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sábado, 21 de junho de 2008

Mambo 45

Das partes à parte

Assim lhe sucedeu aos amores também.

Molhava o pé primeiro nas areias soltas, e na poeirada da emoção já lhe parecia aviltado o entusiasmo, e a luxúria em espuma do quase imaginado encolhia-lhe o que seria o segundo passo numa forma tão mesmo mínima, que levaria séculos para que arrastando-o, se considerasse isso andar em direcção a alguém ou a algo.

Por causa dessa atitude voluntariosa em não coincidir a vontade com o acto, ficou como sendo quem vinha a caminho numa sorridente correria, levantando as vidas já atenuadas como leves folhas sopradas à sua passagem, caso completasse a outra metade do que desejava, o que após o que nunca acontecia essas mesmas existências se transportariam de novo para sítios semelhantes onde é alcançável a maciez do que quer que seja, que é no fundo apenas um também adiado esquecimento.

Mas no seu modo, o que se tornava realidade era apenas uma esperança de revoada futura, de um dia que se gangrenara em sonho seu, revoada essa que alteraria a sua vida de tal forma que se respeitaria até à decadência do seu corpo, como sendo alguém capaz de dar mais de uma passada.

Existem começos que são apenas já o fim, no entanto.
Por causa das metades que a existirem seriam o meio, que é o que sustenta as pontas dos acontecimentos.

Com os vapores contemporâneos, ficava-se pela metade de tudo quanto pensava ser inteiro, caso continuasse.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Mambo 44

O Cristo-Rei Guerreiro

Lubango
Fotos:g.ludovice 2006

O que está na ponta desta montanha, no final do seu braço quente de amores pela cidade e seus muceques bordados no seu manto de ainda montanha, é aquele que me fascina.

Manteve-se ali a ver todas as guerras. Quando desci à cidade da última vez, reparei como estava junto dos seus homens. Contou-me um cubano, que o seu nariz e dedos de uma mão tinham sido levados no bico não de uma cegonha, mas de uns morteiros, o que não é menos surreal.

Como ele ali no seu sossego aéreo, não o teve contudo, era a minha pergunta desalojada de experiência. A seus pés dormiamos nós, respondeu-me, nós os soldados que se debatiam com os outros soldados que vinham como soldados no nosso enlace.
Pelos olhos deles, dos poucos Cristos-reis que existem, deduzimos como o demiurgo vê o nosso mundo a brincar.

domingo, 4 de maio de 2008

Mambo 43


A mãe gosta de arrumação, até os astros distribui pelos seus negros ninhos.
Pediu a mais nova que lhe pintasse o quarto de Van Gogh.
Ela fisionomou umas estranhezas, enquanto contabilizava os seus parcos meses de namoro confuso, com a pintura.
Em jeito de filha arredondou-lhe os receios, com um tamanho de sorriso com casco de navio, porão arejado e convés com vistas largas para todos os mundos sem chão e parede até ao tecto.
A mãe mobilou-a de antecipações, de estórias besuntadas com vírgulas de verdade, de detalhes sem silêncio, coisas preciosas de mãe para sempre.
Por encomenda a laça realidade, de modo algo encadeada com um ideal.
O arrumado quarto de Van Gogh no seu quarto.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Mambo 42

Estaremos continuados para um outro, não apenas porque temos um corpo como um cais de onde partem intensamente mundos interiores que desejam trocar claridades pelas palavras e gestos, mas porque temos um nome que é como um caminho de regresso ao pulsar do nosso pensamento. Só compreendo o anonimato quando se pretende ficar no obscuro patamar dos bastidores, por autêntica humildade ou filosofia que inclua em si a compreensão de que o que se faz ou diz é o que poderá ser significativo e não quem foi o andaime disso, que vale; ou ainda, quando a omissão de uma identidade se relaciona com o salvar uma existência, qualquer que seja o reino a que pertença.
Mas não entendo o avanço de ideias e menos ainda se forem de carácter manipulador ou emotivo, sem assinatura.
Um nome é um rosto e quem o é, deve-lhe dar o valor dos seus próprios passos e se esses são sombra, melhor extingui-los dos caminhos comuns até que se tornem outra coisa que seja retratável, até na ciência uma teoria só é reconhecida se for passível de exposição à refutação.
Um vomitado deseja-se sem nome, por provir da maledicência dos nossos rumores físicos, mas se há algo que se deseja calorosamente transmitir? E se não há fogajem nisso, qual a razão de ser da palavra que se lança sem a mão cuja linha de carne conduz à face? Soa-me a guerra, onde a desproporção de forças gera a absoluta ilusória vitória de uma das partes, mas ainda assim os campos de batalha costumam trazer bordados a quente sangue, um nome.
Vale o que vale uma opinião e apresentando-se desconhecida, é como valendo o que vale estar além disso, decapitada.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Mambo 41

