quinta-feira, 3 de julho de 2008
Não se pode voltar ao presente como sendo aquele que era seu
Pergunto-me se um prisioneiro encaixará em si o termo "saudade", quando devolvido ao início do percurso que o conduziu até ali. Não o sentimentalismo barato, mas aquilo que se tornou em mais alma, porventura com os cheiros já adocicados do inimigo, pelo tempo de convivência.
Que pode uma pessoa passar a pensar e sentir, devido a uma mudança de chão?
É inimaginável...
Que estranheza haverá, em supôr que ela exista no olhar de uma "colombiana" raptada há anos?
O resgate não foi uma libertação, mas numa visão radical, um novo rapto, desta vez o que a faz regressar a um mundo para o qual já não pode olhar do mesmo modo.
domingo, 1 de junho de 2008
Da Liberdade..
É angustiante ver como se alastra a tudo e se confunde a educação (capacidade de se dizer o que se pensa sem se cometer assassinato, ou seja, de se ser sensível ao outro que é sobretudo respeitável porque não assassina, podendo fazê-lo porque também imperfeito) com a alegria triste de se ejectar o despojo pessoal com tamanha facilidade, garantia de tanta liberdade anémica..
terça-feira, 20 de maio de 2008
segunda-feira, 19 de maio de 2008
Exercícios
Mas não é assim fácil de todo, achá-lo no sítio debaixo das nossas solas onde ele se torna perpendicular à nossa consciência física ou notá-lo pegado a um lado mais extenso do nosso corpo como uma insoltável paisagem, vista da janela de um trem, porque pelo pensamento também dos demais e pelos desejos e angústias somos muitas vezes desvisitados de nós mesmos.
Nesse fundo à vista, está a ponta de nós ou um meridiano que ainda somos nós.
Abarcamos pouco. Ocupamos um irrisório espaço em relação às coisas e cidades, mas precisamos de espaço em volta do que somos, mesmo que permanecendo imóveis como as sombras de objectos pendulares que não são visitados, pelos esgares da luminosidade.
É estranho. Só os mortos parecem não necessitar de horizonte.
Olha-se ainda para a parte que em nós não se desalinha com o piso.
Um dedo poderia percorrer essa linha de contacto como uma carícia inusitada que aproxima estranhos, de modo invulgar, com uma enormidade de súbitos pretextos irracionais.
Não há dúvidas desse apego ao quintal dos pés.
Mas na angústia da nossa efemeridade, tal como desaparecem as coisas quando aceleradas em demasia perante a estática visão que delas temos, a realidade estável torna-se volátil como uma mobilidade ainda mais real e aquilo que é para nós certo, deixa-o de ser.
Incluído o nosso único e insubstituível chão.
Olha-se de novo para onde assentamos algo de nós em algo.
Ama-se essa impossível permanência.
É tudo.
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Terra

sexta-feira, 4 de abril de 2008
Mambo 39
Não se sabe se tudo se vai entranhar em afundamentos na perda ou apenas revolvida a superfície, areja-se o novo caule já surgido entretanto, o que guarda a desejada imperdível flor.
terça-feira, 1 de abril de 2008
Em fôlego de rio
sexta-feira, 21 de março de 2008
terça-feira, 18 de março de 2008
Mambo 37
segunda-feira, 17 de março de 2008
Exercícios
O exercício, de encontrar aquela alma
Antes disso, precisam de fazer algo mais importante, que é ver a alma do outro.
Essa coisa que foge a sete pernas, a hospedar-se na debandada, a rir-se desde o algodão do poente que depressa se desfaz em cegueira de noite, essa coisa que nos empurra a acreditar que não bastam as outras coisas de uso mais vago, como os olhos a libertarem sossegos ou as palavras entretidas de melancolias no embalo dos descontos da vida, para que seja alcançada.
É preciso saber do seu porto que oferece a chegada, para para lá sem morte, se viajar.
A alma assoma-se desse mundo, que é a pele que não nos pertence encostada a uma palma de mão que é a nossa.
