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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Fernando Pessoa e a invasão da Abissínia pela Itália fascista (3 e final)



Fragmentos do "Espólio Fernando Pessoa":


Aqui ha trez pontos a considerar: a aggressão a um fraco por um forte; a tentativa de occupação de um territorio que legitimamente pertence a outro, independentemente de forças e de fraquezas; e o caso particular da aggressão da Italia à Abyssinia, nas circunstancias presentes do mundo.
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O conflicto entre a Italia e a Abyssinia, ou seja, em linguagem mais logica, o conflicto que a Abyssinia é obrigada a ter com a Italia, apresenta para nós portuguezes, como diversamente para todos os povos que não sejam aquelles dois, cinco aspectos distinctos.
O primeiro, não na ordem politica mas na humana, que necessariamente antecede a politica, é o aspecto moral. Trata-se da aggressão de um povo presumido fraco por um povo que se presume, a si mesmo, forte, quer porque de facto o seja, quer porque artificialmente/hypnoticamente se o supponha, quer porque funde em seus recursos e productos de sciencia applicada uma superioridade que organicamente não possue. Neste ponto a Italia está condemnada por todos os systemas moraes humanamente acceitaveis: em nenhum codigo moral, escripto ou intuitivo, se considera a força como fundamento, embora se possa considerar como garantia, do direito. Em nenhum se considera a força como direito.
*
Une-nos a elles, num mais largo e mais ironico conceito[,] uma vasta e larga fraternidade humana. Nós todos, homens, que neste mundo vive- mos oppressos pelas/pelos varias violencias/desprezos do[s] felizes e pelas diversas insolencias dos poderosos — que somos todos nós neste mundo, senão abexins?
Se com isto se pretende dizer que não ha relação entre o imperialismo aggressivo dos italianos e o fascismo, a resposta é que isso é falso, e, o que é mais, que é estupidamente falso.
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É a fatalidade de todos os povos imperialistas que, ao fazer os outros escravos, a si mesmo se fazem escravos.
*
Não nos deixemos levar por esses argumentos. O problema italo-abexim é o que está diante de nós: é esse que temos que examinar.
Não se discute para antes de hontem.
Nem o ter a Inglaterra procedido mal com a Irlanda no passado serve de justificação à Italia para que proceda mal no presente. Dois males não fazem/ formam um bem, diz o proverbio inglez.
Quando se dá uma série de crimes, torna-se, a certa altura, necessario por-lhes cobro. Não se põe cobro aos que já foram feitos,
Conservemos o juizo, leitor, como homens simples que somos.
*
O mundo está já um pouco cansado dos que, por terem/porque teem as mãos frias, as mettem nas algibeiras... dos outros.
A grande natalidade —
E assim um phenomeno puramente animal, em que as femeas/senhoras dos coelhos facilmente superam, sem nacionalidade alguma, as dos homens, serve para explicar toda especie de offensas ao direito, à justiça e à humanidade.
Estão, selvagens ou não, socegados em suas casas, e desce/cahe/ desaba sobre elles civilização de crear bicho.
Ha horas para tudo, e a hora da oppressão, moralmente, passou.

FERNANDO PESSOA

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Fernando Pessoa e a invasão da Abissínia pela Itália fascista (2)



