sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010)
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Splish Splash
Seu filho foi surpreendido pelo passamento em Nova Iorque, capital cultural dos USA. Os gringos, diz-se, sentem-se órfãos de seu próprio soberano, sim, alegadamente órfãos, uma vez que apenas está estabelecido: “Elvis left the building”, embarcou num Cadillac movido a anfetaminas e peanut butter... e desapareceu. Embora, aqui e ali, são mais que muitas as aparições em Santo impersonator ou em Graça e Espírito no Convento de Graceland.
Bom, já se terá dito tudo sobre todos os aspectos do fenómeno Presley, como catalizador da revolução social de 60. Mas, mais a Sul, segue relativamente ignorado do egocentrismo anglo-saxónico o caso de Roberto Carlos Braga. Dinastia de um só Rei.
Embora Elvis anteceda Roberto, circunstância que suscita desentendimentos sobre precedências e originalidades, propomo-nos destacar uma semelhança e um contraste entre ambos os Reis. Tanto Elvis como Roberto jamais se pronunciaram fosse sobre o que fosse, nem nunca se deixaram aprisionar nas ordenações da crítica. Eis a minha música e submeto-a ao veredicto popular. E assim surgiram as massas e o consumo das massas, como supremo fiel da qualidade que é quantidade, explanando uma estética minimalista. Eu gosta de você; eu não gosta de você. Splish Splash.
Elvis, enquanto branco pobre do Delta, redneck de condição, protagonizou a síntese musical dos explorados brancos e negros, disseminou-a numa viagem individual que fez escala urbana, universal. Roberto, é ele próprio uma síntese. Braga lusitano, caboclo, mulato brasileiro.
O Rei do Sul, ao invés do congénere do Norte, irrompeu no mundo urbano, portanto, colectivamente identificado naquilo que designaram de Jovem Guarda. Postura pop light por oposição às erudições da Velha Guarda e ao pop(ular) pesado das autoridades militares e eclesiásticas. Um mundo dividido em escolas diversas e autorizadas, com direito a um momento plural no calendário da ditadura: o Carnaval e outras inconsequências ao longo do ano
O pop light, esvaziado, semanticamente ‘aberto’ de Roberto Carlos ajudou a desconstruir o edifício simbólico dos generais e dependentes. Sem nada dizer, o pop, o sentimental simples, o religioso das canções do Rei unificaram as massas, que é dizer, as pessoas. Deram-se contas que existiam, que eram muitas e que não eram diferentes. Splish Splash.
Involuntariamente anti-intelectualista, distraidamente anti-elistista, o repertório do Rei semeou de forma paulatina as sementes da modernidade. Inconformismo, desobediência civil- “Quero que vá tudo para o Inferno” e “É proibido Fumar”, consciência social e sindicalismo- “Caminhoneiro”-, urgência na ruptura da ordem estabelecida- “Quando”, “O Portão”-, liberdade individual-“O Calhambeque”-, liberalidade e prazer- “Namoradinha de um Amigo Meu”-, diversidade- “Mulher Pequena”, “Mulher de 40”, “Jesus Cristo”, “Nossa Senhora”, “Se diverte e Já não Pensa em Mim”- micromanagement “Detalhes”, Ambiente e Ecologia “As Baleias”, “Amazónia”. Pois é, e o Rei despachou 120 milhões de discos e mereceu dois Grammy.
Tudo isto sem falar, apresentando-se de fraca figura- ficou sem parte de uma perna num acidente ferroviário- e ostentando um sorriso tímido que muitos juram ser a marca do idiota. Num filme de Hector Babenco, creio, um bando de presidiários, ou jovens delinquentes, está prestes a evadir-se por um buraco no muro da prisão. Entre estes, um jovem deficiente, então dizia-se coxo, um Roberto Carlos impersonator de rigueur, hesita e não foge. E justifica para os companheiros de fuga: Lá fora não sou ninguém; cá dentro sou uma estrela”.
PS: Parabenizando Lula da Silva e recordando um grande português: José Henrique Barros ‘Barroca’. Foi ele quem nos franqueou, em meados de 70, as portas do Clube Roberto Carlos na Mafalala. Então, blacks only.