Essa é a lição, do exercício de aprender sobre o estranho mundo de dentro.
Se queres ver-lhe a alma, tens de tocar!
Aconchegá-la à realidade, com as tuas mãos.
sábado, 15 de março de 2008
O azul de raridade que o cobre nas amplas costas, é uma pista ali nos prontos arredores. Funciona bem, tal como a máquina nova no pulso a rigor, o esquerdo, o relógio nascido de mostrador grande, tudo no seu propósito de conquistar nos outros não apenas os momentos dos olhos mas também, os próprios pensamentos com suas inclinadas suposições, essas hipóteses que roubam tempo à cabeça dos demais e os fazem permanecer a pensar em nós, até a inventarem histórias sobre a origem das nossas felicidades de cara, estampadas fundo.
Antes experimentara a dengosa brancura dos dentes, para subir em considerações no seu estatuto, ser um pouco mais do que um simples homem de futuro oferecido, por o não ter e ser-lhe mais certo puder ofertar aquilo que não havia.
Afastado da possibilidade da feiosa correia de plástico, conseguiu obter uma de pele bem lustrada. O seu marcador de tempo tornou-se o primeiro movimento em direcção ao topo, esse lado que se tem quando se tem também alguém, que faz figura.
Pela hora da abertura das humanidades, aprendidas moralmente na educação das escolas com cadeiras, roupa em segunda mão chegava das terras, onde o esplêndido mostrador do seu relógio já não é furor para olhos alheios, antes pareceria arrojado na insólita negação de si mesmo, mas é verdade que em vez desse objecto, pode a sua existência ser ainda antes tomada como iluminação em noite crescente, pelo azul turquesa conseguido no casaco das lides internacionais.
Quando ao prosseguir a compasso com o seu tic-tac encolhe a perna que não já pode possuir, fica sim na lembrança dos outros mas em estranha elegância, difícil até de se tornar moda, ganhando nesses respirados entretantos uma inconsciente dignidade única, no seu incopiável modo de fazer caminho.
O que foi original sobre o físico de alguns outros, é apenas estratégia garantida na ilusão em si.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
Terra - Somewildwish
sábado, 16 de fevereiro de 2008
Exercícios
Escolho um livro. Sem olhar atentamente ao que me espera.
Abro-o e ponho o dedo que mais dançarino estiver.
Na sua sombra, embarro a vida com o parágrafo, como aprendi mentalmente a untar uma forma com gordura, sem nenhum espaço sem ela e com um infantil orgulho em sujar as mãos.
Passo a ser aquilo, sem poder desgostar-me, aquilo que estiver escrito.
Inventei este exercício, para compreender os outros.
Mas é apenas um exercício de transformação, que mal há em querer ser outro no seu chão por dentro?
Qual o impedimento ético em querer abarcar o mundo, de forma a ser eu a única raptada?
Calhou-me Beckett, em “Mallone está a morrer”, não achei piada.
O conteúdo da desdita página pareceu-me terrível, mas não posso desgostar-me com a vivência alheia em mim.
Por isso, não me desiludi quando o horizonte mais a perder de vista tinha-o de súbito à cintura e o próprio corpo que me confere contornos e viagens, foi atravessado de cada vez que a cama o fazia levemente ondular, por uns rios caudalosos de metal.
Tal como com Mallone, também estava lá um pau que servia para caçar coisas sem propriamente disparos e que se tornou num animal doméstico de fascinante faro, pois que perseguia avidamente a solidez que permite o desesperado amparo.
Tive acelerada a mente em décadas, naquela imersão na quase imobilidade.
E sempre penso que amanhã há-de ser outra semana e que outro parágrafo de um outro destino, me será um soberbo apuramento desse tal mundo dos outros.
Anseio pelo próximo livro, não sem algum comedimento.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
E os Desertos?

Deserto do Saara: الصحراء الكبرى, aṣ-ṣaḥrā´ al-koubra
Saara: tuaregue tenere (deserto).
