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quinta-feira, 5 de junho de 2008

E nem um postalinho ao presidente Guebuza?

Carta aberta ao presidente José Eduardo dos Santos

Exmo. Senhor Presidente:
Ao sabermos do propósito de promover em Setembro próximo eleições legislativas, acontecimento há muito esperado, considerámos oportuno solicitar de novo, como achega a tão elevado sinal democrático, a sua atenção para a nossa pretensão que reclama pelo esclarecimento da verdade, desejo antigo e tão ansiado por larga fatia da sociedade angolana, que viu muitos dos seus desaparecerem na sequência dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977.
Já vai longa a troca de acusações manifesta por sobreviventes, familiares dos desaparecidos e de outros participantes no processo ou por seus representantes. Reclamam-se todos de justiça e pela restauração da imagem e dignidades manchadas. Porém, se os primeiros apelam ao mais alto dignitário da nação para que promova a constituição de uma Entidade Independente dotada de poderes necessários para indagar o passado, dos outros há quem espere venha a ser o MPLA a dar explicações para o seu comprometimento, enquanto outros, integrantes do Partido e do Estado, estão dispostos a sugerir a investigação e recolha das evidências históricas como contributo para a busca da verdade sobre o que deveras ocorreu a 27 de Maio de 1977, privilegiando a acção daquele que foi, em última instância, o responsável por todos os gestos do Estado, o então presidente Agostinho Neto.
Senhor Presidente, volvidas três décadas de resignação e silêncios forçados, torna-se premente, que de forma decisiva nos conceda a sua indispensável cooperação para se desenvolver um trabalho sério e uma pesquisa rigorosa. E porque todos os processos têm um início, quem melhor posicionado que V.Exa., para proporcionar o acesso a toda a informação e documentação, abrir à investigação a consulta dos arquivos do MPLA e do Estado Angolano, permitindo válidas e esclarecedoras conclusões, como por exemplo trazer a público o resultado conseguido pela Comissão de Inquérito a que então presidiu por incumbência do B.P. do MPLA, conclusão essencial, pois dirá a forma e a medida da “implicação fraccionista”, que se dizia ter invadido o MPLA, os seus meandros e práticas, afinal para benefício de quem.
Senhor Presidente, se até aqui foi nosso propósito apelar do seu
compromisso na prossecução desta tarefa que propõe restabelecer a verdade na história de Angola e na do MPLA, de onde o 27 de Maio de 1973 não pode ser arredado, vamos arriscar de novo sensibilizá-lo para que atenda anteriores pedidos que, uma vez satisfeitos, engrandeceriam a Nação e dignificariam o seu Presidente. Já passaram mais de trinta anos e ainda não foram entregues as certidões de óbito que atestem a causa da morte de
inúmeros cidadãos. Conhecer os locais onde se encontram os seus restos mortais, proceder-se à sua exumação e sequente entrega às famílias para que estas procedam ao seu digno funeral, seria um gesto de enorme humanidade.
Tendo sido criada por iniciativa de V.Exa. uma “Comissão Multisectorial”, um projecto que visa valorizar e divulgar figuras históricas angolanas, no intuito de fortalecer a unidade nacional e que terá competência para conceber e edificar estátuas e monumentos históricos, permita-nos desde já que possamos candidatar como figura histórica digna de tal merecimento, todos aqueles que pereceram na sequência dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977. Afinal, das mais faladas figuras aos demais anónimos que desapareceram, todos concorreram, cada qual à sua maneira, para pôr fim ao colonialismo, para vencer os invasores e para erigir Angola como Nação independente.
Aguardamos verdadeiramente pelo Vosso interesse na prossecução desta nobre tarefa, que visa repôr verdades, fazer justiça e devolver dignidade, jamais esquecendo o passado para que não se repita no futuro.