Se ao menos o silencio fosse escorregadio, teria um propósito.
Sempre um se poderia tombar nele e deslizar sem horizonte fechado que apouque, nas avantajadas costas das palavras, nessas desrodas eficientes que permitem o transporte para o interior de alguém, uma vez que o destinatário não se comporte como em tempo de guerra uma estratégica fronteira que existe apinhada de enfartamentos, nem que seus pensamentos de primeira fila, queiram na vida ser a criança que louca se estreita atrás do tronco de árvore no quintal, para não ser a próxima a ter que estar cega, a contar até cem a cada minuto em que se desajeita no encontro com os demais, enquanto progride na audição de si mesma.
As palavras não são blindadas.
O silencio, sim.
Se nele não chove.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Mambo 40

A doença só existe como morte se não é sublimada. Assim as próprias palavras e imagens enfermas, se "ensujadas" com o barro da imaginação, podem de súbito esquecer a sua viuvez da vida; elas existem sãs onde nasce rasteiro em deslutos o primeiro querer dizer do que corre nas quentes veias.
Tenho pelo menos um amigo que pensa que pensa que primeiro pensa e depois sente, ao entregar-se ao escrever.
Atafulhada de sentires, é então quando penso nestes, sobre eles, e sobretudo com eles.
Não é muito racional talvez, andar com um carrinho de supermercado mental, cheio de coisas enviadas desde a porosa sensibilidade, mas é como penso que vivo desde que comecei por inventar sem saber após alguma reflexão de onde chegava isso precisamente, se de irreconciliáveis momentos em que o corpo é a experiência da existência, se era apenas isso um desfoco que habitava redutos próprios do descanso das ideias ou se como duas linhas férreas aquela união de antiga vizinhança se comprometia a tornar desfalecida a dúvida...
Sentimos ou pensamos primeiro? sobre o vazio que se esboroa e se rende à linguagem...

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Mambo 39

Os primeiros sofrimentos são como as grandes chuvas.
Não se sabe se tudo se vai entranhar em afundamentos na perda ou apenas revolvida a superfície, areja-se o novo caule já surgido entretanto, o que guarda a desejada imperdível flor.
Por causa dessas estranhas parecenças de momentos, muitas vezes como se tem a própria sombra, temos uma imparável sarna mental, sentimo-nos como se nos pudessem chamar de cão vadio, de um quem perdido e afirmamos a fenda da nossa existência com a convicção de quem vê uma paisagem. Fugazes compleições.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Exposição


Metamorfose
A evolução da Arquitectura em Portugal
19 de Abril a 7 de Maio
Galeria de Arte Praça do Mar
Quarteira
(ver Mambo 33)

quinta-feira, 27 de março de 2008

Mambo 38

Essa coisa...
Essa coisa da alma que nos faz juntar nadas, como que depois de tanto varrer esse acampamento que é a vida finalmente houvesse a possibilidade de um montículo surgir rasteiro, na humildade dos vazios, e com essa esquina virada para o alto, poder então argamassar um sorrir que não se quebrasse no primeiro intento da saudade de o pasmar desde um outro canto, para mais vir a ser no nosso dentro.

terça-feira, 18 de março de 2008

Mambo 37

Para ti Papito, algures.. feito Estrela
Foto:g.ludovice
Aproximei-me em passos vagarosos dele, estava sentado à secretária na sua biblioteca, a pensar ou coisa assim. Ao fundo rente ao tecto, havia uma rasgada tira de janela por onde o pai espreitava os poentes e nos chamava para com ele, os vermos. Estava lá essa janela, porque ele a tinha desenhado para só isso. Estendi-lhe uma pequena encadernação de capa verde. A primeira folha estava guardada para ele escrever-me uma coisa com que eu pudesse iluminar o resto da minha vida, queria eu. Não adivinharia o que lá poria ele, só sabia que seria especial, que ficaria diferente de todas as outras pequenas rectangulares páginas já escritas por colegas, professores e amigos. Acho que por volta dos dez anos, era costume ter-se um livrinho destes, era como um acrescento à existência, sempre que o abriamos nos viamos como pequenos tesouros aos olhos dos demais, para além de que ali ficavam as caligrafias e marcas das pessoas importantes que iam e partiam da nossa vida, muito mais rápidamente do que suporíamos, tão breve é a vida e tão enrolada é a história do mundo para alguns. Agarrou no livrito com as suas mãos parecidas com as minhas agora, olhou-me com aqueles castanhos olhos doces quase de criança e escreveu: "Se eu pudesse agarrar uma estrela no céu, não seria mais feliz do que ter a filha que Deus me deu." E como as estrelas são para mim tão grandiosas, fiquei naquela altura sem perceber como podia o pai dizer-me uma coisa daquelas.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Mambo 36