Por ironia do destino, o Barroca veio a morrer em Belo Horizonte, Minas Gerais, alegadamente assassinado.”Amigo”, É DURO SER ESTÁTUA.
JSP
(O pica-pau áparece aos 7:51)
terça-feira, 16 de março de 2010
"O que acontece no dia-a-dia é uma coisa chata"
Mais uma vítima da violência policial.
Ler no Público e Cinco Dias
Com a devida vénia ao Cinco Dias
quinta-feira, 11 de março de 2010
“Rouge”
Memória bem guardada entre os que mais de perto privaram com o José Maria Gomes, durante a sua transitória frequência do enclave ‘português’ no Rio das Pécoras, merece jus divulgação nesta injusta inoportunidade obituária. Escrevemos memória com o intuito de desanimar os que habitualmente as treslêem como segredos mais ou menos ciosamente desguardados. Nada disso.
Memória do que deveria ser oportunamente dito sobre o Zeca Diabo. Como afectuosa e privadamente referiam os que oficinaram nos 80 meados os jornais a que deu alma e corpo. Primeiro o Correio, depois o Oriente.
Por respeito aos altos padrões de modéstia e inabalável confiança axiológica nos princípios da Igualdade e da Fraternidade a que o Zé Maria se obrigava, propomos, tão só, uma síntese e uma estória.
Por que nos falta o talento do aforismo na mesma medida em que desconhecemos o patois moderno apropriado, ficamo-nos por uma visitação nobre: gentil-homem.
Um homem bom, uma pessoa tranquila, um cidadão perenemente incomodado e inconformado com a exploração, a injustiça e todos os arbítrios. O Zé Maria era genuinamente assim, sem alardes, sem crispações. Quem se não lembra daquele jeito peculiar de discordar semisorrindo: “Nãããão”. Ou quando o disparate do interlocutor era confrangedor, um compreensivo: “Nããão sócio, não sócio”.
Jornalista escrupulosamente honesto, o Zeca Diabo sucedeu, no quadro desfavorável de responder por veículos escritos ditos pró-governamentais, em apresentar produtos tecnicamente limpos, rigorosos.
“Espírito de missão”, justificava, e por aí ficava a explicação da missão. O espírito, esse, revelava-se no sacrifício de suportar golpes baixos dos adversários, que os havia, e até se autodesignavam de oposição.
Pois a estória foi mais ou menos a seguinte. Soprado sobre uma vaga intenção governamental de ressuscitar o dossiê caminhos-de-ferro, nada mais nada menos do que o modus operandi adequado a quem quer encomendar estudos e consultorias várias- chamemos-lhe o método do raccord histórico ou do precedente auspicioso-, o Zé Maria verteu prosa investigada sobre comboios em Macau. Propósito nada fácil, uma vez que nunca houve comboios por estas bandas, pelo menos de natureza ferroviária.
O nosso Zeca não se deixou limitar por essa inconveniência e tratou de desencantar, sim, desencantar, um achado etimológico e um filão semântico, uma “Gazeta dos Caminhos de Ferro”, publicada em 1902, em Lisboa. A gazeta repescava uma ‘cacha’do Morning Leader de Londres, que anunciara a formação de um “syndicato” português para financiar e construir a linha de caminho de ferro entre Macau e Cantão.
A percepção desta possibilidade seria qb, mas o Zé Maria reforçou-a com a irrefutabilidade do material circulante: numa pequena pedreira da Ilha da Taipa era, fôra, possível observar o afã das pequenas vagonetas de cascalho, para cá e para lá, sobre carris.
Os tais adversários, acima introduzidos, não enjeitaram a oportunidade para ‘desancar’ o Zé Maria, o “Oriente”, associando o “delírio” dos comboios à deriva mental e financeira do governo. No mais duro estilo madeirense, chegaram ao ponto de insinuar que o Zé Maria teria sido visto, madrugada alta, junto à dita pedreira, com uma cavilha numa mão e uma garrafa de mao tai na outra.