O deserto compreende parte dos seguintes países e territórios:
Argélia, Burkina Faso, Chade, Egipto, Líbia, Marrocos, Saara Ocidental,
Mauritânia, Mali, Niger, Senegal, Sudão, e Tunísia.
Vivem cerca de 2,5 milhões de pessoas na área do Saara.
(fonte:wikipedia)
No maior deserto do mundo
lá estão cinco milhões de jóias
humanos olhos tão aguados,
e os meus também,
que com vontades deixei que se dispensassem de mim
e caíssem sobre aquela África, no último vôo
ao sentir que o grande pássaro sem canto
ia comigo gorda de recuos e a chegar inteira,
à velha Europa de penas e fados, de novo.
Já são ausências, aquilo com que vejo.
Já só são o sem fim do espaço, que eles lá vêem...
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
Algumas conclusões mais simples
Então quero ser esse, no seu alvoroço laranja.
A pedra não tem desamparo?
Então desejo tanto no fundo, ficar ela.
A nuvem não tem dentes?
Então acolho essa nebulosa gotejante confundida em pássaro.
O medo volta sempre?
Então seriamente só estou morta, se não mais temer.
O mar convida à dança?
Então nesse azulento véu , tenho par com ele.
O homem é uma infância?
Então feliz guarido nele, nos carinhos do espanto.
O amor é ralharento com os limites?
Então, da imensidão acordada, desluto nele.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
Doce e aflita, para desandar com os mosquitos da injustiça, pousa-lhe devagar junto onde descansa a cabeça bem trançada, no absoluto quase escuro da noite, um pequeno prato com guloseimas em jeito de biscoitos.
A mulher negra arqueia-se em curiosidade e pergunta-lhe, para que quer ela que ela coma na hora da sombra maior, e a mulher branca só resmunga algo, num furor amansado de pergunta que cresceu junto ao corpo.
– Onde estavas, que não brincaste comigo? Esperei muito no meu quarto largo, em tardes que se esticavam, enredada em brinquedos caros só para mim. Por que razão não vieste? Eu tanto queria fazer contigo as bonecas, que eram por ti começadas pelo enchimento de umas tiras de panos, com pano, até se formar mais acima aquela barriga e logo os braços, depois a cabeça no desafio final, com os olhos tesourados também em pano, cosicados no pano do rosto. Duravam menos que as loiras, que apesar de resistentes, já só chegavam se por acaso ao teu bairro, em estado de vítimas de abusada guerra, mutiladas de membros, zarolhas no seu azul de olhos de abrir e fechar, com a cabeleira amadoramente recortada, meias esfarrapadas a precisarem dos teus panos coloridos nos seus troncos cor-de-rosa já esfolados, sem nome nem aquele cheiro de loja, mas com aquele perfume dos usos.
Eram tão oxigenadas de natureza, que até para mim se tornava complicado criar uma árvore genealógica, em que elas pudessem ser minhas filhas. Um dia trouxe nas minhas elaborações femininas, um alemão bem loiro que vivia num submarino num filme de guerra e passou a ser o pai delas.
Dos teus anseios, nada me chegou inteiro.
Em que musseque saltitavas com os miúdos da mesma pobreza, por entre as poças de água da chuva, que não te pude oferecer nem uma nova boneca loira, ainda de pestanejo móvel em condições, com que inventava sozinha lares na minha casa grande? Haveríamos juntas de arranjar uma solução para que fossem tuas filhas também, como as tuas nascidas de pano, minha descendência.
Na minha casa existiam janelas de vidro do tamanho de paredes inteiras, mas nunca te vi passar sempre que me empoleirei para cheirar o mundo e, por isso, só me visitavas a imaginação através dos sons nocturnos dos tambores em noites de festa.
Agora temos de pôr no pano do coração, os mimos que não destrocámos na meninice.
A mulher negra fica só de olhos cogitantes, suspensa na delícia de outra bolacha enchapelada de creme, no exagero da branca já de carunchos como ela, a querer não perder mais do que já perdeu.
domingo, 6 de janeiro de 2008
Conto
O recinto era de apertos, mesmo dentro dos sapatos.
