ou as palavras entretidas de melancolias no embalo dos descontos da vida, para que seja alcançada.

Essa coisa da alma do outro, não é caça que se estende com balas ou pauladas tamanhas nem cozinhado que se mexa na sua quentura.
É preciso saber do seu porto que oferece a chegada, para para lá sem morte, se viajar.
A alma assoma-se desse mundo, que é a pele que não nos pertence encostada a uma palma de mão que é a nossa.
Essa é a lição, do exercício de aprender sobre o estranho mundo de dentro.
Se queres ver-lhe a alma, tens de tocar!

Aconchegá-la à realidade, com as tuas mãos.

sábado, 15 de março de 2008

O menos desolhado

O azul de raridade que o cobre nas amplas costas, é uma pista ali nos prontos arredores. Funciona bem, tal como a máquina nova no pulso a rigor, o esquerdo, o relógio nascido de mostrador grande, tudo no seu propósito de conquistar nos outros não apenas os momentos dos olhos mas também, os próprios pensamentos com suas inclinadas suposições, essas hipóteses que roubam tempo à cabeça dos demais e os fazem permanecer a pensar em nós, até a inventarem histórias sobre a origem das nossas felicidades de cara, estampadas fundo.
Esse tempo que usamos da vida dos outros era para ele uma vitória, tinha assim onde existir de modo mais completo, alargando-se abusadamente em outras vidas, ocupando-lhes memórias como se enche uma casa de coisas que se encontram um dia, que não servem de muito, mas ficam lá bem porque o vazio é sinal de pobrezas e ausência de virilidade para os seus moradores.

Antes experimentara a dengosa brancura dos dentes, para subir em considerações no seu estatuto, ser um pouco mais do que um simples homem de futuro oferecido, por o não ter e ser-lhe mais certo puder ofertar aquilo que não havia.
Depois aprendeu por observação severa, que todos os homens com poder acrescentavam utensílios ao sorriso, não bastava o retrato da boca a oferecer o mundo como se ele existisse e tivesse porta de entrada.
Foi a si somando em invenção, também essa sorte deles, que é trazer uma valiosa mulher atrás do seu embelezamento de vida, com pegamento de coração, talvez até.
As grandes conquistas quer fossem das cidades, quer fossem dos povos, quer das mulheres, envolviam sempre coisas que, por poderosas, passavam involuntariamente de umas mãos para as outras. Sabia-o do compêndio de História, reachado numa prateleira de asfalto.

Afastado da possibilidade da feiosa correia de plástico, conseguiu obter uma de pele bem lustrada. O seu marcador de tempo tornou-se o primeiro movimento em direcção ao topo, esse lado que se tem quando se tem também alguém, que faz figura.
Já não mais seria alguém desimportante, estariam desde aí nele concentrados pasmos de caras e habilidades de conversa.

Pela hora da abertura das humanidades, aprendidas moralmente na educação das escolas com cadeiras, roupa em segunda mão chegava das terras, onde o esplêndido mostrador do seu relógio já não é furor para olhos alheios, antes pareceria arrojado na insólita negação de si mesmo, mas é verdade que em vez desse objecto, pode a sua existência ser ainda antes tomada como iluminação em noite crescente, pelo azul turquesa conseguido no casaco das lides internacionais.
A sua grande apoteose é, no entanto, de diferente natureza, ultrapassando mesmo a desvida dos próprios frágeis objectos na sua duração, depois que foi o rebentamento da mina que o abocanhou.
Quando ao prosseguir a compasso com o seu tic-tac encolhe a perna que não já pode possuir, fica sim na lembrança dos outros mas em estranha elegância, difícil até de se tornar moda, ganhando nesses respirados entretantos uma inconsciente dignidade única, no seu incopiável modo de fazer caminho.
O que foi original sobre o físico de alguns outros, é apenas estratégia garantida na ilusão em si.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Terra - Somewildwish


Somewildwish/24 (Belém 08)
Foto:g.ludovice
Depois que compuseste o bairro do céu
com algo que me faz tanto estremecer como o não estares,
o verde jardim sonhou-se escandaloso em lilás rio
e eu estava lá prateada de nadas,
a ver esse teu estranho estilo
de poemar em relâmpagos...
... a maneira que tens de me dizer!! que como eles,
me arrancas à noite
e desfuncionas no meu peito,
o sensível motor!

