segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Carta ao Primeiro-Ministro da Cultura, de Fernando Mora Ramos
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Dez meses sem Biblioteca Nacional...
terça-feira, 25 de maio de 2010
Mundo cão da cultura
Parece que o mundo da cultura reuniu há tempos com o Papa. Creio que, quem o nomeia assim, refere certamente aquele “mundo” que estará disponível para reunir com o Papa – os VIPES da corte instante - e fazer a parte de que está disponível para continuar a ilustrar os dogmas da Igreja com as suas pinceladas, os seus filmes monocromático/lentos e de plano fixo, colaborar nas diversas manhas do arrependimento espectacularizado, ajudar a ocultar o cortejo de atrocidades identificador da instituição – Inquisição, colaboracionismo com os nazis e pedofilia - num perdão redentor que abra portas a recomeços que pisarão os mesmos caminhos que, de novo, levem a outro perdão, num ciclo mesmo infernal – os ciclos da história são isso mesmo (e a Igreja não é imune à história, mesmo como máquina milagreira, Fátima sem os diabólicos bolcheviques seria um falhanço): regressos que nunca são idênticos mas que mantêm a humanidade aquém da promessa da igualdade, da fraternidade e da paz.
O funcionário de Deus não pode mais do que gerir as crises e como Estado que é, correr atrás dos fogos que se ateiam nos âmbitos recônditos das violências que eram seladas e que não cessarão, agora que é impossível esconder as verdades atrás dos muros de pedra ancestral que formam as paredes das Igrejas, dos Mosteiros, dos Conventos, das Casas Paroquiais – é isso que a viajem em cena há pouco realizou: um grande espectáculo capaz de preparar uma sondagem mais favorável ao magistério deste Papa, uma sondagem branqueadora face à dimensão do crime mais recente.
A era do vídeo e este reality show constante do espectáculo do mundo alimenta-se de drama permanente em clímax de histeria e apocalipse, e o drama, negativo, faz mais jeito porque preenche de modo mais intenso emocionalmente, ocupa mais eficazmente a totalidade do cérebro, gera sentimento de impotência e oculta o que se passa mesmo: uma regressão da democracia, da transparência, do poder do voto e uma acumulação da riqueza, por via especulada, branqueadora, tóxica e traficada, nos bolsos de meia dúzia de Estados Particulares e das suas Tropas – um mundo cada vez mais o mesmo.
Todos sabemos que a diversidade não são discursos, mas sim uma consequência das estruturas do real em movimento conformando a vida e as vidas – a Igreja e os imigrantes, o Estado e a Igreja, a Igreja e Berlusconi, a Igreja e a pedofilia, a Igreja e a Escola em que a Igreja continua a ineficácia das catequeses, impossível que é de a fazer coincidir – à escola - como qualidade ética, dinâmica de aprendizagem e qualificação profissional, com a esfera da produção e das profissões, dependente das deslocalizações assassinas e do negócio dos despedimentos apoiado nas leis que o executam – quem duvida que as indemnizações servem os donos e não os empregados, que uns mantêm fortunas e que outros ao fim de um tempo esgotam as reservas? Desemprego, horizonte produtivo?
Tudo isto, como admirador de Cristo e das liberdades, me enoja. Tanto lixo para debaixo do tapete revela uma disposição, mesmo quando se repete que o crime aconteceu já não dando para escondê-lo nenhuma sábia ocultação. Estratégia mais inteligente e dizem que este Papa o é. Será? Necessitará? Não basta sê-lo, papa, mito e santidade?
O mundo da cultura, desculpem-me, não é representado pelo velho Oliveira nem por nenhuma estrela do nosso pequeno firmamento, sempre disponível para a medalhinha, a comenda, a homenagem, consenso apaziguador e paroquial – rectangulozinho reconfirmado nas medidas, por muitas águas internacionais que o multipliquem. O mundo da cultura é mundos de culturas.
O que chocou nesta coisa foi o desejo de absoluto e a disponibilidade todo o terreno das tropas de choque da campanha mediática, agindo com cio de primas donas e o “dar a anca” dos culturais do costume e do sistema – o poema é do Mário Henrique Leiria.
Que seja claro que aqueles que cedem nestas circunstâncias ao espectáculo do “diálogo” mostrado – o exemplo pela imagem tem um fundo milenar -, não o continuam no resto do ano, nem todos os dias, a fazê-lo, e a maior parte daqueles que trabalham culturalmente com as populações raramente se encontram com a Igreja pois ela não está lá, está de guarda ao bafio das sacristias e ao vício militante da hierarquia burocratizada e estanque – os missionários é outra história. Aí estou de acordo com o Papa: metam-se na política, metam-se na economia, metam-se nas artes e sejam tão capazes disso como a mais rica tradição artística, a dos Leonardos e dos grandes pintores e escultores de temas mítico-religiosos. Nada mais comovente que a Pietá, tão diferente desta Igreja de bugigangas, plástico fluorescente e vídeo convertida. E tão longe dos sapatos Prada (é assim que se escreve?)