Esperaram. Havia de chegar alguém com o familiar mais velho.
Imaginaram o saco preto em escasso balanço, a surgir pendurado na cerimónia de uma mão que tresanda todos os dias, àquele peso de corpo no melhor fato e ripas de caixa, tudo junto.
Não veio.
Antes lhes depositaram junto aos enlagrimados olhos, um berço completo com pernas de insecto em fraca madeira. O lençol estava sem arrumação própria na sua lisura, a dobra desalinhava-se no carril debruado da almofada. Parecia habitado em desvolume.
Não chovia nem tinham a pressa ganha nos tempos carregados de fortes cinzentos, por isso, deixaram-se estar a matutar sobre o objecto em vez do objecto esperado, ter ali a sua sombra.
Ela espreitou primeiro o céu e logo a alcofa, e em instinto feminino baixou com solenidade o pequeno lençol, naquele gesto de inventar um rosto seu.
Encontrou umas cinzas espalhadas.
O primo minguou os seus dedos de menina na sua palma grande, cova de suores maiores. Cinzas? Era o mais velho. Já tinham acabado os sacos?
A neta esticou num repente de abismação, o pano até à fronha. As suas mãos ficaram uminha nas do primo.
Passado o deslavado que traz o susto, ela arqueou as costas e afundou os olhos uma vez mais na alva almofada, quando no seu desejo avistou nela um couro cabeludo bem branco, de penteado com risca de lado.
Não havia meio de começar aquela trovoada, para os levar na furibunda corrida de pés ainda enxutos?
Trouxe o lençol mais para o meio do berço, concretizando então o resto do antepassado nas suas carnes de antigamente, as rugas das assentadas da existência, o sorriso sempre malandro a boicotar o juízo dos outros, o negro vivo dos olhos a camalearem as desenluadas noites e os seus lábios de vermelho carnudo já com conversas de serão grande, a mexerem-se no desenho das frases. Era ele.
Sem esperas, pontapeteou a coberta para o alto, deitou para fora braços e pernas e num salto de gazela que escapa de afilado fim por um triz, susteve-se agilmente em si próprio, no areado piso.
Em assombrosa satisfação, depois esquinou rumo ao traço mais directo para a sua casa, o mais velho. Ninguém esquece esse caminho, é como saber engolir as estrelas sempre que não são tocáveis.
O primo, avariado de realidades, seguiu-o ao longe encostado na meia desconfiança, enquanto se des-soltava custosamente dos sonhos malucos da mais nova.
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
Conto
A descoberta que se não consegue tapar com pano nem vontade
Nas desconsiderações acostumadas com o destino, a moça embeiça pela vida no descuido próprio de quem ressabe fundos e quer desposar pelo mistério, um brinde solto, naquela rua que esgueira para o restolho do peito.
Por isso, de crença boquiaberta, deu com pousadas nas baixas mãos aquelas todas juntas palavras, em namoro com o milagre que faz trocar até as escadas de chão e, precipitá-la a ela, no manso acidente que mesmo todos, sonham: a tontura que corta a direito para o céu.
Foi assim, que rescendeu os sentires subidos das páginas no seu colo de vestido com seios, e se infernizou capazmente de doces vontades sem fim de vista. Aquelas palavrandades de cor madura, cozinham nela um feitiço de preto, ficam um beijo grosso num sítio onde não se vê senão, num repente, ternurentos e espumosos mares no sem parar dos olhos.
Saõ essas culposas palavras, que sem motor dentro delas, descabelam os medos nos seus rumores e sopram em chuvas de dentro, desejos de se ser melhor, nos quentes anseios.
Fica só !!- comanda a si mesma.
Onde aquieta ela, o seu palpitante volume apinhado de sensibilidades?
Se não baixo as suas cálidas costelas, então só mesmo no parapeito de dois andares de um coração, tão soba daquela escrita, que lhe engole a existência de hoje em hoje, numa irmã sede.