Associação 27 de Maio,
Lisboa, 27 de Maio de 2008



E nem um postalinho ao presidente Guebuza?
A carta acima reproduzida foi divulgada em Lisboa dias atrás, quando se completaram 31 anos sobre o início da sangrenta repressão da dita “intentona fraccionária” liderada por Nito Alves. A missiva é subscrita pela Associação 27 de Maio, que congrega sobreviventes e familiares de vítimas da chacina que ensombrou Angola. Volvidas mais de três décadas, a verdadeira história ainda está por contar, as vítimas não foram reabilitadas nem sequer os seus corpos devolvidos às famílias, e os algozes, entre os quais se contam conhecidas figuras angolanas como o romancista Pepetela, continuam impunes e impenitentes.
Se em vez de “romancista Pepetela” se escrevesse “poeta Sérgio Vieira”, a frase anterior poderia aplicar-se, sem tirar nem pôr, a Moçambique. Do outro lado do continente, o zelo dos burocratas também fez das suas, em tristes episódios que passaram à História com nomes como Operação Produção e “campos de reeducação”. Também lá milhares de pessoas sofreram na carne a violação sistemática e massiva dos direitos humanos, em desmandos como deportações, detenções sem culpa formada, execuções sumárias, chambocadas e outras formas de tortura. E também lá a história está por contar, as vítimas por reabilitar, os culpados por punir.
Também lá caberia instar o Presidente da República a responder aos múltiplos pedidos de esclarecimento e de reparação que esta triste situação justifica e impõe. Pedidos que, “uma vez satisfeitos, engrandeceriam a Nação e dignificariam o seu Presidente”, como dizem os subscritores da carta angolana. Tanto mais que, no caso moçambicano, o actual Presidente da República, Armando Guebuza, na altura ministro do Interior, foi o principal obreiro da referida operação e da dita reeducação. Ninguém mais que ele deveria estar interessado em virar de vez uma das páginas mais sombrias da história de Moçambique. E ninguém mais que ele tem capacidade e poder para tal. Só lhe ficava bem, e devia aproveitar a oportunidade. Porque, como escreveu Patrice Lumumba diante da morte, “l’Afrique écrira un jour sa propre histoire, et ce sera une histoire de verité et dignité”.

José Pinto de Sá

quarta-feira, 14 de maio de 2008

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Da Capital do Império

Olá!

