Viena 2008Foto:g.ludovice
"(..) Qualquer grande livro respira este espírito, que escolhe os destinos individuais porque eles não se adaptam às formas que o rebanho lhes quer impor. Isso leva a decisões impossíveis de pôr em prática; a única coisa que se pode fazer é reconstituir as suas vidas. Se extraíres de toda a literatura o seu sentido mais fundo encontrarás uma negação - não completa, mas assente em inúmeros exemplos individuais e derivada da experiência - de todas as regras, de todos os princípios e preceitos sobre os quais repousa a sociedade que venera essa literatura.
Um poema, com o seu mistério, corta ao meio o sentido do mundo suspenso de milhares de palavras comuns, transforma-o num balão que se eleva e se perde nos ares. Se, como é costume, chamarmos a isso beleza, então a beleza será uma rebelião indescritvelmente mais implacável e cruel do que qualquer revolução política. (...)"
Robert Musil, in: O homem sem qualidades V.I, Trad. J.BarrentoNum certo diálogo entre Clarisse e Ulrich, Musil põe ao de cima aquela já ideia aristotélica de que a Tragédia Grega é catártica e terá um pendor positivo na vida humana neste sentido, ao contrário de Platão que condena a poesia e a arte em geral como sendo a pálida cópia da já cópia do que entendia ser a verdadeira realidade, ou Freud da sua Viena, a trazer à arte legitimidade, enquanto sublimação daqueles actos que não seriam impunes socialmente.
Há a desconfiguração antecipada do ideal, a saudade de um outro estado que nunca houve, quando há arte?
2 comentários:
ao contrário de Platão que condena a poesia e a arte em geral como sendo a pálida cópia da já cópia do que entendia ser a verdadeira realidade
o que o Platão percebeu, radicalmente, ao contrário de Aristóteles, que era um copinho de leite, é que algo de irremediável falta sempre, e o que falta nem a arte o poderá preencher. Platão é uma tragédia, Aristóteles é um drama do boudoir.
Ou seja, nem tudo o que parece é.
Mas encontraram-se os dois à esquina, e "o copinho de leite" percebeu que o que a arte faz é permitir suportar a falta desse algo, aceitando esse vazio pela sua transfiguração, que por sua vez molda pela mentira, portanto,pelo encanto de quando deslavamos a dor.
E há talvez verdade, nesse encanto.
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