Fernando Mora Ramos
sexta-feira, 30 de abril de 2010
anaCrónica 19
O estudo de Augusto Mateus pôs dedos na ferida: a indiferença do governo quanto às actividades culturais artísticas, por um lado e a explicitação da diversidade constitutiva de um sector económico feito de três partes, a criação artística e as suas tradições disciplinares patrimoniais, as indústrias culturais e a dimensão criativa própria das mercadorias, na esfera lata do mercado, o design de objectos de consumo.
Convém aliás aqui clarificar que a dimensão criativa de actividades industrializadas, que obedece à satisfação de lógicas massivas de gosto elas próprias induzidas pela estratégia quantificadora do marketing que promove os diversos produtos na relação de concorrência, nada tem a ver com a actividade artística, esta desligada de objectivos imediatos, destinada ao fruidor cidadão potencial, solitário ou em assembleia, a públicos mais iniciados e não ao consumidor perdido na massa – uma, virada para o humano, a outra, para o mercado. Uma coisa é a linguagem imprevisível da criação artística, cujos códigos de leitura têm de ser reinventados sucessivamente porque não se trata de dar a ler algo já lido, outra coisa é a aplicação de normas de gosto estandartizadas para satisfazer padrões de vida que encontram na sofisticação do design uma dada exibição de status, particularmente através da lógica das marcas que, no presente, estabelecem uma norma geral de comportamento e sinais exteriores de troca simbólica consumível e ideológica, a aparência como essência possível. Não é por acaso que a maioria dos chamados políticos anda de gravata e essa gravata tende a hipertrofiar o nó num claro assumir de um certo “mau gosto” papalvo contra um certo “bom gosto” - um nó mais discreto e menos berrante – dos usos de famílias mais antigas. Este exemplo parece ridículo mas merece ser referido, pois tem carácter normativo por via informal e é revelador das mentes: ninguém os obriga a andar assim, mas de facto o uso é praticado como exibição e geral, normativo por costume. Desde que a sociedade ganhou aliás este carácter de democracia massiva e falsamente igualitária que as classes médias chegadas de fresco – os “parvenus” de Marivaux -, têm imposto as suas referências de “mau gosto” como bandeira da própria ascensão vencedora como gosto dominante. A diversidade, neste aspecto, não passa de um simulacro e o”mau gosto”, enquanto expressão de um poder da quantidade, é de facto, esmagador.
Nestas coisas, o respeito das tais minorias revela-se no plano de uma clara inveja social, confundindo-se muitas vezes aquilo que é de ordem estética com aquilo que é de ordem elitista. Não há bronco nenhum que não apelide de elitista, não aquilo de que não gosta porque formatado pelo tal “mau gosto” que o impede de gostar - no plano do juízo funciona na mesma zona em que se pode pensar o estético, o gostar não gostar dependente da comunicação imediata – mas aquilo que ele entende que, não percebendo, não passa de algo elitista que a tal democracia igualitária tem de liquidar para que, nivelando tudo pela tal lei do tudo nivelado pelo mesmo, tenhamos uma ordem democrática do gosto, um gosto comandado pelas massas médias e remediadas. Este pratica-se contra as veleidades aristocráticas do estético, identificadas com as tais elites que são perniciosas e a que se associam os desgraçados dos artistas, na realidade, mais artesãos que criaturas mundanas – artesãos do corpo e cabeça, das linguagens do enigmático. A ideia de “uma arte elitista para todos” não lhes passa pela cabeça. Ora, esta, é a ideologia do poder actual em matéria de gosto, uma ideologia da incultura estética e dos consumos designer, fundos de vernissage e berardices pavlovianas com amplificação mediática súbita e mesmo reacções papalvlovianas deslumbradas com a riqueza dos ricos, as massas despertando alegremente como parte e percentagem orgulhosa da maior estatística cultural – como no guiness, esse cúmulo da estupidificação oscarizada.
E este é o problema. Do mesmo modo que descrimina numa política a importância da ciência como factor de desenvolvimento libertador – que não o é em si, pelo contrário, o que justamente implica a marca orientadora de uma política – é imprescindível discriminar, numa política, a cultura como forma de fomentar as actividades estéticas da criação artística, que não têm um quadro de rendibilidade imediato pois não são realizadas para nenhum mercado, mas são actividades humanas essenciais, aquelas que no fundo identificam no ser os seus objectivos humanos – ainda recentemente José Gil falou desta dimensão ontológica da criação artística.