O CASO É MUITO SIMPLES


Quando foi posto em vigor, no xadrez das ruas de Lisboa, a presente regulamentação do transito de peões, as regras de marcha e contramarcha pareceram a principio, a muitos, de uma complicação extrema. O caso, porém, é muito simples: andar sempre pelo passeio a atravessar as ruas em linha recta. Nisto, que não é complicado, se resume toda a complicação.
A Sociedade das Nações, fundada louvavelmente para evitar quanto possivel as guerras e as desintelligencias entre povos, que possam levar à guerra, adoptou desde o inicio o mesmo criterio para os paizes que o Municipio lisbonense adoptou para os peões: devem os paizes andar sempre pelo passeio e atravessar as suas difficuldades em linha recta.
Vêm estas considerações a proposito do conflicto entre a Italia e a Abyssinia, ou seja, em linguagem mais justa, o conflicto que a Abyssinia é obrigada a ter com a Italia. Ora o problema suscitado por esse conflicto divide-se em trez problemas: a attitude da Italia, e se essa attitude é justificavel; a attitude da Sociedade das Nações, e, particularmente, da Inglaterra ante essa attitude da Italia; a attitude que cada nação deve tomar perante o conflicto e a situação em que está posto. Para nós, portuguezes, este terceiro problema vem a ser: qual a attitude que Portugal deve tomar.
Consideremos, pela ordem exposta, estes trez modos do problema. Mas, antes de mais nada, vejamos a que luz os temos de considerar. Tudo quanto involve a politica das nações entre si cahe necessariamente sob trez criterios distinctos. O primeiro é o internacional, isto é, o da entre-relação das nações e do resultado, em qualquer lance, d’essa entre-relação. Esse problema escapa às previsões e aos projectos: a sua solução não póde ser dada senão pelos factos, e não ha homem, a não ser que pretenda ser propheta ou deus, que possa contar o numero de forças que entram ou poderão entrar em jogo, calcular as maneiras como agirão essas forças, deduzir o que resultará d’esse entrechoque de coisas que não sabe quantas são nem o que são.
O segundo criterio é o criterio nacional, isto é, o de que cada nação tem de considerar os seus interesses e agir de accordo com elles. Como, porém, os interesses de uma nação são sempre, por um lado, obscuros a ella mesma, podendo ser prejudicados, involuntariamente, pelos seus proprios governantes, e como são frequentemente, por outro lado, oppostos aos interesses de outras nações, quando não ao conjuncto das outras nações todas, o criterio nacional resulta inutil e fóra de caso na consideração de um problema que, por sua natureza, tem de ser considerado extra-nacionalmente, pois que affecta outras nações além da de que se trate.
O terceiro criterio é o criterio moral, que necessariamente antecede, na ordem humana, todo criterio politico, seja nacional, seja internacional. Os progressos da nossa civilização, por estorvados que tenham sido e constantemente o estejam sendo, levaram-nos todavia a não acceitar por bons, na ordem nacional ou na internacional, criterios que antigamente seriam, quando não acceitaveis, pelo menos admissiveis. Se na ordem practica muitas vezes se faz o que se não admittiria em theoria, continúa a estar de pé a theoria, ainda que violada ou postergada. É na vida nacional como na individual: podemos achar comprehensivel, e por comprehensivel desculpavel, que um homem mate outro em certas circumstancias; não erigimos todavia em doutrina acceitavel o homicidio voluntario.
Somos forçados, pois, em ultimo mas natural recurso, a examinar estes problemas nacionaes e internacionaes à luz do criterio moral. A essa luz os vê instinctivamente qualquer homem que o interesse não cegue ou a paixão não turve; a esse criterio os vê, ou procura ver, a Sociedade das Nações.
Fixemos bem o resultado de tudo isto. Resulta que não temos que considerar os interesses de Italia, ou de qualquer outra nação, senão à luz de saber se elles estão ou não de accordo com a moral e com o direito, e isso vem a dar em se estão de accordo com os superiores interesses da humanidade.
Posto isto, podemos entrar na consideração dos trez problemas particulares em que o problema geral se divide. Começaremos, segundo a ordem exposta, que é a natural, pela attitude da Italia.