Foi a gota de água. “Sócio, puta que os pariu, fechamos o jornal e vamos para o Skylight, para o Mermaid, para o Ritz, para o Kin Dô, para qualquer sítio”.
(continua)
JSP
terça-feira, 2 de março de 2010
“Se for caso…”

Foto Sol de Carvalho
Prometi que mandava um texto para a segunda série do 2+2, e aqui vai. Não era para ser isto, mas o que tem que ser pode muito. Esta manhã, mal acordei, recebi um sms de Maputo. Era o José Manuel: “Morreu Leopoldo Fernandes, madrugada de hoje”. Parece que agora não faço outra coisa senão escrever obituários. De há uns tempos para cá, desataram todos a morrer. Lembro-me do meu pai, aos setenta e tal anos, desterrado num apartamento em Vila Nova de Gaia, com vista para o pátio: “O mais triste na velhice é que os amigos estão todos mortos”. Cito de memória, e a memória já me vai traindo. Já não me lembro como conheci o Leopoldo. Sei que foi em 1985, porque ele figura no programa de uma peça que encenei com o Tchova Xita Duma pelos dez anos da Independência. Fui desencantar o programa e lá está ele na foto de grupo, franzino e sorridente, ao lado da Joaninha Zambeze, mais o Bartolomeu, a Ana Magaia, eu sei lá… Já na altura era um sobrevivente. Em 1977, com 24 anos, tinha ido parar ao campo de reeducação de Sakuzo, acusado de ser surumático. Mas não o reeducaram. Ao fim de três meses revistaram-lhe a enxerga e encontraram-lhe passa. Aplicaram-lhe cinquenta chambocadas, mas nem assim o reeducaram. Acabou por fugir e andou dias a corta-mato, às escondidas dos leopardos. E dos frelos, que eram mais perigosos. Felizmente há gajos assim, não há nada que os reeduque. Continuou a gostar de suruma, e de cerveja, e de mulheres. Continuou a parar pela esplanada do Goa, com a malta da pesada. Continuou amigo do Che, da Dorinha e da Gina China, que morreu de Sida na berma da Julius Nyerere. E continuou a cantar. Cantava bem, até ganhou um concurso no Rádio Clube, com o nome artístico de Tony Fernandes. Dei-lhe um fado para interpretar na peça, com letra escrita pelo Patraquim. Era um actor a sério. Tinha estudado teatro em Lisboa, com o Gutkin, mas a escola não lhe domou a exuberância. Manteve-se um actor à africana, como eu gosto, tão liberto do texto como um jazzman da partitura. Nunca o convenci a empinar um papel; nunca o vi gaguejar num improviso. Encontrei-me com ele pela última vez faz agora um ano, na sede da editora Ndjira, em Maputo. Eu tinha ido entregar o manuscrito de um livro, ele trabalhava lá como revisor. Tinha a barba grisalha, filhos ainda pequenos. Disse-me que gostava de voltar ao palco, e eu deixei no ar uma vaga promessa. Despedimo-nos, combinando um encontro para dias depois. Para matar saudades, para beber uns copos, “se for caso”, como ele dizia. Mas não. Não voltaremos a trabalhar juntos. Não voltarei a exasperar-me por ele me chegar grosso a um ensaio. Na semana passada queixou-se que não se sentia bem. Ontem pediu para o levarem ao hospital. Em Maputo era Verão, máxima 33, mínima 18, mas não foi sentar-se no muro de casa a apanhar fresco, diante do charco perene na esquina da Sekou Touré, onde antes era o lar dos Velhos Colonos e agora é outra coisa qualquer. Agora é sempre outra coisa qualquer. Ontem pediu para o levarem ao hospital, e foi lá que se apagou, de madrugada, entre a imundície e o cheiro a mijo. Sozinho, como morremos todos.