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Exercícios

Exercício de autoterrorismo

Escolho um livro. Sem olhar atentamente ao que me espera.
Abro-o e ponho o dedo que mais dançarino estiver.
Na sua sombra, embarro a vida com o parágrafo, como aprendi mentalmente a untar uma forma com gordura, sem nenhum espaço sem ela e com um infantil orgulho em sujar as mãos.
Passo a ser aquilo, sem poder desgostar-me, aquilo que estiver escrito.

Inventei este exercício, para compreender os outros.
Mas é apenas um exercício de transformação, que mal há em querer ser outro no seu chão por dentro?
Qual o impedimento ético em querer abarcar o mundo, de forma a ser eu a única raptada?
Calhou-me Beckett, em “Mallone está a morrer”, não achei piada.

O conteúdo da desdita página pareceu-me terrível, mas não posso desgostar-me com a vivência alheia em mim.
Por isso, não me desiludi quando o horizonte mais a perder de vista tinha-o de súbito à cintura e o próprio corpo que me confere contornos e viagens, foi atravessado de cada vez que a cama o fazia levemente ondular, por uns rios caudalosos de metal.

Tal como com Mallone, também estava lá um pau que servia para caçar coisas sem propriamente disparos e que se tornou num animal doméstico de fascinante faro, pois que perseguia avidamente a solidez que permite o desesperado amparo.
Tive acelerada a mente em décadas, naquela imersão na quase imobilidade.
Foi-me levado aos preconceitos da vida, um enorme apagador e literalmente decompôs-se a armada fixidez de algumas ideias como se tivessem apodrecido nas suas estruturas, a um ritmo voraz.
Na continuação da leitura, o essencial tornou-se algo estranho, um pau para chegar ao mundo, não ao dos outros mas ao mais próximo antes do começo das branqueadas quatro paredes a cal, chegar com ele ao copo na sua preciosa água, ao interruptor da luz e do rádio com outras vozes que vêm, à peça de agasalho ao fundo do entardecer, ao indispensável saco das bolachas, ao lápis, aprender a importância de poder chegar a, e o espanto de nesse perímetro individual de coisas miúdas, poder-se com susto compreender o tormento de outras existências que ali não chegam senão pela minha dor de não saber a elas chegar, fora do exercício.
E sempre penso que amanhã há-de ser outra semana e que outro parágrafo de um outro destino, me será um soberbo apuramento desse tal mundo dos outros.
Anseio pelo próximo livro, não sem algum comedimento.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

E os Desertos?


Deserto do Saara: الصحراء الكبرى, aṣ-ṣaḥrā´ al-koubra
Saara: tuaregue tenere (deserto).
O deserto compreende parte dos seguintes países e territórios:
Argélia, Burkina Faso, Chade, Egipto, Líbia, Marrocos, Saara Ocidental,

Mauritânia, Mali, Niger, Senegal, Sudão, e Tunísia.
Vivem cerca de 2,5 milhões de pessoas na área do Saara.

(fonte:wikipedia)


No maior deserto do mundo
estão cinco milhões de jóias
humanos olhos tão aguados,
e os meus também,
que com vontades deixei que
se dispensassem de mim
e
caíssem sobre aquela África, no último vôo
ao sentir que o grande pássaro sem canto
ia
comigo gorda de recuos e a chegar inteira,
à velha Europa de penas e fados, de novo.

Já são ausências, aquilo com que vejo.
Já só são o sem fim do espaço, que eles lá vêem...


terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Algumas conclusões mais simples

O fogo é invertebrado?
Então quero ser esse, no seu alvoroço laranja.
A pedra não tem desamparo?
Então desejo tanto no fundo, ficar ela.