Será que isto não entra pelos olhos dentro? Mesmo a actividade artística regular, como a dos teatros, está mais próxima daquilo que enquanto actividade estético-literária caracteriza Os Lusíadas do que daquilo que vai no design dos móveis da IKEA. Não há relação entre as actividades do gosto formatado e a invenção artística. D. Quixote, por muito que o formatem e concentrem e imitem e reduzam a sigla e sinopse, não dispensa a leitura, essa actividade sem rendibilidade imediata – exemplo radical é o romance de Joyce agora editado, Finnegans Wake (15 anos levou Joyce a escrever o romance inacabado e agora mais de trinta levou o estudioso que fixou o texto a fazê-lo para uma leitura possível). Nada compro nem vendo nas horas perdidas da leitura, perco tempo e dinheiro – a leitura é tão “inútil” quanto a criação e tem os mesmos vícios. Mas ganho algo, ganho até inteligência criativa – ela anda aí a tal artificial, mas não funciona sem mão - aplicável a lógicas de exercício laboral dedicadas à economia. Mas estas não são nem de consequência directa, nem de medida imediata, não são mensuráveis. Será que isto não se entende? Não se entende que é de outra esfera e que é com esta esfera que uma política cultural do artístico se tem de entender? Uma política cultural é uma política da estruturação da criação artística e é uma política da leitura, das capacidades de ler a complexidade actual das linguagens. E é também uma política da relação umbilical das duas coisas.
Em relação ao Ministério da Cultura: mais orçamento, mais do dobro, mais do triplo, e obviamente um programa e competências organizacionais e dinâmicas. E não vale a pena falar de cortes. Neste momento é promover o desemprego apenas. Só um grande aumento dos dinheiros para a cultura pode promover a ideia de “uma cultura elitista” para todos, a única ideia socialista possível.
Fernando Mora Ramos
terça-feira, 27 de abril de 2010
As Estátuas também morrem
sexta-feira, 19 de março de 2010
anaCrónicas 10
Pessoa dizia abrindo novos mundos ao mundo e referindo-se o Ministro, creio, ao todo, à obra, mas provavelmente mais que à obra, à fama, isto é, ao resultado da conversão do mito em negócio possível, isto é, a pessoa, mais a obra, mais as frases célebres, mais o esoterismo e os heterónimos, mais o desassocego, corpus e personagem indefiníveis mas certamente mito transformável, na versão simplificada e à mão de abrir a boca e dizer, num qualquer marketing de campanha necessária afirmado numa paisagem qualquer, sendo que ele, o Ministro, seria o inteligente que ia pôr isso tudo a mexer, pioneiro da exportação de Pessoa numa escala intercontinental e a caminho de global, já que no Brasil há um gosto de Pessoa reconhecível e Pessoa seria um garante do nível subido da transacção e da internacionalização – diria Pessoa e ao pronunciar da palavra mágica, diante dos olhos surgiria um abre-te sésamo de possibilidades tendo como consequência a subida das acções portugalo-linguísticas na Bolsa de Nova Iorque.
Estávamos a entrar no Brasil das grandes empresas e no mundo dos grandes negócios – muitos anos depois do Caminha ter visto as partes vergonhosas das Índias de um modo tão natural que deu início a uma literatura erótico na carta crónica escrita – financeiros e portanto vá lá um bocadinho de Pessoa para dar substância espiritual, qual folha de rosto das relações que se esboroa com as primeiras brisas de desentendimento, ao terreno árido do investimento inteligente dos nossos capitalistas do sector público e privado no país do maior número de falantes da nossa língua – ou será a língua deles? Ou mesmo a mesma e outras?
Acentuando as Lágrimas de Portugal mais de que Chuva Oblíqua, O Marinheiro mais que A Tabacaria, ou numa outra vertente, mais eficaz, vendendo melhor as fotos do atravessamento distraído da Rua dos Douradores, ou da Rua Augusta, ou da Prata, teremos sempre um Pessoa qualquer mais manipulável e consumível. Poderemos mesmo dar a conhecer apenas as cartas a Ofélia. O outro não é comercializável porque não é possível de sujeitar seja a que marketing for. É irredutível a qualquer classificação e não pode ser dado a conhecer a não ser na impossibilidade de uma definição. Só o fluir da vida e da obra se pode suster nas suas contradições e nunca como qualquer coisa que se reduza seja a que complexo signo for.
Veio isto a propósito de um Ministro que ia abrir os caminhos da modernidade na cultura ao lado dos caminhos da modernidade que o Primeiro já abrira na tecnologia. Eu também quero um moinho de vento a soprar-me energia renovável na vontade de progresso. Finalmente o Quixote deixou de ter visões, elas são reais. O que certamente se segue, como marketing ministerial, será a exportação de estátuas do Pessoa versão Chiado, curtidas em plexiglás, um Pessoa completamente transparente.
FMR