Lubango 2005/ O Pátio


Existia uma porta em vidro, de correr, pesada e grande para a minha verde estatura e depois, o pátio.
Brincava nele a ser nada. Só ficava ali a usar os olhos nos kissondes que passavam, tipo tanques de guerra no seu tamanho de respeito, em fila a ir a algum lado ou em confusão desperta pela minha aproximação. Podia espreitar-lhes as muchilas de pedra e as antenas encostando o rosto à terra.
Só ficava ali a engolir as cores de tudo, a seguir as formas das folhas e das flores, a enroscar-me nos cheiros vegetais como se fossem uma refeição a desoras, que é quando sabe melhor.
O pátio era também uma alcofa de raízes e tricotados verdentos, para ali iam através das lamelas, as gatas vadias expôr as suas ninhadas ao esconderijo. Depois era arranjar vidas para todos aqueles descendentes às riscas douradas, cinzentos tigrados, enfeitiçantes de olhos, felinos em miniatura no meu colo.
Havia uma torneira ao fundo, que fazia de cascata ressaltante ao bater nas duras carapaças dos cágados, sempre que lhes ia oferecer cascas de papaya, talos de alface, deliciosos desperdícios de cozinha.
Eram três e de diferentes gerações. O mais velho buscava-me ternuras. Trazia ao mundo todo o seu áspero pescoço para que lhe fizesse festas nos enrugados escamosos e na testa. Parecia-me que sorria nos seus lábios em bico.
Alegrava-me o facto de me puderem sobreviver. Não me sobretudariam de tristes lutos, como os demais seres aqui e ali e mesmo perto, dentro das casas.
Não sei nem quanto corri atrás da aflição que existia na boca do cão grande que desapareceu em seta, quando o mais velho da familia das carapaças foi raptado pelo brincalhão canino. Apenas umas rachas na casa de castanhos losângulos, no final de tudo sustos juntos, bem assomados.
No pátio, ficava só ali sem nada querer ser, enquanto tudo acontecia numa escala mais pequena tão perto da minha pequena e calada vida também a ser acontecida, no pátio.
As brincadeiras a ser outros existiam, mas não ali, só em volta da casa e na rua, mais perto do mapa das pessoas e de seus amores mais dotados de complicações que o próprio negro brilhante dos kissondes, que o compacto laranja da trepadeira, que a cor de deserto dos cágados e que as riscas amaciadas dos gatos, todos com as suas existências aparentemente simples no meu recatado assombro.

Lá fora, a montanha a começar-se e amadamente espiada desde o pátio e o grito cada vez menos raro de mundos nas pessoas e também, desejos meus ainda com som de casca que flutua, a serem voados depois.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Mambo 35

Carnaval 2008

À laia de mais um conto.
Fazer de outro mas a brincar, que de outro modo é auto-terrorismo.

Hoje sou apenas um bamboleado telhado de zinco, para que a chuva seja alguém que se espera em ternuras, de mesa posta, no melhor despido, de espaçosa vaga interior no próprio adentrado chão bem côncavo, para a celebrar em parecenças, e a resguardar de desaparecimentos.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Mambo 34

A minha pele Natal

Chocolate com passas ou sem elas, pelo buraco da boca.
Bem chegada, a ventoinha num sopro quente a desgastar-se na direcção do corpo em modo lânguido, pestanejando pelo ar algumas ideias em demora por aquietados desejos, nesse aflito tanto gosto pela vida como pela morte, que se confunde em festa, como areias que resvalam irmanadas na indisposição de montanha pouco enrochada.

Só querer oferecer esse resplandecer das manhãs, que pode ser a qualquer instante, numa desatenção à civilização, num não te crês.
Tão pouco, quase nada, só esse silêncio bom de uma haste ou arfável sonho.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Mambo 33

Se o mundo é a parte avançada da minha casa, o que é a casa de cada um?
Sempre me intrigou a relação entre as estruturas e os seus habitantes, tanto quanto me surpreende o diálogo entre um corpo e quem o habita...

