Inventar um novo estilo de escrever, de ler, de pensar. Continuemos neste desafio e provação. Mas com os sentidos e o erotismo bem activos, claro. Convidamos todos a participarem. A nos darem as suas linhas de acção e pensamento. A mostrarem as suas escolhas e predilecções. Nas últimas semanas, desencadeou-se uma grande troca cruzada de opiniões, em torno do Holocausto, provocada por uma crónica irregular e despretensiosa sobre uma visita a Auschwitz-Birkenau. O mundo da Blogosfera lusitana vive agora no balanceamento que lhe é permitido pela “ética republicana”, à la JP Pereira, e o trauma luxuriante dos filhos do pós-modernismo militante, de que o Metablogue é o expoente máximo e soberano.
O que se passa, efectivamente, é que a profusão dos comentários, e de alguns marcantes e expressos, criaram uma boa série de argumentos para seguir os conselhos de Wittegenstein à letra. Que nos prescreve, com non-chalance, o autor das Pesquisas Filosóficas? Três coisas, para que Jacques Bouveresse alerta, fundamentalmente: “A primeira, relaciona-se com o facto de não só uma cadeia de razões tem um objectivo, uma finalidade, como muitas vezes não possui nenhum começo. A ausência de justificação (no sentido de ausência de lugar para um problema de justificação), não pode, realmente ser interpretada como uma ausência de legitimidade. Podemos dizer do conceito agonal (reminiscência) o mesmo que Wittgenstein diz da dúvida, pode estar ausente ou funcionar no grau mínimo ou no máximo”.
Na última colecta póstuma de textos, “Deux Régimes de Fous”, Gilles Deleuze aborda as suas relações intelectuais e humanas com Michel Foucault. A traços fortes e decisivos, portanto: “ Não só o admirava como, ainda por cima, me fazia rir. Ele era mesmo muito engraçado Não tinha com ele senão uma coisa em comum: ou trabalho, ou digo coisas insignificantes. Há muito poucas pessoas no mundo com quem se consiga falar de coisas insignificantes. Passar duas horas com alguém, dizendo coisas insignificantes, é a súmula da amizade. Só com grandes amigos se pode falar de coisas insignificantes. Com Foucault, era do género uma frase para aqui outra para acolá. Um dia, na corrente da conversação, ele disse: eu gosto muito de Péguy, porque é um louco. Questionei-o: Porque dizeis que era um louco? Basta olhar como escreve. Isso é muito interessante em relação com o próprio Foucault. Isso queria dizer que alguém que sabe inventar um novo estilo, produzir enunciados novos, é um louco”.
(Continua)
FAR
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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
sábado, 22 de setembro de 2007
Biografia gigante de Deleuze e Guattari
Acaba de sair em Paris, Éditions La Découverte, a primeira Biografia Cruzada sobre os dois pensadores-farol de Maio 68. François Dosse elaborou um trabalho piramidal e de rara profundidade. Não esconde nenhuma realidade política e intelectual dos dois sátiros de alta voltagem do establishment parisiense, Muitas histórias e sobretudo uma fabulosa arqueologia do pensamento radical. Sabe-se como Deleuze se fascinou pelo agir de Sartre como filósofo, e também da paixão pela filosofia deEspinosa, Nietzsche, etc. E como veio a defender a Al Fath, ou o Gip de Foucault e Mauriac Filho... Guattari veio da mouvance comunista e ultrapassou a Psicanálise institucional por contágio radical com Laing, Cooper e os esquerdistas "normaliens" que acreditaram na nova leitura de Freud realizada por Lacan e seus colaboradores. Dosse "mergulha" e revela-nos em espiral a "maceração" dos conceitos. E como se sabe, um conceito é uma arma contra a laracha e a obscena anedota trabalhada pela ideologia dominante. Tudo leva a crer, convenhamos, que se trata de um dos grandes acontecimentos literários da rentrée francesa deste ano.
