"Dos poemas que gostaram de mim, poemas em cuja criação, através da leitura, participei e continuo a participar como se deles autor também fora, só uns quantos têm aquele carácter de obra acabada, mas nunca encerrada, e aquele cunho de resposta pronta a um apelo urgente que nos levam a dizer- como eu disse uma vez , ao sorridente cepticismo de Melo Neto, a propósito de " O Cão sem Plumas "- que há poemas que não podiam deixar de ter sido feitos, ao passo que outros podiam tê-lo sido ou não.
"Não estão em nada envolvidas, aqui, destreza técnica e perfeição de fabrico, que só caso a caso – a partir de um certo nível de qualidade, evidentemente – acabados que foram, há muito, os poetas canónicos, se pode saber o que sejam. Dos poemas a que aludo, alguns são( ou parecem) canhestros, à face de critérios de mera eficácia de comunicação. ( E como se poderá legislar, em poesia, sobre a eficácia da comunicação?).
"Todavia, o carácter de absoluta necessidade que revestem faz deles poemas únicos nas obras dos poetas que os criaram. Ao acaso, penso na " Recordação da noite de 4 de Agosto ", de Vítor Hugo; penso no " Buffalo Bill", de Cummings; no " Animal Olhar ", de Ramos Rosa; no " Cemitério Marítimo ", de Valéry; no " Romance da Guarda Civil ", de Lorca; na " Liberdade ", de Paul Éluard; no " Mataram a Tuna ", de Manuel da Fonseca; na " Primeira Elegia de Duíno ", de Rilke; no " Cristalizações", de Cesário ; no soneto de Cecco Angiolieri que aparece nas antologias sob o título de " Niilismo"; no já citado " O Cão sem Plumas ", de Melo Neto; no poema " treni I treni", do concretista carlo Relloli; no poema concretista " Snow is…" de Eugen Gomringer.
"Em " Os gaúchos", de J.Luís Borges; em quase todo o Rimbaud; em boa parte do Verlaine; no poema " Olinda e Alzira ", de Bocage; em " Os Doze ", de Alexandre Blok; em " A carroça Vermelha", de W.C. Williams; em " O sol é grande…", de Sá de Miranda; em " A flauta de Vértebras ", de Maiakovski; em " Um fantasma de Nuvens ", de Apollinaire; em " Dora Markus", de Montale; em certos epitáfios da Antologia Palatina; em muitos dos poemas de Brecht; em Lamentação para um Orgão da Nova Barbaria", de Aragon; no poema " De Infância ", de Géo Norge; na " Balada dos Enforcados ", de Villon; no soneto " A uma caveira ", de Lope de Vega.
"Em " A Caça ao Snark ", de Caroll; em " O Pastor Morto ", de Nemésio; em " As elegias de Bierville", do catalão Carlos Riba; em" Na Estrada de San Romano ", de Breton; na " Maçã", de Manuel da Bandeira; na " Canção de Amor de Alfred Prufrock",do Eliotna cantiga do amigo de Mendinho" Estava eu na ermida de S. Simeão", no " canto sobre mim próprio ", de Whitman; na " Europa ", de Casais Monteiro; em " Sacos e Caixas " , de Sandburg; no " Propos ", de Alain, que é um perfeito poema, intitulado " O molhe de Dieppe"; em " Eu não sou ninguém! Tu quem és? ", de Emily Dickinson; no" Assassinato de Simonetta Vespucci", da Sofia; na" Elegia do Amor ", de Teixeira de Pascoaes; em " O bailador de Fandango ", de Pedro H. Melo; no " Proto-poema da Serra de Arga", de António Pedro; nos " ai-curtos ", do meu caro António Reis; em " A mulher de Luto ", de Gomes Leal; em " Numa Estação de Metro", de Ezra Pound…"
In " Coração Acordeão", de Alexandre O´Neill, edição de " O Independente", Lisboa.
FAR