No período dos descobrimentos, já as casas parecem querer ganhar águas que as movimentem nesse sonho e por isso, têm a forma de barcos, virados ao contrário como que temporariamente recolhidos. (Madeira)
Para os lados de Montalvo, dos arrozais do Sado, existem as casas dos descendentes de escravos, que se estruturam numa sanduíche de madeiras e feno e em que a cozinha é situada ao ar livre, frente à casa, mostrando os doces hábitos africanos de ligação à terra, ao sol, à natureza, ao espaço. (Não consigo apontá-las ...)

No período da colonização dos Açores, o conceito de casa para lá transportado foi o dos habitantes para lá mudados, casas do sul, do Algarve, em que a diferença mais notória era a chaminé que ganhara a forma da chaminé de barco. Foto abaixo: Stª Bárbara/Açores; Piodão

A casa de influência árabe, revela-se sobretudo na cor branca e pelos seus terraços, onde os povos do deserto fixariam as estrelas, recolheriam água, desenvolveriam o estudo da geometria e matemática. foto abaixo: Loulé

Também existem os Palheiros da Tocha que são construções de apoio à pesca.
Casas ligadas à pesca da sardinha, onde se guardavam as alfaias e redes e que a partir de 1930, com a valorização do verão como possibilidade de praia, passaram a ser casas de praia.
foto: abaixo: Palheriro da Tocha

Junto à linha fronteiriça, na época medieval, na zona arraiana (Sortelha, Sabugal, Almeida…) aparecem as casas que se têm que moldar à geografia interior do Castelo que protegia a aldeia, em defesa dos inimigos de Castela.
A casa romana, no período neolítico, já traduz o surgimento da agricultura e a posse da terra, significa a sua divisão entre os homens, passando a ser rectângular a forma de distribuição dos terrenos e das próprias casas. A forma da mulher na arquitectura deixa de ser eloquente, num tempo patriarcal. casas foto abaixo: Piodão; Sortelha

Já as casas em redor das cidades, por exemplo em Mafra, sofrem influências orientais japonesas e chinesas, configurando os seus telhados em forma da cobertura dos pagodes, onde parece que existem no seu desenho, asas a aconchegarem-se no ninho.
foto abaixo: Mafra
Por exemplo, explica-me Justino Brito, a casa Celta (Briteiro), circular, primitiva e pertencente ainda a um período de matriarcado, onde a forma da mulher grávida era o símbolo de fertilidade, tem o seu telhado em forma de seio e na sua fachada dois braços de pedra que serão os braços acolhedores com que a mãe estreita o seu filho ao amamentá-lo. Este tipo de casa primitiva era um ponto de apoio à maternidade. foto abaixo: Soajo; Briteiros; Tourém



Os pés em desatino domingueiro, estacionaram-me em frente a um estendal de feira, para que o olhar pudesse sair e deliciar-se com pequenas amostras de diferentes casas, no rectângulo da península Ibérica.
Num enorme vertical e linear mapa, lá estavam aplicadas nas suas três dimensões, as diferenças na arquitectura popular portuguesa, reproduzidas por hábeis mãos e rigorosa e curiosa mente conjunta.
De admirar, que este casal português que desde 1980 trabalha estes temas, Justino Brito e Teresa Taveira, não sejam amplamente apoiados e convidados para as escolas e com contrapartidas (claro!!!) para palestrar sobre o seu saber, investigação, produção; seria belíssimo para os alunos à disciplina de História, Filosofia, Psicologia, História de Arte e Desenho, no mínimo, matutava eu enquanto gulosamente sorvia aquelas histórias todas, que amavelmente me iam chovendo, encharcando-me dos encantamentos... da Península e dos seus perfumes de viagens, ancorados na casa Portugal.

meia.cana@oniduo.pt
http://www.meiacana.org/
Exposição na Galeria Municipal de Quarteira em Abril de 2008.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Mambo 32 (1) - Cimeira África /Europa

1. Por questões de alfabeto, parece-me que fica melhor ser África/Europa e não Europa/África.
2. Por hospitalidade genuína, parece-me que as visitas estão em primeiro lugar, nas listas, à mesa, nos começos... Mas isto não seria caso de nota, se os acordos da APE, fossem justos para os povos africanos, que sendo vossos/nossos iguais, vivem realidades completamente diferentes, que não podem permitir o doce egocêntrico sonho europeu da liberalização de mercado, sem que não fiquem ofendidas/fendidas as suas ainda frágeis economias africanas.
As vossas/nossas visitas regressam à tão mágica casa África, parece-me, que Algo descontentes ...
Que página foi dobrada, esperando ser virada? O tempo, a des-sorrirá?

domingo, 25 de novembro de 2007

Mambo 30

O objecto

A desfiguração também é na coisa.
Consolada por ter sido leito de acordes, ainda ilude com brilho volumoso, resiste a estar rompida, mas já se abaula em escurecimentos.
Nesse enjaulamento pelo silêncio permanece em trajecto de morte, a coisa numa fidelidade visceral ao rosto, que a embelezou em demasias.
Vorazmente incendeio-me sem ser por partes, com o desprazer do mudo objecto, mas sempre incompletamente.
Há o rosto.

