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quarta-feira, 11 de junho de 2008

Pode-se trazer o som de um filho a crescer
Num saco de mão
Pensa aquele que vê o mundo a tornar-se outro.
Mas mesmo com muitos invernos de treino
E com o corpo calejado de imobilidade
Pensar não é necessariamente acertar no alvo.
É isso a tontura da existência.

In: Caixinha com rodas, ed.GEIC

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Terra

Foto: Cidade do Lubango, Angola (2005)







O chão por dentro do corpo

A impelir-nos a irromper na visita aos pássaros.

A Terra aproxima-se então

À velocidade do enchimento dos olhos.

É impossível o regresso de outro modo !

É isso, o milagre da Terra.

in: Caixinha com rodas, ed. Geic

sábado, 28 de julho de 2007

Tinha como almofada um homo sapiens, ansioso nos seus picos de vida por ser um borboto das novas tecnologias,
o que conduziria a formatar a sua criatividade se de súbito não estremece e vai passear os olhos, com o resto todo do corpo atrás.
As savanas e a alma devem ser interrompidas por gritos de aves roxas.
É isso, a mulher de Ícaro.

Caixinha com rodas, ed. Geic

terça-feira, 19 de junho de 2007

Em obliquidade ao anterior post do Fernando...

A mão chega ao pescoço sem trilhos nem pistas

Envolve-o de dedos

Mas quando os pensamentos (auto)tossem-se e imaginam uma ama

Por ignorarem qual o rosto

As mãos não os afagam.

É isso, o abismo.

in: Caixinha com rodas; Ed.Geic

segunda-feira, 18 de junho de 2007

A propósito...

Há quem seja treinado para guardar por um determinado tempo,
os conhecimentos na cabeça dos demais,
de modo a que nenhuns outros se lhes possam mesclar, vindos do exterior.

Tudo tem de ser originário do saco próprio,
como se este fosse destacado por um período,
da sua condenação a estar engolido por um invólucro maior.

É isso, a inutilidade.

in: Caixinha c rodas; ed. GEIC;

sábado, 9 de junho de 2007

Mambo 20

Contrários à direcção das linhas das tábuas de madeira, estão sobre elas os ossos das pernas com a sua "cheieza" demorada, em vida. Desde o chão é admirável o piso tão macio do tecto, tão imensamente desnudo de objectos, na sua brancura faustosa esquecida de sombras. Faz-nos sentir menos empobrecidos. Não se entende como tem a mesma extensão do onde estão pregadas, as tábuas bem assoalhadas e as pernas sobre elas. O restante do corpo também lá está, nessa rasia de mundo abaixo do nível dos assentos do sofá. As portas agigantam-se em altura, sem nada apontar. Não é facilmente que se é vizinho não apenas do pó mais anónimo que se possa conceber mas também de areias com cor de longes e insectos armados com os seus modos tão mais pequenos. Parece que colapsam se não tiritarem de ocupações. Compreende-se, que estes seres não tenham joelhos. Não sabem da posição sentada nos seus cansaços.
Quanto às humanas pernas... É preciso algum tipo de relâmpago a devorar gulosamente estabilidades já estreitas por si ou então uma ardente alegria que teima em ficar antiga numa afiada tristeza, para se estar assim, caído no chão como uma qualquer folha, que se tenha unido ao vento.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Mambo 19