Trata-se de um conflicto armado entre um povo presumido fraco, e com certeza materialmente quasi desapetrechado, e um povo que se presume forte, quer porque de facto o seja, quer porque hypnoticamente se o supponha, quer porque funde em seus recursos e productos de sciencia applicada uma superioridade que talvez organicamente não possua.
Tal conflicto viola desde logo o mais rudimentar instincto moral humano — o que impelle cada homem, independentemente de saber de causas ou razões, [a] estar pelo fraco contra o forte num conflicto que entre os dois se dê.
Passado, porém, este movimento primitivo do coração, ha que examinar as causas que motivaram o conflicto; pois, se o forte não tem direito de abusar da sua força, tampouco tem o fraco o direito de abusar da sua fraqueza — isto é, das sympathias que como tal cria, e os appoios practicos que d’ella se derivem — para vexar ou provocar o forte. Temos pois de saber se neste caso italo-abexim, se deu tal vexame ou tal provocação; e a resposta, como todos sabemos, é negativa. Todos vimos, desde o principio, que a Italia era a aggressora; e a investigação da Sociedade das Nações confirmou o que desde o principio todos vimos.
Condemnada assim a Italia, desde o principio e a essencia do problema, por todos os systemas moraes humanamente acceitaveis, resta saber se essa nação apresenta qualquer argumento, moralmente acceitavel, para justificar a innegavel aggressão que a privou do argumento fundamental. Até agora appareceram dois d’esses argumentos, e o chamar-lhes argumento é favor que lhes fazemos. O primeiro é de que a Italia, sobre-populada, tem de expandir-se. O segundo é que a Italia, paiz civilizado, tem todo o direito a tomar conta de um paiz como a Ethiopia, que é selvagem ou semi- -selvagem. Melhor do que isto não se pôde arranjar. Infelizmente, o melhor é do peor que ha.
Quanto ao primeiro argumento, a todos será evidente que os outros paizes, selvagens ou não, não teem culpa da sobre-população da Italia — e ha que notar que a sobre-população é um indicio de baixo nivel civilizacional, poisque os povos altamente civilizados tendem para a baixa da natalidade, quer por motivos organicos, quer por motivos moraes e intellectuaes, que se reflectem em practicas artificiaes. O que um paiz sobre-populado tem que fazer, na ordem moral, isto é, para resolver a dentro da moral esse problema, é tratar de baixar a sua natalidade. A Italia está mais precisada de que lhe preguem doutrinas neo-malthusianas do que lhe preguem fascismo.
Se, porém, a situação presente exige de facto essa “expansão” — o que não sei se será rigorosamente exacto, poi não tenho sobre o assunto outra informação que não seja a de Mussolini e dos fascistas, de cuja veracidade e imparcialidade não é illicito duvidar —, ponha a Italia o problema, devidamente fundamentado, perante a Sociedade das Nações. Ou essa encontra uma solução satisfactoria, ou não a encontra. Se a encontra, está o caso arrumado, e, ainda que a solução desagrade a este ou àquelle paiz, não póde a Italia ser culpada de tal situação. Se a não encontra80, ou procede justa ou injustamente. Se procede justamente, é que o problema é insoluvel: a Italia que o não arranjasse. Se procede injustamente, tem a Italia o direito de proceder, bem ou mal, como entender, pois, do ponto de vista moral e da salvaguarda da paz, começou por proceder como devia.
Quanto ao segundo argumento, succede-lhe o [que] os inglezes chamam cahir entre dois bancos, como alguem que se sentasse no ar, entre os dois. Em primeiro logar, não ha argumento inteiramente plausivel em favor de qualquer nação dever civilizar outra. Em segundo logar, ninguem entregou à Italia o encargo de civilizar a Ethiopia. Accresce que ninguem sabe ao certo o que quere dizer a palavra “civilização”, que, como a maioria dos termos correntes, significa para cada qual o que elle quere ou lhe convém. Os etiopes são incivilizados, ao que parece, porque teem lá a escravatura e porque não teem um alto nivel de hygiene e de cultura. Ora a escravatura é immoral, para nós hoje, porque considera o homem como uma coisa, porque considera a alma humana como subordinavel a uma potencia material — o dinheiro com que compre esse corpo —, ou seja, em ultima analyse, porque despreza a dignidade e a liberdade humanas. Ora a Italia fascista considera o homem como uma coisa, pois o considera subordinado ao Estado, a Italia fascista despreza todas as liberdades individuaes
FERNANDO PESSOA

