Em mais um dos seus editoriais no
Público (sem link directo, como sabem, mas podem procurá-lo através do site, em "edição impressa"), José Manuel Fernandes brinda-nos com outro dos seus excelsos momentos que gosto de designar como o género "cortina de fumo". A táctica é, através de uma pretensa neutralidade, um apelo ao eficientismo, e uma generosa vontade de "tratar dos problemas do país", mascarar a ideologia que sempre lhe subjaz. Desta vez, a propósito da "nova constituição", proposta por Menezes, JMF não faz por menos que propôr a refundação da República. Acabar com a terceira, e passar à quarta, essa que, por decreto refundador, irá finalmente combater as razões de todos os nossos males nacionais.
Claro que não se limita a defender uma "Quarta República" assim sem mais, não vamos nós supor que, num movimento de regressão à juventude, ande agora a defender suloções chavistas. Também nos indica alguns dos caminhos que, no seu entender, a devem nortear. Mas o que é curioso, é que todas as suas soluções são apresentadas como óbvias, evidentes, empíricas, quase obrigatórias. Essa refundação deverá
«enfrentar os problemas que o actual regime nos coloca». Claro que todos esses problemas tem uma raiz nos preâmbulos e artigos "socialistas" que a actual constituição ainda mantém: o direito a uma educação "progressivamente gratuita" ou a uma saúde "tendencialmente gratuita" (olha que grande socialismo que isto é). Mas o mais curioso é que o próprio JMF, imediatamente a seguir, argumenta com o facto de que estes artigos, tão lesivos do nosso progresso,
«não estão a ser cumpridos: arranjou-se sim artifícios para que as leis de que o país necessitava passassem no Tribunal Constitucional». Ah!, mas não é Portugal um país
de regime socialista? É. Mas pode-se praticar o contrário? Pode. Isso não é uma contradição? Pschhht!!! Daí que, na sua lógica imparável, JMF se questione candidamente sobre se,
«apenas por uma atitude de bom senso [a constituição] não deve ser reinventada».Sejamos claros: JMF tem todo o direito de defender uma mudança de regime ou uma nova constituição, devia era ter a honestidade intelectual de não se refugiar em argumentos de practicidade e assumir as suas opções ideológicas. Porque o faz, não é difícil de adivinhar: dificilmente se encontrará matéria que una tão fortemente as esquerdas como a defesa da actual constituição, daí que seja tacticamente preferível, para consumo externo, fazer de conta que tudo não passa de uma inócua "actualização"; no mesmo editorial em que, para consumo interno, se assume a causa como decisiva para o futuro do País. Mas não tenhamos receio, aliás, venham daí essas propostas "revolucionárias" de mudança, que nós, na Esquerda, estamos a precisar como pão para a boca de uma causa comum, que idealistas como JMF e oportunistas como Menezes nos vão oferecer de bandeja.