Mostrar mensagens com a etiqueta História. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta História. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Conferência por Stephen Greenblatt: Cultural Mobility: The Strange Travels of Shakespeare's Cardenio


21 de Abril, às 18 horas, no Auditório 1 da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Av. de Berna


Stephen Greenblatt introduziu em 1982 o conceito de New Historicism, e continuou a ser uma figura chave na viragem dos estudos literários para a “poética cultural”, da interpretação textual para a contextual: não no sentido de a arte “espelhar” a sociedade, mas numa reflexão, inspirada por Foucault, sobre “o processo pelo qual algumas obras notáveis estão ao mesmo tempo mergulhadas num mundo da vida altamente específico e parecem erguer-se dele com liberdade”. São notáveis os seus estudos sobre o Renascimento, em especial sobre Shakespeare: a sua biografia do poeta inglês esteve nove semanas na lista de Best Sellers do New York Times, em 2004.

Professor na Universidade de Harvard, os estudantes batalham por conseguir um lugar nas suas aulas. Tem também ensinado em universidades como as de Berlim, Florença, Oxford, Kyoto e Pequim. Vem a Portugal integrado no curso de doutoramento em Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

A sua conferência relaciona-se com os estudos sobre mobilidade (de pessoas, de ideias, entre centro e periferia, entre fé e cepticismo, ordem e caos, exterioridade e interioridade, numa tensão entre enraizamento e mobilidade, que uns vêm com avidez, outras com medo). Vai dar exemplos a partir da peça que em 2008 estreou, Cardenio. Cardenio é uma personagem do capítulo 24 de Dom Quixote, publicado em 1605 e traduzido para o idioma inglês em 1612. Em 1613 há registo da estreia da peça Cardenio, assinada por Shakespeare e pelo seu jovem assistente John Fletcher. No mesmo ano há um incêndio no Globe Theatre. O manuscrito é dado como perdido, mas no século XVIII Theobald Lewis afirma tê-lo em mãos e adapta-o no espetáculo Double Falsehood. Diz ter entregue o original à biblioteca do Covent Garden Theatre… que um incêndio veio a destruir. Greenblatt, sempre interessado nas reciclagens de material cultural como Shakespeare e o Renascimento tanto fizeram, em conjunto com o dramaturgo norte-americano Charles Mee reescreveu Cardenio, a partir de uma triangulação entre o original de Quixote, a adaptação de Lewis e elementos recorrentes na dramaturgia de Shakespeare.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Benjamin (2)


O conformismo, que sempre esteve no seu elemento na social-democracia, não condiciona apenas as suas tácticas políticas, mas também as suas ideias económicas. É uma das causas do seu colapso posterior. Nada foi mais corruptor para a classe operária alemã que a opinião de que ela nadava com a corrente. O desenvolvimento técnico era visto como o declive da corrente, na qual ela supunha estar nadando. Daí só havia um passo para crer que o trabalho industrial, que aparecia sob os traços do progresso técnico, representava uma grande conquista política. A antiga moral protestante do trabalho, secularizada, festejava uma ressurreição na classe trabalhadora alemã. O Programa de Gotha já continha elementos dessa confusão. Nele, o trabalho é definido como “a fonte de toda riqueza e de toda civilização”. Pressentindo o pior, Marx replicou que o homem que não possui outra propriedade que a sua força de trabalho está condenado a ser “o escravo de outros homens, que se tornaram... proprietários”. Apesar disso, a confusão continuou a propagar-se, e pouco depois Josef Dietzgen anunciava: “O trabalho é o Redentor dos tempos modernos... No aperfeiçoamento... do trabalho reside a riqueza, que agora pode realizar o que não foi realizado por nenhum salvador”. Esse conceito de trabalho, típico do marxismo vulgar, não examina a questão de como os seus produtos podem beneficiar trabalhadores que deles não dispõem. O seu interesse dirige-se apenas aos progressos na dominação da natureza, e não aos retrocessos na organização da sociedade. Já estão visíveis, nessa concepção, os traços tecnocráticos que mais tarde vão aflorar no fascismo. Entre eles, figura uma concepção da natureza que contrasta sinistramente com as utopias socialistas anteriores a março de 1848. O trabalho, como agora compreendido, visa uma exploração da natureza, comparada, com ingénua complacência, à exploração do proletariado. Ao lado dessa concepção positivista, as fantasias de um Fourier, tão ridicularizadas, revelam-se surpreendentemente razoáveis. Segundo Fourier, o trabalho social bem organizado teria entre os seus efeitos que quatro luas iluminariam a noite, que o gelo se retiraria dos pólos, que a água marinha deixaria de ser salgada e que os animais predatórios entrariam ao serviço do homem. Essas fantasias ilustram um tipo de trabalho que, longe de explorar a natureza, liberta as criações que dormem, como virtualidades, no seu ventre. Ao conceito corrompido de trabalho corresponde o conceito complementar de uma natureza, que segundo Dietzgen, “está ali, grátis”.

Walter Benjamin
, in Sobre o Conceito de História, 1940

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Benjamin (1)


Fustel de Coulanges recomenda ao historiador interessado em ressuscitar uma época que esqueça tudo o que sabe sobre fases posteriores da história. Impossível caracterizar melhor o método com o qual rompeu o materialismo histórico. Esse método é o da empatia. Sua origem é a inércia do coração, a acedia, que desespera de apropriar-se da verdadeira imagem histórica, em seu relampejar fugaz. Para os teólogos medievais, a acedia era o primeiro fundamento da tristeza. Flaubert, que a conhecia, escreveu: “Peu de gens devineront combien il a fallu être triste pour ressusciter Carthage”. A natureza dessa tristeza se tomará mais clara se nos perguntarmos com quem o investigador historicista estabelece uma relação de empatia. A resposta é inequívoca: com o vencedor. Ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes. A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso diz tudo para o materialista histórico. Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O materialista histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes génios que os criaram, como à corvéia anónima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.

Walter Benjamin
, in Sobre o Conceito de História (1940)