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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Mistérios das ilhas

O Presidente da República, Cavaco Silva, vetou o estatuto da Região Autónoma dos Açores, e ainda interrompeu o nosso jantar para uma "comunicação ao país" sobre tão decisivo assunto. Após alterações efectuadas na AR, voltou a vetar o documento. Quanto à descarada aldrabice das contas da Região Autónoma da Madeira, e a ver vamos qual o real paradeiro de muitos desses milhões (se lá chegarmos, calma, que estamos em Portugal), ainda nada se ouviu ao sr. Presidente da República, nem se viu qualquer gesto com o dramatismo dos acima mencionados. Porque será que o nosso Cavaco, o supra-partidário, demonstra tão díspar comportamento sobre os problemas das duas regiões autónomas deste Atlântico português?

terça-feira, 22 de junho de 2010

Manifesto de solidariedade com a Porto de Abrigo - Organização de Produtores


Pela defesa da dignidade dos pequenos produtores,
por uma pesca social e ecologicamente sustentável. 

A Porto de Abrigo, uma organização de produtores da pesca polivalente, local e costeira dos Açores, encontra-se hoje em risco de encerramento, devido à possibilidade de esvaziamento operacional em termos actividades que são centrais para a prossecução da sua missão estratégica - a defesa dos interesses dos seus associados e associadas, com base em princípios e práticas cooperativistas, no fomento da responsabilidade colectiva, e através de acções de promoção da auto-regulação dos mercados e da sustentabilidade. Ora, o fim da Porto de Abrigo, enquanto organização de produtores, representaria um enorme retrocesso na defesa da pesca e dos/as pescadores/as nos Açores.

Para conhecer o resto do comunicado da Porto de Abrigo e assinar a petição clique aqui.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

MAR RUBRO


O primeiro livro em prosa de Dias de Melo, Mar Rubro, foi editado precisamente há cinquenta anos. Inaugura o denominado ciclo da baleia, do qual faz parte a mais emblemática obra do autor, Pedras Negras, vinda a público no ano já distante de 1964. Seguir-se-ia, volvida mais de uma década, em 1976, Mar Pela Proa. Não resistimos, porém, a introduzir, neste mesmo ciclo, o volume Vida Vivida em Terras de Baleeiros, de 1983, uma extraordinária monografia historiando a saga da caça ao cachalote na ilha do Pico desde os tempos do lendário capitão Anselmo.
O universo das «crónicas romanceadas» de Mar Rubro, é o sul do Pico, mais concretamente a freguesia da Calheta de Nesquim, terra natal do autor. É por isso que descreve com alguns dos seus melhores textos essa pequena localidade, isolada, como tantas outras, na costa da «ilha negra», sem nada que a notabilizasse, sem especial recurso ou nenhuma glória que não fosse a bravura dos seus homens. «Todavia são belos os seus matos, que, lá no alto, no interior da ilha, se requebram em curvas gráceis de oiteiros e montes, e montanhas, revestidos de verduras, ou se alargam em extensos vales silenciosos, atapetados de amplos relvados, marchetados de compridos renques de cedros e azevinhos e, de onde em onde, purificados pela bênção das águas tranquilas e transparentes de charcos, paúis e lagoas».