A nuvem não tem dentes?
Então acolho essa nebulosa gotejante confundida em pássaro.
O medo volta sempre?
Então seriamente só estou morta, se não mais temer.

O mar convida à dança?
Então nesse azulento véu , tenho par com ele.
O homem é uma infância?
Então feliz guarido nele, nos carinhos do espanto.

O amor é ralharento com os limites?
Então, da imensidão acordada, desluto nele.



sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A visita

Doce e aflita, para desandar com os mosquitos da injustiça, pousa-lhe devagar junto onde descansa a cabeça bem trançada, no absoluto quase escuro da noite, um pequeno prato com guloseimas em jeito de biscoitos.
A mulher negra arqueia-se em curiosidade e pergunta-lhe, para que quer ela que ela coma na hora da sombra maior, e a mulher branca só resmunga algo, num furor amansado de pergunta que cresceu junto ao corpo.
– Onde estavas, que não brincaste comigo? Esperei muito no meu quarto largo, em tardes que se esticavam, enredada em brinquedos caros só para mim. Por que razão não vieste? Eu tanto queria fazer contigo as bonecas, que eram por ti começadas pelo enchimento de umas tiras de panos, com pano, até se formar mais acima aquela barriga e logo os braços, depois a cabeça no desafio final, com os olhos tesourados também em pano, cosicados no pano do rosto. Duravam menos que as loiras, que apesar de resistentes, já só chegavam se por acaso ao teu bairro, em estado de vítimas de abusada guerra, mutiladas de membros, zarolhas no seu azul de olhos de abrir e fechar, com a cabeleira amadoramente recortada, meias esfarrapadas a precisarem dos teus panos coloridos nos seus troncos cor-de-rosa já esfolados, sem nome nem aquele cheiro de loja, mas com aquele perfume dos usos.
Eram tão oxigenadas de natureza, que até para mim se tornava complicado criar uma árvore genealógica, em que elas pudessem ser minhas filhas. Um dia trouxe nas minhas elaborações femininas, um alemão bem loiro que vivia num submarino num filme de guerra e passou a ser o pai delas.
Todos os natais lá vinham, com mais uma nórdica deslavada importada para os trópicos e que por destino fácil de explicar, ia parar não à tua, mas à minha árvore ainda com pistas de resina, vestida ricamente de verdes agulhas, de onde pendiam ora anjos, ora sinos e bolas, onde me podia espreitar em deformação nas suas curvaturas brilhantes.
Dos teus anseios, nada me chegou inteiro.
Em que musseque saltitavas com os miúdos da mesma pobreza, por entre as poças de água da chuva, que não te pude oferecer nem uma nova boneca loira, ainda de pestanejo móvel em condições, com que inventava sozinha lares na minha casa grande? Haveríamos juntas de arranjar uma solução para que fossem tuas filhas também, como as tuas nascidas de pano, minha descendência.
Na minha casa existiam janelas de vidro do tamanho de paredes inteiras, mas nunca te vi passar sempre que me empoleirei para cheirar o mundo e, por isso, só me visitavas a imaginação através dos sons nocturnos dos tambores em noites de festa.
Agora temos de pôr no pano do coração, os mimos que não destrocámos na meninice.
A mulher negra fica só de olhos cogitantes, suspensa na delícia de outra bolacha enchapelada de creme, no exagero da branca já de carunchos como ela, a querer não perder mais do que já perdeu.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Conto

