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sábado, 19 de julho de 2008

Das relações Auersbergerianas


"(...) Durante algum tempo vamos com pessoas numa direcção, depois despertamos e viramos-lhes as costas. Fui eu que lhes virei as costas, não elas a mim, pensei eu. Corremos durante anos atrás delas e mendigamos a sua amizade, pensei eu, e uma vez que temos a sua amizade, já essa amizade não nos interessa mais. Fugimos delas, elas alcançam-nos e apoderam-se de nós e nós submetemo-nos a elas, a cada uma das suas ordens, pensei eu, e nelas nos abandonamos, até que ou morremos ou nos evadimos. Fugimos delas e elas alcançam-nos e esmagam-nos. Corremos atrás delas, imploramo-lhes que nos recolham e elas recolhem-nos e matam-nos. Ou procuramos evitá-las desde o princípio e conseguimos evitá-las durante toda a vida, pensei eu. Ou caímos na sua armadilha e sufocamos. Ou escapamos-lhes e difamamo-las, caluniamo-las, propalamos mentiras sobre elas, pensei eu, para nos salvarmos caluniamo-las,onde quer que possamos, para delas nos salvarmos, fugimos delas para defesa da nossa vida e acusamo-las por toda a parte de serem elas as culpadas de tudo o que nos acontece. Ou elas escapam-se-nos e caluniam-nos e acusam-nos,propalam toda a espécie de mentiras sobre nós, para se salvarem, pensei eu. Julgamos que já estamos mortos e encontramo-las e elas salvam-nos, mas nós não lhes ficamos agradecidos por isso, por nos terem salvo,pelo contrário, amaldiçoamo-las, odiamo-las por isso, perseguimo-las toda a nossa vida com o nosso ódio, por nos terem salvo. Ou insinuamo-nos na sua intimidade, elas repelem-nos, nós vingamo-nos e caluniamo-las, dizemos mal delas por toda a parte, perseguimo-las com o nosso ódio em última instância até à sepultura. Ou elas ajudam-nos no momento decisivo e nós odiamo-las, porque elas nos ajudaram, como elas nos odeiam, porque nós as ajudamos, pensei eu na poltrona de orelhas. (...)

"in: Derrubar árvores - uma irritação, Thomas Bernhard, Assírio e Alvim, 2007

terça-feira, 17 de junho de 2008

Dos Cafés..

Café Mozart com esplanada para Albertina. Viena, 2008
Foto:g.ludovice

"(...) O típico café vienense que é famoso em todo o mundo, sempre me produziu um sentimento de aversão, porque tudo nele é contra mim. Por outro lado, durante décadas senti-me no Braunerhof, que foi sempre inteiramente contra mim, (como o Hawelka) como se estivesse em minha casa, como no café Museum, como noutros cafés vienenses que frequentei nos meus anos de Viena.(...) Sempre detestei os cafés vienenses, porque neles fui sempre confrontado com os meus iguais, esta é que é a verdade, e eu não quero ser permanentemente confrontado comigo e muito menos no café, aonde vou para fugir de mim, mas precisamente aí acabo por ser confrontado comigo e com os meus iguais. Eu não me suporto a mim mesmo, quanto mais toda uma horda de meus iguais que cismam e escrevem. Eu fujo à literatura onde quer que seja, e por isso tenho de me proibir de frequentar o café de Viena ou pelo menos ter sempre presente, quando estou em Viena, que não devo entrar de maneira nenhuma e seja em que circunstância for num chamado café de literatos vienense. Mas sofro da doença da ida ao café, sou continuamente obrigado a entrar num café de literatos, embora tudo em mim contra isso se insurja. Quanto maior e mais profunda era a minha aversão aos cafés de literatos vienenses, mais vezes e mais entusiasticamente eu neles entrava. Esta é que é a verdade. Quem sabe como teria sido a minha evolução, se não tivesse conhecido o Paul Wittgenstein precisamente no auge dessa crise que, sem ele, me teria lançado provavelmente de cabeça para baixo no mundo dos literatos vienense e do seu pântano intelectual (...)"
In: O sobrinho de Wittgenstein - uma amizade, Thomas Bernhard, Assírio e Alvim, 2000