José Pinto de Sá
sábado, 19 de janeiro de 2008
Robert James Fischer foi o melhor jogador de xadrez de todos os tempos. Mais que isso, foi verdadeiro ícone do xadrez ofensivo, criativo e temerário. Excêntrico, e talvez mesmo louco, a sua vida foi tudo menos o que se poderia esperar de um desportista de sucesso. Após fazer furor tornando-se campeão norte-americano com 14 anos, e Grande Mestre com apenas 15 (o mais jovem de sempre à época), e assombrar o mundo do xadrez com alguns dos mais belos momentos da arte combinatória, torna-se campeão do mundo em 1972, no famoso match de Rejkavik com o soviético Spassky. Num clima de tensão empolado pela guerra fria, e pela possibilidade de finalmente os americanos terem um jogador à altura dos russos (que fizeram do xadrez o jogo nacional, para provar a superioridade do comunismo), Fischer vence claramente (12,5- 8,5), por entre acusações de batota de parte a parte, ficando famosa a sua alegação de que Spassky receberia bilhetes em código nas garrafas de água que lhe serviam. Dois anos depois, Fischer exigiu condições impossíveis para defender o título contra Karpov. Recusou jogar. Perdeu o título na secretaria. A partir daí, afirmando-se perseguido pelos serviços secretos americanos, fugiu dos EUA, passando incógnito por países como as Filipinas, a Hungria ou o Japão. Em 1992, em plena guerra da Jugoslávia, aceitou jogar um remake do match com Spassky em Belgrado; julgado à revelia no seu país, por quebrar o bloqueio económico imposto a Milosevic, acabou condenado a 2 anos de prisão. Fugiu novamente, mas em 2005 foi preso no Japão. A senhora atrás dele nesta foto, Myoko Watai, presidente da federação japonesa de Xadrez, casou-se com Fischer para que ele pudesse obter a nacionalidade japonesa, e escapar à extradição. Consta que acabaram por se dar bem. Acabou por obter antes a nacionalidade islandesa, tendo vivido em Rejkavik desde então. Antes, em 2001, reapareceu para dar uma entrevista em que apoiava os terroristas do 11 de Setembro. Há, ainda, a famosa história de um jogador incógnito, que desafiou o GM Nigel Short, um dos melhores jogadores de rápidas do mundo, para jogar umas partidas numa plataforma online, e jogando de forma mirabolante, com lances aparentemente absurdos, ganhou todos os 13 jogos: só podia ser o Fischer, disse-se. Num certo sentido, o seu fantasma pairava sobre o mundo do Xadrez, que buscava a sua genialidade, o seu perfeito domínio sobre todas as fases do jogo. O jogador perfeito, que para mais, como se de uma estrela pop se tratasse, desapareceu no auge da carreira.
Com apenas 13 anos Fischer jogou aquela que é conhecida como "a partida do século", contra o seu compatriota Donald Byrne, e gravou o seu nome na galeria dos imortais da nobre arte. Para os que sabem ler xadrez, aqui fica, agora que o seu autor se juntou a ela.
D. BYRNE x R. FISCHER
Def. Grünfeld.
1. Cf3 Cf6 2. c4 g6 3. Cc3 Bg7 4. d4 0 - 0 5. Bf4 d5 6. Db3 d x c4 7. D x c4 c6 8. e5 Cbd7 9.Td1 Cb6 10. Dc5 ?! Bg4 11. Bg5 ?! Ca4 !? 12. Da3 ! C x c3 13. b x c3 C x e4 ! 14. B x e7 Db6 15. Bc4 C x c3 !! 16. Bc5 Tfe8 + 17. Rf1 Be6 !!!! 18. B x b6 B x c4 + 19. Rg1 Ce2 + 20. Rf1 C x d4 + 21. Rg1 Ce2 + 22. Rf1 Cc3 + 23. Rg1 a x b6 24. Db4 Ta4 25. D x b6 C x d1 26. h3 T x a2 27. Rh2 C x f2 28. Te1 T x e1 29. Dd8 + Bf8 30. C x e1 Bd5 31. Cf3 Ce4 32. Db8 b5 33. h4 h5 34. Ce5 Rg7 35. Rg1 Bc5 + 36. Rf1 Cg3 + 37. Re1 Bb4 + 38. Rd1 Bb3 + 39.Rc1 Ce2 + 40. Rb1 Cc3 + 41. Rc1 Tc2 #