FAR
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quinta-feira, 1 de março de 2007
Deleuze: Post-Scriptum sobre as sociedades de controlo (3)
III. PROGRAMA
Não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controlo que dê, a cada instante, a posição de um elemento num espaço aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira electrónica). Félix Guattari imaginou uma cidade onde cada um pudesse deixar o seu apartamento, a sua rua, o seu bairro, graças a um cartão eletrônico (dividual) que abriria as barreiras; mas o cartão poderia também ser recusado em tal dia, ou entre tal e tal hora; o que conta não é a barreira, mas o computador que detecta a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal. O estudo sócio-técnico dos mecanismos de controlo, apreendidos na sua aurora, deveria ser categorial e descrever o que já está em vias de ser implantado no lugar dos meios de confinamento disciplinares, cuja crise todos anunciam. Pode ser que meios antigos, tomados de empréstimo às antigas sociedades de soberania, retornem à cena, mas devidamente adaptados. O que conta é que estamos no início de alguma coisa. No regime das prisões: a busca de penas "substitutivas", ao menos para a pequena delinquência, e a utilização de coleiras electrónicas que obrigam o condenado a ficar em casa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controlo contínuo, avaliação contínua, e a acção da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da "empresa" em todos os níveis de escolaridade. No regime dos hospitais: a nova medicina "sem médico nem doente", que resgata doentes potenciais e sujeitos a risco, o que de modo algum demonstra um progresso em direção à individuação, como se diz, mas substitui o corpo individual ou numérico pela cifra de uma matéria "dividual" a ser controlada. No regime da empresa: as novas maneiras de tratar o dinheiro, os produtos e os homens, que já não passam pela antiga forma-fábrica. São exemplos frágeis, mas que permitiriam compreender melhor o que se entende por crise das instituições, isto é, a implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação. Uma das questões mais importantes diria respeito à inaptidão dos sindicatos: ligados, por toda sua história, à luta contra disciplinas ou nos meios de confinamento, conseguirão adaptar-se ou cederão o lugar a novas formas de resistência contra as sociedades de controle? Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente para serem "motivados", e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir ao que estão a ser induzidos a servir, assim como os seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira.
Não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controlo que dê, a cada instante, a posição de um elemento num espaço aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira electrónica). Félix Guattari imaginou uma cidade onde cada um pudesse deixar o seu apartamento, a sua rua, o seu bairro, graças a um cartão eletrônico (dividual) que abriria as barreiras; mas o cartão poderia também ser recusado em tal dia, ou entre tal e tal hora; o que conta não é a barreira, mas o computador que detecta a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal. O estudo sócio-técnico dos mecanismos de controlo, apreendidos na sua aurora, deveria ser categorial e descrever o que já está em vias de ser implantado no lugar dos meios de confinamento disciplinares, cuja crise todos anunciam. Pode ser que meios antigos, tomados de empréstimo às antigas sociedades de soberania, retornem à cena, mas devidamente adaptados. O que conta é que estamos no início de alguma coisa. No regime das prisões: a busca de penas "substitutivas", ao menos para a pequena delinquência, e a utilização de coleiras electrónicas que obrigam o condenado a ficar em casa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controlo contínuo, avaliação contínua, e a acção da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da "empresa" em todos os níveis de escolaridade. No regime dos hospitais: a nova medicina "sem médico nem doente", que resgata doentes potenciais e sujeitos a risco, o que de modo algum demonstra um progresso em direção à individuação, como se diz, mas substitui o corpo individual ou numérico pela cifra de uma matéria "dividual" a ser controlada. No regime da empresa: as novas maneiras de tratar o dinheiro, os produtos e os homens, que já não passam pela antiga forma-fábrica. São exemplos frágeis, mas que permitiriam compreender melhor o que se entende por crise das instituições, isto é, a implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação. Uma das questões mais importantes diria respeito à inaptidão dos sindicatos: ligados, por toda sua história, à luta contra disciplinas ou nos meios de confinamento, conseguirão adaptar-se ou cederão o lugar a novas formas de resistência contra as sociedades de controle? Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente para serem "motivados", e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir ao que estão a ser induzidos a servir, assim como os seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira.
in Gilles Deleuze, Conversações (fim)
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