Ler os discursos dos chefes de estado à assembleia geral da ONU - algo que tenho que fazer todos os anos - é como condenar alguém a ter que ler a minha colecção de livros mais chatos do mundo onde incluo livros como a “Colectânea de discursos do Enver Hoxa” e “ O modelo soviético de desenvolvimento” .
Pior do que isso (e agora que o Fidel está com os pés para a cova) só pode ser … ser forçado a ouvir um discurso de sete horas do narcisista-fidelista (leninista) Hugo Chavez. Ainda não me calhou a sorte embora eu conheça um desgraçado que teve que assistir a isso de pé o que o levou a rogar ao santo Che pela cura de Fidel para ver se calava o Hugo. Sem resultado o que, disse-me ele, “prova que afinal o Che não é santo”. O que todos nós sabemos ser verdade… não é?
Mas voltando à questão dos discursos da ONU: É por essa característica soporífera de mediocridade surrealista que eu considero a Assembleia Geral da ONU - que todos os anos em Setembro atrai dezenas e dezenas de chefe de estado e governo e respectivos “penduras” a Nova Iorque - como nada mais que uma oportunidade para ver alguns amigos, dar uma passeata, ir ver uma boa peça de teatro e comer num ou dois bons restaurantes franceses à custa de outrem e depois fazer uma ou duas entrevistas sobre os males dos Estados Unidos no mundo para pagar os ditos jantares. É ao fim e ao cabo pouco diferente do que fazem os ditos chefes de estado e governo embora eles se desloquem em limusinas e causem irritantes engarrafamentos de trânsito na zona de mid town Manhattan onde os preços dos hotéis quadruplicam durante esse período.
Pois tenho a dizer-vos que este ano na minha ida à Assembleia Geral da ONU nem pus os pés na dita cuja. Preferi ir passear para Coney Island (onde o piroso é genuíno) e ir ver como é que funciona a Máfia russa em Brighton Beach (Little Odessa). Muito mais colorido e fascinante do que a Máfia inoperante da ONU e além disso não vivem à minha custa.
Pois para recuperar tempo perdido estava eu outro dia a ler o discurso feito na Assembleia Geral a 25 de Setembro por “Sua Excelência José Eduardo dos Santos” (notem que já não é “camarada”) e à espera de cair a dormir antes de ter tempo de soletrar “QUE CHATICE PORRA” quando quase que saltei da cadeira sem acreditar no que lia.
“Pode ou não o Islão coexistir nas sociedades de modo pacífico com outros credos religiosos? Como neutralizar o fanatismo e evitar a islamização do estado que contraria a consciência jurídica moderna da humanidade sobre o estado secular?”
Tive que ler estas interrogações legitimas e atempadas de “Sua Excelência” duas vezes e ainda duvidando do que estava à minha frente em preto e branco agarrei logo no telefone para confirmar o que estava escrito com um empregado diplomático do Zé Dú Ali Bábá ( o nome popular de Sua Excelência).
“É pá acho que ele fez umas modificações pouco antes de ler o discurso mas nós só temos o original,” disse o tal diplomata do Zé Du Ali Bábá. Por isso tive que contactar a russa matrona que trabalha num escritório nas caves da ONU num corredor que nunca ninguém encontra e onde todos os discursos são arquivados em cassetes e pedir-lhe a cópia do discurso do Zé Du Ali Bábá que ela resmungando lá me mandou eficientemente (que surpresa!).
Tenho a dizer que o Zé Dú me voltou a desiludir pois à ultima da hora “cortou-se”! Mudou as interrogações para certezas afirmando que “o Islão pode coixistir nas sociedades de modo pacífico com outros credos religiosos mas é preciso neutralizar o fanatismo e evitar a islamização do estado que contraria a consciência jurídica moderna da humanidade sobre o estado secular”.
Pode coexistir? Talvez …. se se “evitar a islamização do estado”. Mas se tivermos em conta que a influencia crescente do Islão é aquela do movimento Wahhabi (e suas variantes) em que nada pode ser separado da leitura fundamentalista do Corão é difícil imaginar isso. Na verdade é preciso notar que o Islão não é apenas um “pacote” de princípios e crenças mas pelo menos senão mesmo acima de tudo uma crença social, lições de como organizar a sociedade como um todo.
O problema surge porque nós sabemos que as nações existem com base em valores e crenças comuns e que nas sociedades as pessoas avançam porque são encorajadas pela sua sociedade a adoptar certos hábitos e comportamentos. Por outras palavras: as soluções para questões morais não são só produto dos indivíduos já que os homens são criaturas sociais cujas acções e pontos e vista são profundamente marcados pelo tecido social que os une. Daí a importância da questão que o Zé Dú Ali Bábá levantou antes de se “cortar”: “Pode ou não o Islão coexistir nas sociedades de modo pacifico com outros credos religiosos? Como neutralizar o fanatismo e evitar a islamização do estado que contraria a consciência jurídica moderna da humanidade sobre o estado secular?”
Isto levanta outra questão: A crença no tal “processo histórico” pelo qual vamos todos acabar num sociedade igual a cantar Grândola Vila Morena Terra da Fraternidade depois de passarmos todos pelas mesmas etapas históricas a cantar “Imagine”. Isto é, basta dar tempo ao tempo e acabaremos todos por acreditar em valores democráticos, de fraternidade, de liberdade de imprensa etc. Se isso ainda não acontece é porque há exploração (dos americanos) ou/e porque o resto do maralhal ainda está numa outra fase do tal processo histórico mas com tempo … vai lá. Pois, pois…
Na verdade só quando abandonarmos esta fantasia de um processo histórico igual para todas as nações e povos é que poderemos fazer face ao problema que o Islão é hoje para todos. Só então é que poderemos aceitar que há pessoas para quem e ao contrario de nós no ocidente a religião é fundamental para organizarem a sua vida e não valores democráticos . E se aceitarmos isso poderemos talvez conseguir distinguir entre esses e aqueles cujas crenças os levam à utopia terrorista anti-moderna.
Tentar bater uma ideologia assassina com complacências ocidentais sobre o “processo histórico”, o “multiculturalismo” e outras suposições não é uma boa aposta. O relativismo infelizmente não resolve tudo. É por isso que o Zé Du Ali Bá Bá deveria ter deixado ficar a pergunta no ar. Mesmo que o único que a tenha notado fossemos só nós. Mas do Zé Du há muito que deixei de esperar coragem.

Abraços,
Da capital do Império

Jota Esse Erre