(Por ti, Pai)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Mambo 29

Sem desembrulhar

Quereria alongar e alargar um dedo, de forma a que este pudesse ser por ti calcorreado como sendo estrada, quando, com ele aponto sobre o que para mim é o fervor da vida.
Em vez disso, à tua beira exilo-me de vontades e aprendo a arte das ravinas com os seus temporários pássaros, ao sorver os teus não amansados entusiasmos.
O que, é parecido ante o coração e seu lago de inteiras verdades!
Mal se distingue, o que é desmedido em ti e o que é um fundo, que seja desejo meu.

Para um jovem filho

sábado, 3 de novembro de 2007

Mambo 28

Nele, brinco de todas as maneiras; finjo ser pessoas diferentes, as que enlaçam com perguntas e as que com respostas matam, as que são paixão e as que ensaiam latejos à volta disso, as que perdem para sempre o habitáculo do tempo e as que se demoram a estar nesse acumular de enchimentos de tórax, as que quase nada percebem de tudo e as que se desiludem com hábil dificuldade.
O meu quintal é o mundo.
Nele sossego , como se estivesse na parte avançada da minha casa.
Quando o que suporta a varanda, desde onde é unicamente visível o nada, são os outros em amáveis pilares.
O meu quintal é o mundo.
Brinco no quintal, como que junto a uma árvore galáctica, sem que me aperceba de quantos mundos há; apenas a leve portada da casa, que bate com o vento em dias irregulares, me é funda angústia.
É o seu seco som de repetível fronteira, que me faz sentir só por todos os lados.

domingo, 14 de outubro de 2007

Mambo 27

As pessoas podem fazer lembrar os seus países, mesmo num sítio longínquo.
E o que foi uma politizada geografia comum é agora também montanha e vale num olhar e uma sensação de espanto e uma vontade completa de baralhar as línguas e os seus idiomas.
De repente podem estar frente a frente como dois elementos de estado, sabiamente envenenados por ancestrais culturas, numa rapidez que avança porque parte do estalido de uma estranha e ritmada compreensão.

O que poderá ser um cubano muy macho e nada romântico ao lado de uma sentida angolana?
Estende a maciez do queixo, o braço em amparo, tira-lhe as espinhas do peixe, talvez ainda primo daquele que nas remotas águas de Trinidad é gastronomicamente velado quarenta oito horas antes de ser perfeita refeição, dedica-lhe canções e canta-as devagar com areias de Ancór ainda nos olhos, prepara-lhe mojitos deliciosos enquanto ela fica só ali sem sequer sílabas, pede a um amigo que escreva no minuto um poema e oferece-lhe, dizendo só que o amigo é um grande escritor, para-lhe nos lábios um enxuto charuto para que se extasie, segue viagem no que existe na colher até à sua boca, vai pela rua a agitar a sua alegria como se uma fogosa bandeira fosse a mão dela, no dia em que terminou a escravatura no Valle de los Ingenios. No rosto, os seus ossos largos permitem que o coração fique intemporalmente à espreita, enquanto é noite e acredita e deseja, que os países de algum modo são como "algumas pessoas".

Dedicado a Cuba e a Angola

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Mambo 26

Nas arcadas de qualquer coisa, teimam sempre uns peitos de pés que nascem de papelões e tão descrentes quanto parados, arqueiam-se pelo delírio de já não pertencerem a setas que respiram ventos.
Mais acima, espreitam de lá uns tons que parecem enxutos mundos mas restam só lá demolhados nos círculos da cara, como sentados que estão para sempre numa inclinação única.
Não sabem des-sabores porque tudo tem um cheiro de todos, de um buraco universal que não se pode atapetar por cima.
As suas solidões são esses vapores subidos, que não encontram susto.


P.S-Eles nunca lerão este blogue, eles, os outros, os que não são eu nem tu, os Sem-Abrigo das cidades belas... como Lisboa, como...