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quinta-feira, 11 de março de 2010

“Rouge”

In memoriam. José Maria Gomes aka Zeca Diabo

Memória bem guardada entre os que mais de perto privaram com o José Maria Gomes, durante a sua transitória frequência do enclave ‘português’ no Rio das Pécoras, merece jus divulgação nesta injusta inoportunidade obituária. Escrevemos memória com o intuito de desanimar os que habitualmente as treslêem como segredos mais ou menos ciosamente desguardados. Nada disso.
Memória do que deveria ser oportunamente dito sobre o Zeca Diabo. Como afectuosa e privadamente referiam os que oficinaram nos 80 meados os jornais a que deu alma e corpo. Primeiro o Correio, depois o Oriente.

Por respeito aos altos padrões de modéstia e inabalável confiança axiológica nos princípios da Igualdade e da Fraternidade a que o Zé Maria se obrigava, propomos, tão só, uma síntese e uma estória.
Por que nos falta o talento do aforismo na mesma medida em que desconhecemos o patois moderno apropriado, ficamo-nos por uma visitação nobre: gentil-homem.
Um homem bom, uma pessoa tranquila, um cidadão perenemente incomodado e inconformado com a exploração, a injustiça e todos os arbítrios. O Zé Maria era genuinamente assim, sem alardes, sem crispações. Quem se não lembra daquele jeito peculiar de discordar semisorrindo: “Nãããão”. Ou quando o disparate do interlocutor era confrangedor, um compreensivo: “Nããão sócio, não sócio”.
Jornalista escrupulosamente honesto, o Zeca Diabo sucedeu, no quadro desfavorável de responder por veículos escritos ditos pró-governamentais, em apresentar produtos tecnicamente limpos, rigorosos.
“Espírito de missão”, justificava, e por aí ficava a explicação da missão. O espírito, esse, revelava-se no sacrifício de suportar golpes baixos dos adversários, que os havia, e até se autodesignavam de oposição.
Pois a estória foi mais ou menos a seguinte. Soprado sobre uma vaga intenção governamental de ressuscitar o dossiê caminhos-de-ferro, nada mais nada menos do que o modus operandi adequado a quem quer encomendar estudos e consultorias várias- chamemos-lhe o método do raccord histórico ou do precedente auspicioso-, o Zé Maria verteu prosa investigada sobre comboios em Macau. Propósito nada fácil, uma vez que nunca houve comboios por estas bandas, pelo menos de natureza ferroviária.
O nosso Zeca não se deixou limitar por essa inconveniência e tratou de desencantar, sim, desencantar, um achado etimológico e um filão semântico, uma “Gazeta dos Caminhos de Ferro”, publicada em 1902, em Lisboa. A gazeta repescava uma ‘cacha’do Morning Leader de Londres, que anunciara a formação de um “syndicato” português para financiar e construir a linha de caminho de ferro entre Macau e Cantão.
A percepção desta possibilidade seria qb, mas o Zé Maria reforçou-a com a irrefutabilidade do material circulante: numa pequena pedreira da Ilha da Taipa era, fôra, possível observar o afã das pequenas vagonetas de cascalho, para cá e para lá, sobre carris.
Os tais adversários, acima introduzidos, não enjeitaram a oportunidade para ‘desancar’ o Zé Maria, o “Oriente”, associando o “delírio” dos comboios à deriva mental e financeira do governo. No mais duro estilo madeirense, chegaram ao ponto de insinuar que o Zé Maria teria sido visto, madrugada alta, junto à dita pedreira, com uma cavilha numa mão e uma garrafa de mao tai na outra.
Foi a gota de água. “Sócio, puta que os pariu, fechamos o jornal e vamos para o Skylight, para o Mermaid, para o Ritz, para o Kin Dô, para qualquer sítio”.

(continua)

JSP

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Landim Desconhecido

Tomando como pretexto um muito anterior post sobre os grandes moçambicanos, também este a pretexto daquela futilidade televisiva designada por Maior Português de Sempre, apresento-vos um verdadeiro herói Landim. Um Landim desconhecido.

Dizem que...a quintissecular presença portuguesa no Sul da China, a partir do século XVI, foi de todo pacífica, consentida e cordial- um diagnóstico sustentado na ausência de confronto militar directo. Todavia, o governo de Lisboa manteve até 1976 uma presença significativa de tropa regular... acredita-se que como símbolo de soberania e tranquilidade. Mas como sabemos estes símbolos custam algum e já então a distância entre Lisboa e o Delta do Rio das Pérolas marcava quase duas dezenas de milhar de km.
Eureka! Terá babado um dos nossos políticos de excepção, antropólogo social, cosmopolita e distinto colonial. Assessorado por uma bússola, um compasso e uma régua, o nosso visionário atinou: vamos recrutar um destacamento de negros provenientes da melhor distância entre Macau e a Contracosta.
E foi assim que se formou a denominada Companhia de Landins, mancebos voluntariamente arrancados às suas ocupações e destinos tradicionais, e esta rumou, no século XIX, para as remotas casernas de um mundo ainda mais estranho. Imagine-se a estranheza dos locais.
Ora, no dia 22 de Agosto de 1849, um grupo de “sicários chineses”, na expressão pacificadora e reaccionária do mais conhecido historiador de Macau, Monsenhor Teixeira, cortava a cabeça ao Governador Ferreira do Amaral, reputado herói das guerras sul-americanas. Conta Teixeira que Amaral, então guarda-marinha, tomou parte no assalto a Itaparica, no Brasil. Ferido com muita gravidade, não houve remédio que não cortar-lhe o braço, a frio sem anestesias e segundas opiniões.
“Quando viu cair o braço, levantou-se da cadeira, lançou-o ao ar e exclamou Viva Portugal”. Compreensivelmente, desconhe-se qualquer declaração ou exclamação na circunstância da emboscada que resultou na decapitação, ali na zona das Portas do Cerco, do incontornável herói dos rios da Prata e Pérolas.

