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quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Vergílio Ferreira : "Cheiriscar Palimpsestos"

Temos que estudar um facto político maior: J.M Júdice e Manuel Maria Carrilho estão entusiasmados com o estilo presidencialista abrangente de Nicolas Sarkozy. Júdice tem publicado alguns textos sobre a "Ruptura" sarkozista e MM Carrilho deu à estampa esta semana no D Notícias três artigos sobre o encantamento suscitado pelo novo PR francês em alguns sectores dos socialistas franceses. Sarkozy esconde um trabalhismo à francesa recauchutado e dinâmico, mas, é evidente, que só lhe interessa "seduzir" parte das élites dirigentes mais volúveis do PSF para alicerçar um novo mandato em 2012, claro. Mas, hoje, num PC alugado envio este fragmento do Para Sempre, de Vergilio Ferreira, onde este mostrou toda a sua superlativa técnica e audácia.


"O tempo do livro é o tempo do artesanato. Coisa destinada a um indivíduo, fabricada com vagares, consumida com vagares. Não temos vagar, estamos cheios de pressa. O tempo do livro- o das saias compridas, do coco e da bengala, dos espartilhos com varas de baleia, dos colarinhos engomados até ao queixo. Tu usas ainda bengala?
O tempo do livro é o do candeeiro de petróleo, o das meias de algodão feitas em casa à agulha, o das papas de linhaça e do óleo de fígado bacalhau. O das ceroulas compridas com atilhos. É o tempo dos botins e das cuias, dos palitos para palitar os dentes depois da sobremesa. O tempo das perucas, das lamparinas e dos penicos."

"O tempo do livro é o tempo da morte e nós estamos vivos e cheios de coisas para fazer. O tempo do livro é o da imaginação trabalhosa e nós estamos cheios de realidade. Descreve esta sala e vê o tempo que se leva, tu a escreveres e eu a ler. Mas eu olho a sala e sei logo tudo. O tempo do livro é o do carro de bois."

Tempo e Livro (págs.82 a 84)

FAR

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Vergílio Ferreira: O imaginário da felicidade


Pequeno excerto de um grande romance-tese de um dos maiores escritores portugueses do séc.XX. Autêntico poema em prosa de rara beleza e intensidade sublime. A ler, sem hesitar.

"Como se é feliz na felicidade imaginada de quando se imagina que se foi. E todavia, o imaginário, que é onde a felicidade está, estava ainda em ti antes de se reabsorver na realidade do teu corpo, vibrava ainda à tua volta e era à sua vibração como de uma febre que eu ainda estremecia. Às vezes o frémito à tua volta refluía à estrita realidade de ti, aos poros visivéis da tua pele, aos cremes e tintas visivéis da tua face, à tua mão de ossos e pele.E eu olhava-te então a distância, para te distanciar de mim. E olhava-te lá diluída e confusa. E regressava a ti como uma impossibilidade, e tu estavas lá e eu era feliz outra vez. E ajudavas a essa reinvenção de ti porque falavas pouco, palavras breves,certíssimas, e cobrias entre elas o espaço da indecisão, do subentendido, do oculto indevassável e eu amava-te terrivelmente outra vez no delírio da minha imaginação.Porque nunca houve em ti a expansão em que tudo se extravasa e torna tudo real sem nada de reserva e de intocável: Nunca foste natural até à naturalidade em que existia o teu corpo visível e tocável e redutível ao imediato da fisiologia. Porque essa mesma fisiologia te era como se a furtasses ao meu domínio e conhecimento, mesmo quando te conhecia desde a fuidez íntima de ti, do mais recôndito e proibido de ti. Qualquer coisa me furtavas sempre e ficavas inteira na tua inviolabilidade reclusa, no teu mistério por desvendar e eu não sabia o que era".

In Vergílio Ferreira, Para sempre, Bertrand Editores

FAR