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Sois tão poderosos que fazeis mentir os vossos espelhos!”
Esclareça-se: o objecto acima é o bolo de noiva de um casamento recentemente celebrado na Matola (ex-Cidade Salazar, já agora…), nos arredores de Maputo. Quem não conheça o Moçambique de hoje poderá supor que estamos perante a abordagem gastronómica de um tema recorrente da pornografia: a noiva que os convidados comem, a consumar o casório. Mas não. Essa fantasia pressupõe uma generosidade de que a nova burguesia moçambicana é obviamente incapaz.
Esta escultura doce não é uma doce escultura. Sabe à arrogância e à violência do novo-riquismo mais boçal, única afirmação cultural de uma classe à deriva entre dois mundos. Já não são pretos mas também não são brancos. Venderam a alma ao diabo para matarem a mãe (Teimosa, embaraçava toda a gente com a mania de receber os mulungos de capulana!) e comprarem outra. Digital, topo de gama, tás a ver? Mas na troca o diabo, que não dá ponto sem só, trocou-lhes as voltas, e numa Metamorfose versão tropical, acordaram com cauda e gosto pela imitação, macacada patética tomou por missão histórica o empenho em aprender a fumar cigarros e a bater punheta em troco de uma banana.
As reviravoltas da História permitiram o mais desenfreado arrivismo, mas no topo do bolo estão os mesmos que António Enes, na sua abissal ignorância, acreditou erradicar. Coitado! No espaço de um século, os aristocratas bantos passaram de sobas a comissários políticos e logo a seguir a neo-liberais, com a mesma lata, o mesmo jogo de cintura, e a mesma tropical indigência. Vale tudo, no reino da grunhada. A aristocracia pré-colonial adaptou-se aos novos tempos, sentiu-se em casa no colonialismo, no neo-colonialismo, na globalização, e em tudo o mais que os bonecreiros vão arranjando para o upgrade do saque. Hoje, para exportar alfaces para a UE, o horticultor moçambicano tem que obedecer a 270 requisitos. Leram bem: 270 requisitos!!! À beira disso, o que é a ASAE?
Está lá tudo. Das bochechas nutridas da noiva às extensões do cabelo, passando pelos brincos, a tiara e a gargantilha, estão lá todos os sinais exteriores da opulência atirados à cara da miséria mais negra, das putas impúberes da Marginal, dos deslocados que dão emprego ao Guterres, dos balseros, dos molwenes que amanhã irão disputar a murro, entre si, os restos da boda no caixote do lixo.
José Pinto de Sá