Zero mortos
O primo mais encorpado, o pontão loiro da família morena, segurava-lhe os dedos como se ela os tivesse como finos tubinhos de vidro, enquanto caminhavam em pensadas passadas.
O recinto era de apertos, mesmo dentro dos sapatos.
Esperaram. Havia de chegar alguém com o familiar mais velho.
Imaginaram o saco preto em escasso balanço, a surgir pendurado na cerimónia de uma mão que tresanda todos os dias, àquele peso de corpo no melhor fato e ripas de caixa, tudo junto.
Não veio.
Antes lhes depositaram junto aos enlagrimados olhos, um berço completo com pernas de insecto em fraca madeira. O lençol estava sem arrumação própria na sua lisura, a dobra desalinhava-se no carril debruado da almofada. Parecia habitado em desvolume.
Não chovia nem tinham a pressa ganha nos tempos carregados de fortes cinzentos, por isso, deixaram-se estar a matutar sobre o objecto em vez do objecto esperado, ter ali a sua sombra.
Ela espreitou primeiro o céu e logo a alcofa, e em instinto feminino baixou com solenidade o pequeno lençol, naquele gesto de inventar um rosto seu.
Encontrou umas cinzas espalhadas.
O primo minguou os seus dedos de menina na sua palma grande, cova de suores maiores. Cinzas? Era o mais velho. Já tinham acabado os sacos?
A neta esticou num repente de abismação, o pano até à fronha. As suas mãos ficaram uminha nas do primo.
Passado o deslavado que traz o susto, ela arqueou as costas e afundou os olhos uma vez mais na alva almofada, quando no seu desejo avistou nela um couro cabeludo bem branco, de penteado com risca de lado.
Não havia meio de começar aquela trovoada, para os levar na furibunda corrida de pés ainda enxutos?
Trouxe o lençol mais para o meio do berço, concretizando então o resto do antepassado nas suas carnes de antigamente, as rugas das assentadas da existência, o sorriso sempre malandro a boicotar o juízo dos outros, o negro vivo dos olhos a camalearem as desenluadas noites e os seus lábios de vermelho carnudo já com conversas de serão grande, a mexerem-se no desenho das frases. Era ele.
Sem esperas, pontapeteou a coberta para o alto, deitou para fora braços e pernas e num salto de gazela que escapa de afilado fim por um triz, susteve-se agilmente em si próprio, no areado piso.
Em assombrosa satisfação, depois esquinou rumo ao traço mais directo para a sua casa, o mais velho. Ninguém esquece esse caminho, é como saber engolir as estrelas sempre que não são tocáveis.
O primo, avariado de realidades, seguiu-o ao longe encostado na meia desconfiança, enquanto se des-soltava custosamente dos sonhos malucos da mais nova.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Conto

A descoberta que se não consegue tapar com pano nem vontade


Nas desconsiderações acostumadas com o destino, a moça embeiça pela vida no descuido próprio de quem ressabe fundos e quer desposar pelo mistério, um brinde solto, naquela rua que esgueira para o restolho do peito.

Por isso, de crença boquiaberta, deu com pousadas nas baixas mãos aquelas todas juntas palavras, em namoro com o milagre que faz trocar até as escadas de chão e, precipitá-la a ela, no manso acidente que mesmo todos, sonham: a tontura que corta a direito para o céu.

Foi assim, que rescendeu os sentires subidos das páginas no seu colo de vestido com seios, e se infernizou capazmente de doces vontades sem fim de vista. Aquelas palavrandades de cor madura, cozinham nela um feitiço de preto, ficam um beijo grosso num sítio onde não se vê senão, num repente, ternurentos e espumosos mares no sem parar dos olhos.
Saõ essas culposas palavras, que sem motor dentro delas, descabelam os medos nos seus rumores e sopram em chuvas de dentro, desejos de se ser melhor, nos quentes anseios.

Fica só !!- comanda a si mesma.
Onde aquieta ela, o seu palpitante volume apinhado de sensibilidades?
Se não baixo as suas cálidas costelas, então só mesmo no parapeito de dois andares de um coração, tão soba daquela escrita, que lhe engole a existência de hoje em hoje, numa irmã sede.

(Um mimo, ao António Mateus)

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Mambo 24

Tudo mais que em branco. Para além da língua muda e após um último qualquer desfecho. Não apenas branco. Mas algo que se pode inventar na soleira de alguma desonra, em solidão, quando regressam pródigas as baixas ventosas do desconhecimento. Parecenças apenas. O branco que apaga não tem igual no seu apertar réptil. Nada permanece em esguia sobra, do seu beijo corpulento. Nem sequer o branco usado. Menos ainda essa mancha, isso... esse, o futuro.