As noites de temporal no pequeno povoado, onde em muitas casas as vidraças estavam iluminadas pelas candeias de azeite de baleia, quando o vento parecia rebentar portas e janelas e o mar, na costa, parecia tragar a terra.
E são as longas tardes na casa dos botes escutando as façanhas dos mais velhos: Mestre José Faidoca, a quem o nosso autor chama Mestre dos mestres, pela valentia e pela confiança que incutia aos homens da sua companha nos momentos decisivos; Capitão Medina, que regressara depois de muitos anos emigrado nos Estados Unidos, estabelecido em S. Diego da Califórnia, onde prosperou na pesca do atum, fôra voluntário na Segunda Guerra Mundial e alcançara o posto de Commander da Marinha de Guerra daquele país; João Caçolha, Mestre João Silveira, Mestre João Graxinha, entre muitos outros.
Mas seria sem qualquer dúvida a memória da infância, quando o povo da freguesia despertava subitamente e corria desde as terras mais elevadas, ou das casas térreas, corria pelos carreiros íngremes na pressa de arriar os botes com seus apetrechos, os remos, as celhas, os arpões, reunir os sete homens da cada embarcação, seis remadores, mais o esparrela que à popa segurava o leme, içar as velas, ou, nos tempos mais recentes, esperar que arrancassem os motores da gasolina, para então, apressadamente amarrados, zarparem primeiro que os seus mais directos competidores, os «ribeiras», e os «vilas» das Lajes. «Para que assim acontecesse, bastaria (...) ter ouvido, em dias repetidos, o estalar do foguete no céu azul da minha freguesia e aquele grito vibrante, estranhamente vibrante, repetido por dezenas e dezenas de vozes – baleia! baleia! (...) a imagem, cheia de movimento, dos baleeiros a correrem, a correrem como loucos, de saquinhas de chita e casacos de cotim, frocas de angrim, sueras de lã dependuradas dos braços, a caminho do porto, a caminho do mar.»
Depois de arpoada a baleia, quando havia casa de derreter na Calheta, o esforço brutal, em dias de sol, a rasgar o cetáceo, começando por separar do corpo a grande cabeça, retirar o toicinho, aproveitar o esparmacete, o óleo mais valioso, tudo isto suportando o indiscritível fedor da carne esfacelada desse animal gigantesco. «Jorrava o sangue, quando as baleias eram decepadas e esfoladas, espirravam gorduras, quando as cabeças eram abertas, vazadas, esquartejadas, desventravam-se vísceras, à medida que os escalhos inchavam e apodreciam». Então as águas tingidas de sangue tomavam uma cor avermelhada em redor do pequeno porto, a cor rubra.
Dias de Melo é hoje um autor com obra que se reparte por mais de vinte títulos que incluem a poesia, o conto, a crónica, narrativa de viagem, etnografia. Porém, no seu coração houve sempre um espaço predilecto para os baleeiros do Pico.

