Ao contrário de muitos tenho o António Guterres por homem sério. O mesmo não se pode dizer de outros, laicos e facilitadores directos da venalidade, imbuídos de um pragmatismo que só vê “resortes” e coloca amigalhaços em postos estratégicos. O país está tão habituado a isso que todos estranham que se seja sério, que não se saia de um cargo governativo para o conselho de administração de uma empresa e que se continue dedicado a uma causa, a causas.
Mas respeitar o homem não é gostar do estilo. A obrigação do alto-comissário para os refugiados e as migrações não é fazer avisos à navegação com a certeza do desastre previamente consabida. Será necessário e mais ainda em nome de Cristo, ir longe, radicalizar as posições para que se entenda que não se trata de provocar rebates de consciência nos fartos, mas sim de um profundo problema de organização estruturada de fome e morticínio que o actual governo do mundo promove. Porque há um governo mundial que desordenou o mundo mais do que ele era e porque há uma economia do mundo que provoca diariamente mais fome, mais carência alimentar, menos possibilidade de aceder aos bens alimentares essenciais. O que é que se chama a isto? Homicídio premeditado em larga escala precisamente daqueles que, vítimas do descontrole global, não têm direitos nem lei nenhuma protege.
O mundo de cá é um condomínio fechado onde supostamente há lei e leis, lá onde o tsunami dos preços se desencadeia é planeta perdido. Vemo-los amontoados em campos, subnutridos, olhos esbugalhados de espanto numa acusação que se tornou símbolo de incapacidade na acção dos grandes e ainda assim, muitas vezes, um sopro de alegria nos brinquedos de madeira talhados à mão que imitam os plásticos reluzentes, barulhentos e a pilhas dos do lado de cá.
O que se espera do alto-comissário? Um protesto despido de intenções piedosas, uma acusação clara, nomes, países responsáveis, uns mais que outros. Quem promove a escalada dos preços e quem a permite? Quem faz comércio mundial de armamentos? Quem mata em larga escala? Quem fala constantemente de direitos humanos espezinhando-os? Quem não mata a fome aos que morrem famintos? Que poder têm as Nações Unidas e que poderes deveriam ter? Que equilíbrio global é este que traz questões mais graves do ponto de vista alimentar que o período da guerra-fria?
O que é que isto tem a ver com tribunais e casas de banho? Tudo. Lado a lado, com uma relevância idêntica, morte e urinol, mundo e país. Se o ridículo matasse os portugueses já teriam aprendido qualquer coisa acerca de casas de banho. Desde a célebre casa de banho da Cultura, onde ainda hoje umas gaitas sensíveis urinam para saudar a eternidade do mármore – coisa que deu polémica empenhada – até ao assunto desvirtuado, pela confusão que gerou, do acordo ortográfico, continuamos alegremente ao lado das coisas, ao lado da avenida, no beco das cruzes, ansiosos pela próxima ponte, isto é, fim de semana duplo.
Fernando Mora Ramos