Após o dramático assassínio de Amaral, cerca de dois milhares de soldados chineses, acantonados no Forte de Pac-Sá- Lan- vertido para português como Passaleão- desataram a ‘abonar’ (jargão de infantaria ou tropa macaca) o outro lado das Portas do Cerco. Recorrendo de novo a Teixeira, e à justificação politicamente correcta da tese da cordialidade mútua, a tropa portuguesa “manteve-se inactiva”.
Indiferente a todas a variantes da covardia institucional, o Tenente Vicente Nicolau de Mesquita avançou com 32 efectivos contra o dito Forte do Passaleão, “desbarantando a guarnição” e erguendo o pavilhão lusitano. Segundo o relato de Teixeira.
Não foi bem assim. Neste recontro ou confrontação, em que não se registaram baixas nem danos colaterais, o primeiro a saltar o muro do forte foi um anónimo soldado Landim. A guarnição chinesa ao ver o incorporado negro desatou a gritar Hac Kuai! Hac Kuai! Hac Kuai! E a fugir.
Hac Kuai quer dizer Diabo Preto, o que não sendo um cumprimento tem o mérito da não-exclusividade, pois os brancos, europeus, são ainda hoje denominados de Kuai Lo, Diabo Branco. Leia-se Gweilo.
Mesquita regressou em glória ao enclave de Macau e teve direito a todas as homenagens e a estátua paga por subscrição pública. Em honra do maior herói macaense.
Quanto ao nosso Landim, permanece anónimo, sem medalha ou pedra, provavalmente vagueando pelas noites escuras e sussurando : 2+2=5, 2+2=5, 2+2=5.

JSP

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Sumbana deslumbrado


(foto tirada de www.unitedworld-usa.com)

O ministro do Turismo de Moçambique, Fernando Sumbana Júnior, ficou deslumbrado com a “Las Vegas do Oriente”. Sumbana, que se deslocou a Macau para participar num seminário sobre oportunidades de investimento, uma iniciativa estimulada pelo órgão de contacto comercial entre a China e os Palop, desafiou os operadores de casinos a investirem nos três espaços de jogo de Moçambique. Maputo (Polana), Namaacha (Sol Libombos) e Cabo Delgado. Ficou, contudo, a ideia de que a oferta não se resume a estas três ‘licenças’... tão grande é o país e tantos são os grupos que, em conjunto, fizeram com que o pequeno Macau ultrapassasse, em chiffre d’affaires e outros, a mítica Las Vegas, ou Sin City. Como por lá se brinca.

Convite extensivo, presume-se, aos locais, SJM (Stanley Ho) e Galaxy (Hong Kong), aos americanos (Las Vegas Sands, Wynn e MGM; com o Harrah’s à espreita) até à PBL da Austrália.

Subscrevemos sem reservas esta visão do ministro Sumbana. As pobres gaming joints de Moçambique não podem, de facto, concorrer com Sun City- uma criação de Sol Kerzner, o mesmo das Bahamas, e que, por acaso, foi um dos perdedores na abertura do Jogo em Macau. Para disputar o terreno a Sun City é necessário partir para outro patamar, com o conforto, inclusive, de saber que a indústria do jogo nas imediações é muito rudimentar. Tanto na Maurícia, como nas Comores, nas Seychelles, no Lesotho ou mesmo no Hilton de Antananarivo, os casinos são meros complementos, amenities, e não um negócio em si. No modelo desenvolvido desta indústria a lógica é precisamente a inversa. O core business é o jogo.

É verdade que em Moçambique sobejam problemas e poderá parecer ofensivo apostar em Jogos de Fortuna ou Azar- aquele que é o seu descritivo técnico. Mas não é menos verdade que há muito os governos jogam com a paciência e as legítimas expectativas da população. Diria melhor, a parte Azar está amplamente saciada. Eis a Fortuna fácil. De moral duvidosa?

Pois, estava Cristo pregado na cruz e os soldados romanos como matavam o turno de guarda? Jogavam aos dados.

Além disso, este sector de actividade consome grandes contingentes de trabalhadores, notadamente, na segurança e vigilância. Uma óptima oportunidade para bufos desempregados, ex-quadros da SNASP e filhos da puta de diversa proveniência.

Portanto, é preciso aproveitar em todas as latitudes estas pequenas oportunidades, enquanto as alterações climáticas não lixam o grande recurso da Pérola do Índico. Um dia destes os frangos começam a nascer assados, então, sim, será tempo para alarme e para o senhor Al Gore.


JSP