Lubango 2005


Entrava-se lá para os fundos, por um corredor entre um prédio e a casa. Na sala composta por quatro ou cinco mesas compridas em madeira, os alunos sentavam-se em bancos corridos. Em cada uma delas morava uma classe, da primeira à quarta. Todas as classes tinham a mesma professora que ensinava, dirigia, controlava, no mesmo espaço e em simultâneo todas elas. Havia respeito, também algum medo. A professora ensinava em sua casa, era portanto uma escola particular. À hora do recreio, saía-se ao pátio onde saltitavam os seus gatos. Havia tempo, para se comer o lanche trazido e para se brincar um pouco à macaca, às escondidas... Quando a professora chamava, as crianças entravam sem ser a mastigar. Sabiam que se passassem uma determinada porta estariam na intimidade do seu lar, por isso ficavam-se pela sala grande e pelo pátio. A única casa de banho da casa era no quintal, quando chovia tinham que ir a correr. Não a podiam deixar suja, porque seriam responsabilizados de forma séria. Quando um aluno da última classe não sabia alguma matéria básica, um miúdo das classes anteriores tinha de responder e o outro era então confrontado com a sua falta de estudo perante a sabedoria do mais novato, ficava enxovalhado no seu orgulho de mais velho e o vencedor da resposta ganhava brilhos nos olhos da professora. Todos os erros eram uma declaração de guerra por parte da professora, que armada das palmatórias de vários tamanhos segundo as palmas dos garotos, desencadeava a matança à ignorância de forma muito física. Um erro de ortografia num ditado, correspondia a uma palmatoada. Uma conta enganada, outra. Entre as suas armas estavam também as puxadelas de orelhas de preferência com vinco de unha, os abanões de bochechas, os deveres carregados para casa, a folha de reprimenda escrita no caderno diário para o pai assinar, a não ida ao recreio e uma muito especial para os casos mais graves de indisciplina ou preguiça. A nossa professora tinha em casa uns chifres de impala. Guardava-os lá numa parte da sala. Estavam munidos com um fio, que servia para os segurar à cabeça de algum menino. Então, escolhia um outro miúdo para ir passear com ele ao café Tirol, que ficava em frente. Ia para a janela, para verificar os trajectos e o cumprimento das ordens. Uma vez calhou-me. Sob pena de ser castigada também, acompanhei um colega com uns chifres de impala na testa. Era impossível a rebelião, havia sempre um possível tormento maior para os dois. A nossa professora primária era terrível, mas aprendíamos e todos passávamos nos difíceis exames nacionais, porque não aprender até chegava mesmo a doer. Nesta singular escola, andavam os alunos mais cábulas, desinteressados, preguiçosos, rebeldes, mal-educados e aqueles que por via familiar iam lá parar com esses irmãos que professavam o desespero dos pais. Entrei aos cinco anos para este tipo de ensino, por causa do meu irmão que queria ser um bicho cego, surdo e mudo para não ter de estudar. Um dia não me apeteceu fazer bem os deveres para casa, a minha cópia parecia escrita por um míope, as letras ocupavam cinco e seis linhas de uma só vez. Na outra manhã lá estava a palmatória elevada no ar, pela primeira e última vez dirigida às minhas mãos pequeninas da primeira classe. O meu olhar aterrorizado salvou-me do impacto. A professora perdoou-me porque só encostou a face do instrumento às linhas do meu destino, depois só ralhou infinitamente. A professora tinha um marido bonzinho. Tinha perdido um olho e usava um pano preto, a tapar a assustadora cavidade. Às vezes, ela pedia-lhe ajuda para fazer um ditado. Ele dizia vagarosamente todas as palavras e ela deitava-lhe um vociferar de zanga. A professora também cuidava de nós do lado de fora da escola, enquanto esperávamos os nossos pais no passeio, perto das janelas da sua casa. Num Carnaval, deitámos serpentinas para dentro de um carro estacionado. A nossa professora viu tudo, desde a sua cortina afastada. Obrigou-nos a esperar pelo dono do veículo, a pedir-lhe desculpa e a apanhar todos os papelinhos com que tão traquinamente nos tínhamos divertido. Era uma professora muito atenta.
Os nossos pais gostavam, agradeciam-lhe todos os castigos, menos quando falhava a palmatória e apanhava o pulso do aluno
ou então tinham de lhe pedir, por favor ao meu filho não lhe puxe as orelhas porque sofre de otite, no resto está à vontade, aplique-lhe os curativos… Nós sabíamos que os nossos pais, tinham-na envolta num grande respeito, porque todos aprendíamos. Na modesta casinha verde, era a nossa primeira escola de verdade, lá viviam também a nossa professora, o seu marido bonzinho com o pano preto na falta do seu olho, e os seus gatos muito educados. Um dia eles morreram e ficámos todos tristes.
Muitos de nós terminámos a primária, numa escola oficial onde já não batiam nem ralhavam, mas nós já não gostávamos tanto da professora. Já não era nossa.