A ausência de ponto final, bem como a própria construção da frase, mostram que o texto não foi acabado. Pessoa também não cumpriu o plano elaborado no terceiro parágrafo do texto, tendo tratado apenas do primeiro dos “três problemas” que pretendia abordar.


BNP/E3, 92X”74r a 76r. Dactiloscrito de três páginas numeradas, sem indicação de título,

datável de 1935, com uma correcção do punho do autor.

Num projecto editorial de 1935 (48B”90r), Fernando Pessoa incluiu um artigo intitulado

“O caso é muito simples”, destinado ao R[epública] ou ao D[iário] de L[isboa]. Deve tratar-

se do presente artigo, em virtude da frase usada aqui. O projecto editorial em causa é citado

por Luís Prista em Pessoa (2000, p. 456).

terça-feira, 22 de junho de 2010

Fernando Pessoa e a invasão da Abissínia pela Itália fascista (1)



PROFECIA ITALIANA

A existência do dom da profecia é afirmada por muitos e negada por muitos. Na maioria dos casos, ou a linguagem profética é tam obscura que dela se póde fazer aplicação a qualquer facto, ou a abundância é tam grande que dificilmente se encontrará um facto a que um ou outro dos pormenores se não possa ajustar. De sorte que o problema fundamental fica na mesma. Os que afirmam a existência do dom profético apontam o facto justificativo; os que lhe negam a existência apontam que qualquer facto, ainda que fôsse o contrário do que se deu, serviria igualmente, e portanto com igual inutilidade, de justificação.
Ha contudo profecias que são simples e claras, como a da célebre quadra das Centúrias de Nostradamo, em que, com mais de dois séculos de antecedência, o advento de Napoleão se indica e o seu carácter se define. É a quadra que começa: “Um Imperador nascerá ao pé de Italia” — Un Empereur naistra près d’Italie...
Estas poucas profecias que são claras versam em geral factos: são como pequenos artigos de pequena enciclopédia, resumindo a história às avessas, isto é, antes de ela existir.
Há, porém, um caso curioso de profecia clara, que contém, com vinte e dois anos de anticipação, não a indicação de factos futuros, mas o comentário justo e preciso dêles, como se os supuzesse conhecidos. E esse vaticinio tem ainda de mais curioso o não ser, suponho, de um profissional da profecia.
No jornal italiano Avanti, de 21 de Janeiro de 1913, vem inserto um artigo em que se lê o seguinte, que peço ao leitor que, palavra a palavra, acompanhe e medite:

“Estamos na presença de uma Italia nacionalista, conservadora, clerical, que se propõe fazer da espada a sua lei, e do exercito a escola da nação.
“Previmos esta perversão moral: não nos surpreende.
“Erram porém os que pensam que esta preponderância do militarismo é sinal de fôrça. As nações fortes não têm que descer à espécie de carnaval estúpido a que os italianos hoje estão entregues: as nações fortes têm o sentido das proporções. A Italia nacionalista e militarista mostra que não tem êsse sentido.
“E assim sucede que uma réles guerra de conquista é celebrada como se fôsse um triunfo romano.”

Ignoro a que propósito imediato se escreveram essas linhas. Ignoro e não importa. São elas o mais justo, o mais claro e o mais cruel comentario de quanto hoje, vinte e dois anos depois, se está passando na Italia, ou, melhor, com a Italia. Ao jornalista casual coube um lampejo de verdadeiro espírito profético.
Felizmente o artigo é assinado, de sorte que não falta o nome, nem portanto a honra, ao iluminado dessa súbita inspiração.
O autor do artigo do Avanti é o sr. Benito Mussolini. Não ter êle fixado residência em profeta!...

FERNANDO PESSOA
BNP/E3, 92X-78 a 79. Transcrição fiel do original dactilografado, mantendo a respectiva ortografia. Publicado pela primeira vez, com ligeiras diferenças, em Cunha e Sousa (1985, pp. 121-122).

sábado, 19 de junho de 2010

Fernando Pessoa e a invasão da Abissínia pela Itália fascista (introdução)



Novamente por sugestão do leitor Paulo Ferreira, publicamos três textos de Fernando Pessoa, sobre a invasão da Abissínia (Etiópia) pela Itália, ocorrida em 1935, antecedidos por esta introdução contextualizadora, da autoria de José Barreto, professor do ICS. Estes textos são muito interessantes, em especial por desmentirem um dos mitos produzidos sobre Pessoa, o do seu suposto alinhamento, ou pelo menos indiferença, para com o fascismo.