Mário Machado Fraião

domingo, 6 de abril de 2008

Sacuntala de Miranda – da coragem cívica à pesquisa histórica


Faleceu no passado dia 30 de Janeiro, Sacuntala de Miranda, Professora universitária, investigadora, cidadã. Num país ocupado pela obsessão acéfala do futebol, consumismo e centros comerciais, o desaparecimento desta prestigiada micaelense nem sequer foi notado.
Após uma estadia em Londres, onde concluiu estudos universitários e participou na famosa “recepção” a Marcelo Caetano, em 1973, que chamou a atenção do mundo para a guerra colonial, regressa a Portugal para defender o doutoramento. Da sua passagem pela Inglaterra, refira-se ainda que, no decorrer das suas investigações, contactou com o reconhecido historiador Eric Hobsbawm e com o dirigente trabalhista Tony Benn. Iniciaria depois de 1974 uma carreira académica onde se evidenciou na orientação do mestrado em História Contemporânea da Universidade Nova. Colaborou em diversas publicações da sua área de investigação, sendo, quanto a nós, esclarecedor salientar a sua participação nos volumes XI e XII da Nova História de Portugal, com direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Presença, 1992.
Quanto aos estudos que incidem na sua terra natal deixou-nos três interessantes livros: O Ciclo da Laranja e os “gentlemen farmers” da Ilha de S. Miguel – 1780-1880, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1989; Quando os Sinos Tocavam a Rebate, Salamandra, 1996; A Emigração Portuguesa e o Atlântico, 1870-1930, Salamandra, 1999. E ainda um número especial da revista Ler História, “Açores: peças para um mosaico”, publicado em 1996, o qual beneficia da contribuição de diversos investigadores da realidade insular, iniciativa da nossa autora.
Em O Ciclo da Laranja Sacuntala de Miranda proporciona aos leitores o conhecimento dessa época de abundância que na ilha de S. Miguel se prolongou desde a segunda metade do século XVIII até às últimas décadas de Novecentos, quando as pragas desse tempo, o “coccus” e a “lágrima”, liquidaram a espantosa produção. Vários factores contribuem para a cultura e exportação da laranja: a pujança do mercado britânico numa fase de expansão económica, o dinamismo de uma classe de proprietários e comerciantes micaelenses, a fertilidade do solo, a mão-de-obra barata. O lucro e a abastança desta intensa actividade gerou as fortunas, os títulos e os palacetes dos grandes proprietários, mas beneficiou também os camponeses pobres. E enquanto os navios eram carregados de citrinos para os portos da Grã-Bretanha, alguns fundaram, em 1843, a Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, a qual iria promover o desbravamento das terras incultas, contactar associações estrangeiras, ou divulgar, através do seu orgão, O Agricultor Micaelense, as espécies de plantas que poderiam adaptar-se ao fecundo chão da ilha. Surgem os esplêndidos jardins de S. Miguel, alguns ostentando o nome do fundador. Um dos mais proeminentes elementos da S. P. A. M., José do Canto, irá propor a criação de um imposto sobre a laranja exportada para custear as obras de construção do porto artificial de Ponta Delgada, as quais, no entanto, só terão início em 1862.
No livro, Quando os Sinos Tocavam a Rebate, a autora ocupa-se das tensões sociais que tiveram lugar no Verão de 1869, em diversos concelhos de S. Miguel. Estes “motins de Antigo Regime”, evidenciam as dificuldades que enfrentava a população camponesa da ilha quando já se faziam sentir os efeitos do abrandamento da portentosa época da laranja. Neste caso, o motivo principal dos “alevantes” é a escassez do milho, base alimentar dos trabalhadores rurais. Após a colheita, o milho era muitas vezes açambarcado pelos grandes proprietários e comerciantes, esperando altura de melhores preços a fim de o exportar para outros mercados. Ao mesmo tempo, as alterações que o liberalismo introduziu, como a extinção das ordens religiosas, a abolição dos dízimos, o pagamento dos impostos em dinheiro, as novas medidas que substituem os padrões tradicionais utilizados no comércio, se por um lado reduzem o poder e as influências dos grandes, ou aniquilam a força do clero, provocam grande instabilidade entre a população mais pobre. Por outro lado, a incompreensão dessas alterações por parte de uma população analfabeta gera desconfiança nas autoridades. Na Ribeira Grande os sinos tocaram a rebate e a multidão «armada de foices, machados, martelos e facas, em grande agitação e vociferando contra os impostos,» invade os Paços do Concelho e todas as suas repartições, parte a mobília que lança pelas janelas, assim como pedaços dos livros de matrizes da Fazenda Pública. A intervenção do Governador Civil, que obriga os grandes proprietários a abastecerem o mercado local, e algumas “sopas” oferecidas pelas Misericórdias, trouxeram de novo a paz à “Ilha Verde”, para que tudo ficasse na mesma.
Numa linha de continuidade, surge o título A Emigração Portuguesa e o Atlântico, obra que as grandes causas da diáspora dos ilhéus: a crise da produção laranja e o desemprego; a abolição do tráfico de escravos, em 1851, e da escravatura, em 1880, aumentando a necessidade de mão-de-obra para a cultura do café; o vapor e o desenvolvimento das companhias de navegação transatlânticas que se dirigiam para o Brasil, primeiro destino dos emigrantes insulares, que mais tarde haviam de encaminhar-se para o Hawai e para os Estados Unidos. Como pano de fundo, o regime de grande propriedade, consequência inevitável da pobreza. Escrevia o jornal O Norte, no dia 10 de Maio de 1892: «Pouco aqui tinham; alguns nem uma palhota possuem, tudo vendem. O produto quase nunca chega para o pagamento de passagens e passaportes. (...) Quase todos embarcam descalços, mal vestidos e sem real na algibeira.» A odisseia da emigração como parte integrante do trabalho duma investigadora açoriana.

Mário Machado Fraião