sábado, 5 de maio de 2007

Anos e anos a arrumar
quase apenas os pensamentos
uns ao lado dos outros
depois de observar as montras
outras vezes em pilha quase em equilíbrio
a estudar com rigor
a alteração de vinco nas ideias
desdobrando as metáforas pelo ardor
a calcular em organigrama
o salto conceptual de belicosos termos
para no fundo poder regressar
de modo não menos acrobático
à contagem do que para sempre deserta da linguagem.
É imperdoável desconhecer que esta vive
numa caixinha com rodas
e jeitos oleados para o silêncio.
É isso, a estranheza.

in: Caixinha com rodas; ed. geic

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Não se transplantam para as órbitas oculares
Particulares visões do mundo
Nem ainda ninguém inventou
Conteúdos de vida agradáveis
Aplicáveis com adesivo.
Os seus olhos côncavos perderam tijolos.
É isso a fome ter feito rua no corpo.

IN: Caixinha c rodas; Col. Homem do saco; ed. Geic; 2005

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Sonha-se a partir da sua carne
O mundo todo a existir desde aí
Desses que pousados acima dos ombros
Usam pestanejar
Está-se na vida à mão dos olhos
E do que vier por causa deles cavalgarem.
É isso a mansidão do destino.

In: Caixinha c rodas; Ed.Geic 2006
.. .

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Que gesto é este que não é ventania
Mas repetição funda
A cavar-me os meus redondos
E a desgarrar-me de tudo?
É isso o Natal de outros.

In/Caixinha com rodas, Ed.Geic 2006

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

As azagaias a tremerem
Esticadas que se encontravam entre as pálpebras
Para o sono não ser um lago
A crescer dentro delas.
As afiadas lanças paradas a guardarem só
A boca dos sonhos do guerreiro.
As azagaias à porta da realidade
Sem a caçarem.
É isso a consciência.

in/Caixinha com rodas
Ed. Geic 2006

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Ukãi

No redondo da sua dor, as pontas são donas de um nome.
Por elas denota-se o drama, esticam ou encolhem a vida mesmo a das dores maiores, as que têm face.
Essa história dos filhos e dos amores está lá, sabe-o.
O descanso da mãe estira-se em dois instantes - o da partida e o do regresso.
Persegue os pés do filho como se fossem berlindes, até qualquer fundo de descida, tentando encostar-se a ele lá no silêncio do merecimento da conjunta viagem; seus palpitantes dedos contam as esforçadas etapas da cria, sobrepondo-as em importância aos seus próprios pavores, somando-se em contentamentos de idas e vindas que não só em imaginação lhe pertencem, ensopando o destino de tempo feliz.
A sua admiração pelo rebento engendra-se voluptuosamente, quanto mais afasta as pontas da incerteza e o obriga a existir em maior duração, no fino equilíbrio da efemeridade.
É assim que se concebe como mãe.
Dar-lhe cada vez mais vida.
Já a desrosada face dos amores é mais infeliz.
Na aceitação, observa-o.
Já não apaga nem acende, vive só mesmo lá dentro da meia forma ganha em volume de silêncio, no escuro - sem piscar.
Treme por tocá-lo sem a espessura da espera, sem isso dos engrossados pensamentos nas muitas luas a cuidarem um esgar- o que desresta do seu homem.
Serpenteiam-lhe sob as finas pálpebras os olhos desejosos, vontades de pesadamente pousar-se nos cheiros que não se desmisturam, ficar neles agachada a parir fundura, não demovê-los como coisa não sua, abrigá-los como a casa os seus definitivos ocupantes quando se esboroa, ser só lançada boca de pedra aguçada em secular casca de árvore – se pudesse, para sempre.
Enroscada nos panos, a descida do astro ainda em memória, aponta uma sombra junto a si, o arco fechado das costas alheias descondizente com a linha horizontalizada dos seus seios.
Há-de vir alguém, de muito longe, cingir-lhe o desenho dos lábios com calores pertos e rodear-lhe a descintura da dor com amabilidades..
É assim que celebra os seus sangues de mulher – sonhando.
Talvez um bárbaro.

