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terça-feira, 25 de maio de 2010

Mundo cão da cultura

Parece que o mundo da cultura reuniu há tempos com o Papa. Creio que, quem o nomeia assim, refere certamente aquele “mundo” que estará disponível para reunir com o Papa – os VIPES da corte instante - e fazer a parte de que está disponível para continuar a ilustrar os dogmas da Igreja com as suas pinceladas, os seus filmes monocromático/lentos e de plano fixo, colaborar nas diversas manhas do arrependimento espectacularizado, ajudar a ocultar o cortejo de atrocidades identificador da instituição – Inquisição, colaboracionismo com os nazis e pedofilia - num perdão redentor que abra portas a recomeços que pisarão os mesmos caminhos que, de novo, levem a outro perdão, num ciclo mesmo infernal – os ciclos da história são isso mesmo (e a Igreja não é imune à história, mesmo como máquina milagreira, Fátima sem os diabólicos bolcheviques seria um falhanço): regressos que nunca são idênticos mas que mantêm a humanidade aquém da promessa da igualdade, da fraternidade e da paz.

O funcionário de Deus não pode mais do que gerir as crises e como Estado que é, correr atrás dos fogos que se ateiam nos âmbitos recônditos das violências que eram seladas e que não cessarão, agora que é impossível esconder as verdades atrás dos muros de pedra ancestral que formam as paredes das Igrejas, dos Mosteiros, dos Conventos, das Casas Paroquiais – é isso que a viajem em cena há pouco realizou: um grande espectáculo capaz de preparar uma sondagem mais favorável ao magistério deste Papa, uma sondagem branqueadora face à dimensão do crime mais recente.

A era do vídeo e este reality show constante do espectáculo do mundo alimenta-se de drama permanente em clímax de histeria e apocalipse, e o drama, negativo, faz mais jeito porque preenche de modo mais intenso emocionalmente, ocupa mais eficazmente a totalidade do cérebro, gera sentimento de impotência e oculta o que se passa mesmo: uma regressão da democracia, da transparência, do poder do voto e uma acumulação da riqueza, por via especulada, branqueadora, tóxica e traficada, nos bolsos de meia dúzia de Estados Particulares e das suas Tropas – um mundo cada vez mais o mesmo.

Todos sabemos que a diversidade não são discursos, mas sim uma consequência das estruturas do real em movimento conformando a vida e as vidas – a Igreja e os imigrantes, o Estado e a Igreja, a Igreja e Berlusconi, a Igreja e a pedofilia, a Igreja e a Escola em que a Igreja continua a ineficácia das catequeses, impossível que é de a fazer coincidir – à escola - como qualidade ética, dinâmica de aprendizagem e qualificação profissional, com a esfera da produção e das profissões, dependente das deslocalizações assassinas e do negócio dos despedimentos apoiado nas leis que o executam – quem duvida que as indemnizações servem os donos e não os empregados, que uns mantêm fortunas e que outros ao fim de um tempo esgotam as reservas? Desemprego, horizonte produtivo?

Tudo isto, como admirador de Cristo e das liberdades, me enoja. Tanto lixo para debaixo do tapete revela uma disposição, mesmo quando se repete que o crime aconteceu já não dando para escondê-lo nenhuma sábia ocultação. Estratégia mais inteligente e dizem que este Papa o é. Será? Necessitará? Não basta sê-lo, papa, mito e santidade?

O mundo da cultura, desculpem-me, não é representado pelo velho Oliveira nem por nenhuma estrela do nosso pequeno firmamento, sempre disponível para a medalhinha, a comenda, a homenagem, consenso apaziguador e paroquial – rectangulozinho reconfirmado nas medidas, por muitas águas internacionais que o multipliquem. O mundo da cultura é mundos de culturas.

O que chocou nesta coisa foi o desejo de absoluto e a disponibilidade todo o terreno das tropas de choque da campanha mediática, agindo com cio de primas donas e o “dar a anca” dos culturais do costume e do sistema – o poema é do Mário Henrique Leiria.

Que seja claro que aqueles que cedem nestas circunstâncias ao espectáculo do “diálogo” mostrado – o exemplo pela imagem tem um fundo milenar -, não o continuam no resto do ano, nem todos os dias, a fazê-lo, e a maior parte daqueles que trabalham culturalmente com as populações raramente se encontram com a Igreja pois ela não está lá, está de guarda ao bafio das sacristias e ao vício militante da hierarquia burocratizada e estanque – os missionários é outra história. Aí estou de acordo com o Papa: metam-se na política, metam-se na economia, metam-se nas artes e sejam tão capazes disso como a mais rica tradição artística, a dos Leonardos e dos grandes pintores e escultores de temas mítico-religiosos. Nada mais comovente que a Pietá, tão diferente desta Igreja de bugigangas, plástico fluorescente e vídeo convertida. E tão longe dos sapatos Prada (é assim que se escreve?)

Fernando Mora Ramos

sexta-feira, 5 de março de 2010

anaCrónicas 1

A propósito de touros, e bravos, veio-me à mona o bode do Mário Henrique Leiria. No conto do Leiria o bode é uma máquina devoradora de papel selado, requerimentos, dossiês, peixes de prata – lindo nome para iguaria (eles comem-no, os bárbaros, como as baratas) tão reles – lombadas amarelecidas de nostalgia cultivada, livros angustiados à espera do toque dos dedos que os folheiem, silêncios ocos sob a caliça que se desprende de paredes esquecidas do viço da cal virgem e outros elementos característicos dos paraísos esverdeados da burocracia. O bode foi aliás condecorado por serviços relevantes prestados à pátria. Eis que agora o touro bravo saiu, sob a forma de candidato a cadáver – esperam-no as bandarilhas e os bandarilheiros sob o olhar ávido dos vampiros consumidores encartados de pão e circo –, no Diário da República, como motivo protagonista de constituição de uma secção especializada do Conselho Nacional de Cultura, organismo tirado da cartola da sua letargia antiga de nobilitados membros do pedestal da República. É a pura da verdade: a República dispõe, a partir desta publicação em Diário da República, de uma secção cultural especializada em tauromaquia, com um elenco de fazer inveja à maior peça de Shakespeare, em número que não em diversidade humana caracterial, claro. Quando mais evoluímos mais nos enredamos no fado de uma suposta identidade moldada em atavismos e arcaísmos. E para mais espanto, tal decisão, foi tomada pela pianista Ministra que, ao que parece, se tornou aficionada lá para os Açores aquando de um Congresso, certamente mundial, de touros. Nada me move contra os touros, como não sou contra o bitoque, as guerras serão outras, mais complexas e a maior parte delas nem sequer escolhidas.
É claro que tudo isto integra a sociedade do espectáculo e que quem se mede na política diariamente, calculando a sua temperatura de popularidade, está sempre em condição de definição do seu estado estatístico, o que significa estatuto, sempre instável por certo naquilo que aproxima o Ministro do Primeiro-Ministro. Será isto a política hoje?
A mim só me choca ver o touro ribatejano no Diário da República misturado com a fila de licenciados a empoleirar-se no que der e vier. É que merecia mais a companhia dos chaparros, o ar livre do montado e o amargo doce da bolota, tal como ao javali agrada. Nada contra os licenciados, entenda-se, mais que proletários no país centro comercializado, e tudo pela liberdade.

FMR