A pouco mais de um mês da sua morte, ocorrida a 30 de Novembro de 1935, Fernando Pessoa escreveu dois textos sobre a invasão da Abissínia (Etiópia) pela Itália fascista, destinados à imprensa lisboeta, mas que não puderam ser publicados. Pode neles constatar-se o mesmo ânimo crítico com que o escritor vinha produzindo, desde Fevereiro desse ano, uma série de escritos em prosa e em verso contra Salazar e o Estado Novo. Nessa torrente de escrita política de 1935, em que se define claramente o perfil de um opositor não só do salazarismo, como também do fascismo, incluem-se,entre outros: o artigo “Associações secretas”, em defesa da Maçonaria, a que se podem juntar numerosos fragmentos deixados inéditos pelo autor, relacionados com a polémica que o seu artigo desencadeou na imprensa; uma dúzia de poemas satíricos contra Salazar e o Estado Novo; diversos textos e poemas anticatólicos, visando a crescente influência da Igreja na política portuguesa; um longo artigo crítico sobre Salazar, em francês; uma carta ao presidente da República, Óscar Carmona, de protesto contra o governo; uma crítica contundente a um discurso de tom totalitário do ministro da Justiça Manuel Rodrigues. Estes escritos, bem como os artigos sobre a invasão da Abissínia e ainda outros textos produzidos ao longo do ano de 1935 mostram o crescente empenhamento político de Pessoa, na fase final da sua vida, em defesa da liberdade e da dignidade do homem, que ele julga então ameaçadas tanto em Portugal como no mundo.
Embora nunca tivesse consagrado ao tema do fascismo, como doutrina ou regime político, uma análise mais elaborada, Pessoa deixou entre os escritos impublicados da famosa arca numerosos fragmentos e trechos alusivos a Mussolini e ao fascismo, que olhava com desdém e sarcasmo, embora a personalidade do Duce, pelo seu carisma (ou magnetismo, como então se dizia), lhe tivesse merecido uma referência vaga e indirectamente elogiosa, ainda que num contexto de rejeição das ideologias fascistas e nazis. O nacionalismo liberal do “conservador de estilo inglês” Fernando Pessoa não se confundia com o “nacionalismo animal” ou “nacionalismo mórbido” do fascismo italiano — assim o definiu em duas notas que deixou inéditas. Desde logo, o desprezo do fascismo pelas liberdades individuais e a condição de submissão do indivíduo ao Estado totalitário nunca permitiriam a identificação de Pessoa com o regime de Mussolini, tal como não permitiriam a sua identificação com o comunismo. O escritor sustentava, aliás,que havia uma “identidade fundamental” entre os regimes fascista e comunista, em virtude do “anti-liberalismo comum”. Num texto dos anos 20, Pessoa considera o fascismo e o comunismo como forças dissolventes da civilização europeia. Num texto inédito de 1933-1935, Pessoa acrescenta aos dois o nazismo: “Sovietes, comunismo, fascismo, nacional-socialismo — tudo isso é o mesmo facto, o predomínio da espécie, isto é, dos baixos instintos, que são de todos, contra a inteligência, que é do indivíduo só”. Os textos que em 1935 escreveu sobre a guerra ítalo-abissínia, de que adiante se tratará, exprimem a oposição do escritor não só à agressão imperialista da Itália contra a Etiópia, como também ao próprio regime fascista, em que Pessoa via a origem da política agressiva italiana. Não se pretende aqui decidir se estas inequívocas posições do escritor permitem ou não rotular Fernando Pessoa de “antifascista”, questão que já ocupou vários autores, mas viciada à partida por uma definição peculiar de “antifascismo”. As conotações específicas que essa expressão possa ter não invalidam o facto da oposição essencial de Pessoa ao fascismo, ainda que de um ponto de vista conservador liberal. O antifascismo, nacional e internacionalmente, nunca foi propriedade de nenhuma corrente política.