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quinta-feira, 5 de junho de 2008

Da Arte.. como metáfora de uma vida imperfeita

Viena 2008
Foto:g.ludovice

"(..) Qualquer grande livro respira este espírito, que escolhe os destinos individuais porque eles não se adaptam às formas que o rebanho lhes quer impor. Isso leva a decisões impossíveis de pôr em prática; a única coisa que se pode fazer é reconstituir as suas vidas. Se extraíres de toda a literatura o seu sentido mais fundo encontrarás uma negação - não completa, mas assente em inúmeros exemplos individuais e derivada da experiência - de todas as regras, de todos os princípios e preceitos sobre os quais repousa a sociedade que venera essa literatura.
Um poema, com o seu mistério, corta ao meio o sentido do mundo suspenso de milhares de palavras comuns, transforma-o num balão que se eleva e se perde nos ares. Se, como é costume, chamarmos a isso beleza, então a beleza será uma rebelião indescritvelmente mais implacável e cruel do que qualquer revolução política. (...)"
Robert Musil, in: O homem sem qualidades V.I, Trad. J.Barrento

Num certo diálogo entre Clarisse e Ulrich, Musil põe ao de cima aquela já ideia aristotélica de que a Tragédia Grega é catártica e terá um pendor positivo na vida humana neste sentido, ao contrário de Platão que condena a poesia e a arte em geral como sendo a pálida cópia da já cópia do que entendia ser a verdadeira realidade, ou Freud da sua Viena, a trazer à arte legitimidade, enquanto sublimação daqueles actos que não seriam impunes socialmente.
Há a desconfiguração antecipada do ideal, a saudade de um outro estado que nunca houve, quando há arte?

domingo, 25 de maio de 2008

Da História..

Viena 2008
Foto:g.ludovice

“ (...) O caminho da história não é o de uma bola de bilhar que, uma vez jogada, percorre uma determinada trajectória; assemelha-se antes ao caminho das nuvens, ou ao de um vagabundo a deambular pelas vielas, que se distrai a observar aqui uma sombra, ali um magote de gente, mais adiante o recorte curioso das fachadas, até que por fim chega a um ponto que não conhece e por onde nem tencionava passar.
Há no decurso da história universal um certo erro de percurso.
O presente é sempre como a última casa de uma cidade, que de certo modo já não faz bem parte do casario dessa cidade. Cada geração pergunta com espanto: Quem sou eu e quem foram os meus antepassados? Devia antes perguntar: Onde estou?, e partir do princípio de que os seus antepassados não eram diferentes, apenas estavam num lugar diferente. Se assim fosse, já teríamos feito alguns progressos- pensava. (...)”

in: O homem sem qualidades, Robert Musil
Trad J.Barrento, D.Quixote

domingo, 18 de maio de 2008

Da Alma..

"(...) À frente, o rosto e as mãos olham a partir dela, as sensações e aspirações passam diante dela, e ninguém duvida que aquilo que se faz nesse espaço é razoável, ou pelo menos possuído de paixão. Ou seja, as circunstâncias exteriores pedem-nos para agir de uma maneira que qualquer um pode compreender; e quando nós, enredados nas paixões fazemos coisas incompreensíveis, também isso está, à sua maneira certo. Mas por mais perfeito, compreensível e acabado que tudo pareça ser, é sempre acompanhado pelo sentimento obscuro de se tratar apenas de uma metade. Falta qualquer coisa nesse equilíbrio e o homem avança para não vacilar, como na corda bamba. E ao avançar na vida e deixar atrás de si o que viveu, o que está por viver e o já vivido formam uma parede, e o seu caminho assemelha-se então ao do caruncho na madeira, que pode furar ou recuar, mas deixa sempre um espaço vazio atrás de si. E é nesta terrível sensação de um espaço cego e amputado atrás de todo o espaço cheio, nesta metade sempre em falta mesmo quando tudo é já uma totalidade, que podemos entrever aquilo a que se chama alma.(...)"
Robert Musil (Escritor Austríaco)
in: "O homem sem qualidades I"

Viena 2008
Foto:g.ludovice