sábado, 14 de outubro de 2006

Mambo 3

Entorna-se a realidade à nascença.
Nesse desembalo, tem de se amarrar o corpo numa quietude quase mortal e ficar-se à escuta da cozedura dos mundos.
Pela paisagem de fervuras que é a escrita, colhe-se que a primeira itinerância de uma ideia não se costuma esfregar em demoras, tende antes a desleixar-se em tímidos rastos que, se pacientemente envoltos, apontam-nos um começo; mas é só parecença com um princípio, um desfiamento inconsistente que perdura na arrazoeira da forma e do seu silêncio.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006


Okupanga indati? *

Como de um fustigante arreliar do sol, defende-se daquele culposo pensamento.
Parece ser a ausência de cor a sua preferência - malbaratam rumores na sua cabeça, mas a vizinhança na mastigação da pobreza, não consegue sonhar tanto, é sim a falta de dinheiro nos bolsos descosicados do pintor, a causa da tanta perfumação dos seus utensílios.
Alaranjada a pele da terra, os olhos do artista ficam lá espetados como hastes, quase até as primeiras estrelas lhe colocarem decisão no resto do corpo. Desce então vagaroso o monte, no cuidado das influências dos céus. Recolhe-se antes da esteira ainda na tina pregada de madeiras, onde mais uma vez cuidará do brilho da sua negritude e do pôr do sol que deveria estar de passagem pelos despenteados pincéis, mas restará tão límpida a água, que ganhará jeitos a sua mulher subida em esperança, de achar que até se pode beber na confiança. Todas as ideias de uma mamã cozinham-se bem junto ao carvão fumegante, enquanto a farinha de mandioca dá as suas custosas voltas.
Depois de engarrafada em botes de segunda vez, já se pensa em fazer o comércio no seio da família, “Água de artista” – cura de vida curta.
Nos tempos seguintes, na paciente idade, pigmentos avermelhados são presenteados ao pintor pelos mais velhos, em troca de umas quantas embalagens, desejos de um pavio de destino maior. A água de artista ganha indispensabilidade, já considerada sistema de subsistência da larga família.
A população vai também considerando exigências, há uma inquietação - onde os resultados da tinta que o artista guarda? A pobreza deixara de ser a resposta à não enfeitação do pano, já possui cores em pilha no seu canto, agora é só questão da vontade se exercer, opinam. Mas o querer continuará amarrado na hesitação das tons.
Na tristeza de uma nova pobreza agora mais manchada, sua decidida mulher busca no crescido casario o último barro com céu de paus, morada dos poderes maiores. Descalço, olhos escavados na magreza e depostos em inabaláveis mundos, por longas e demoradas curvas dança no terreiro poeirento, sobre o porquê da não pintura do homem.
No desenho do arrasto, seus pés poemam a resposta clara .
- O seu homem ganhou honestidade!! Para que vai pôr assim as estrelas no pano de se ver? Já não estão na noite?
Na mesma tina onde tem o corpo alisa de água também os pincéis, esmorecidos por uso contraditório, pois que se lavam de nada.

*O que fazer? -
(Umbundo)