Os 40 anos da efeméride exaltante de Maio 68 prometem um dilúvio de teses e de cerimónias evocativas. O Le Monde, o jornal de centro-esquerda francês mais conhecido no Mundo, resolveu dar à estampa um número Especial sobre o tema. Sob a batuta do sociólogo Jean Birnbaum, optou por entrevistar António Negri, um dos mais conhecidos filósofos e altermundialistas da mouvance italiana.
Negri anuncia na sua residência de Veneza, que quer compor uma Autobiografia para ser publicada até ao final do ano.
O “maestro cattivo”, o cúmplice de Deleuze e Guattari, traça as diferenças essenciais entre o Maio 68 francês e o italiano. A experiência italiana começou nas fábricas e repercutiu-se nas Universidades. A insurreição tricolor começou em Nanterre-Universidade, se bem que Debord e os seus muxaxos tenham andado a espevitar a coisa uns anos antes por Estrasburgo, Lille e Toulouse.
“Sim, Maio 68, foi o fim do velho movimento operário. A reconstrução terminou e assiste-se a uma formidável mutação dos assalariados. Em Maio 68 nasce um movimento que procura reinventar o comunismo de outra forma. Depois disso, o capitalismo soube-se organizar. Helàs, ao contrário do movimento operário”, afirma Negri.
Birnbaum questiona-o se o conceito de “multitude”- massa, classe e outras coisas mais - nasceu em Maio 68. Negri atira: “ O operário indistinto cede o seu lugar ao trabalhador social. Na linguagem marxista, fala-se de produção para as mercadorias e de reprodução para a vida. Melhor seria realizar o inverso: dizer produção quando se fala da vida e reprodução quando diz respeito às mercadorias. É esta mutação que é fundamental em Maio 68“.
“Afirmar que a produção é cada vez mais “ imaterial”, é sublinhar que em realidade ela se torna cada vez mais vital, e que o elemento corporal se revela decisivo. 68, é a revolução dos corpos, uma reivindicação de libertinagem que passa pela libertação do desejo“, reitera.
Negri elabora um terrível requisitório contra a Esquerda tradicional: “O socialismo real é incapaz de compreender isso: não é mais possível organizar a produção e as pessoas de maneira vertical e hierarquizada. Passámos da hierarquia às redes! Em Maio 68, isso foi claro, nós tínhamos assimilado essa mutação, de um ponto de vista teórico. Mas perdemos sobre o terreno político."
“Como diz a anedota, os verdadeiros marxistas estão em Wall Street. A esquerda não conseguiu compreender esta mutação. Ela abordou-a, tão-só, sob o aspecto negativo, da forma: o comunismo acabou. Existe uma grande crise da Esquerda, hoje. Não é somente devido ao facto de não ter compreendido a nova base material da nossa sociedade. Mas também isso se prende com o facto de não ter sabido mudar, de não ter conseguido reorganizar-se, acabar com a velha forma do partido bolchevique, um modo de funcionamento que não se adaptará nunca mais ao processo de trabalho actual, isto é, intelectual e baseado em redes “. E conclui: “ Mas o pior erro da esquerda, é de não compreender a fraqueza do capitalismo, que é agora obrigado a apoiar-se num tipo de pessoas como Bush, Berlusconi ou Sarkozy. O sistema está terrivelmente fragilizado, porque o capitalismo financeiro é uma forma absurda de dominação: eis, o que a Esquerda não percebeu“.
FAR