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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Correio interno

(e-mail enviado ao Maturino Galvão):

Caríssimo:

A série de desenhos que me enviaste já foi toda publicada, com excepção de um, que achei que ficava já um bocado desactualizado devido ao tempo que vai passando. Aguardo então por mais, para quando puderes, claro. Agora que o único e exclusivo culpado por este estado de coisas, o Duarte Lima, vai passar uns tempos atrás das grades para motivos de catarse nacional, espera-se um rápido retorno à prosperidade deste nosso jardim. Sem qualquer dúvida que este será o mote para a implementação neste país de uma justa distribuição da riqueza, através de um sistema fiscal decente, de uma justiça rápida, eficaz e independente dos interesses, de reformas dignas, de salários ao nível da nossa utopia Europa. Vamos, aliás, e como sabes melhor que ninguém, recuperar o nosso papel histórico de farol da Europa, concretização do querido Quinto Império em modo pastiche. Mas apesar disto tudo, continuarás a ter matéria de sobra para os "Sinais", confio.

Um abraço

terça-feira, 27 de setembro de 2011

(Mais) correio interno


André,

            “Há 20% de pessoas que votam nos anarquistas que são mesmo anarquistas. Não são como os nossos.  Temos esses esquerdóides, coitados, a gente dá-lhes um copo e eles ficam contentes. Não! Os anarquistas gregos são me’mo anarquistas”, nesta rasante, até ao miolo, diferenciação entre portugueses e gregos, o gabaritado economista, João César das Neves, delineou o mapa cor-de-rosa do comportamento contestatário dos próximos anos. Algumas manifestações – esses gigantescos divãs de psicanalista, onde o povo transfere, para a atmosfera, os nós da sua alma e vai dormir, quase curado –, porque são festas populares que queimam muita energia e dinamizam o envolvente comércio da mini e das sandes, e do refrigerante para as senhoras. Greves, poucas, pois prejudicam a economia e, além disso, os funcionários públicos serão cada vez menos e poucos restarão para fazer greves. De um maneira geral, os portugueses têm a noção de que nada conseguirão com manifestações e greves. Fazem-se por tradição. E porque há partidos mantenedores essa tradição e, mesmo fora desse circuito, em sectores da sociedade mais updated – os célebres utilizadores de redes sociais – usam-nas, para convocar a… manifestação: festa, cartazes, irreverência, bejecas, garrafas de whisky, ganzas, e descarregamento (download) de energia, e carregamento (upload) de História para contar aos netos através de fotos no Flickr.
            As redes sociais serão mais úteis na informação do que na manifestação. Quando o cidadão está a ser atacado pelo Estado, que lhe reclama cada vez mais parte de leão do seu rendimento, justificando-se numa enorme dívida para pagar, a questão principal é mesmo o vil metal. E o cidadão – reduzido a contribuinte – tem que exigir informação sobre dinheiros. Querem privatizar a RTP? Tudo bem! Então qual é o bolo da taxa de tv cobrada e como é ela fatiada pelos vários canais e rádios da empresa? Quanto ganham dirigentes e funcionários? Quantos são? E por que razão subirá a taxa depois de privatizado um canal? E a exigência fundamental de toda a informação sobre os felizardos que comprarão o canal. Dívida da Madeira? Tudo bem! Então que seja explicado euro a euro o seu montante, não basta atirar números, isso é atirar poeira no buraco, “buraquinho”, segundo Alberto João, não diz nada. E as empresas envolvidas? Nome dos gestores, vencimentos, relações familiares e filiação partidária, etc.
              As redes sociais têm essa utilidade: de permitir colocar as perguntas certas aos gestores do Estado. A boa gestão das sociedades atuais já não é uma questão de políticos, mas de povo organizado, isto é, informado, como contribuinte, eleitor, consumidor e todos os outros papéis que lhe permitam representar. No entanto, as redes sociais têm um grande inconveniente. Termina o anonimato. Nas manifestações, ainda se pode encobrir a cara e, talvez, talvez, não haja reconhecimento. Na Internet, o IP é a cara do utilizador. O cidadão terá que se responsabilizar pelos seus atos. Se for para o Facebook de Cavaco clicar “curtir” à parva ou comentar sem decoro, poderá receber uma visita das secretas.

            Um abraço,
            Maturino Galvão

sábado, 24 de setembro de 2011

Correio interno

André,


            “Aqui onde a terra se acaba e o mar começa”, um mar de gente, gente com dívida lá dentro, e o fórceps certo para de suas emprenhadas profundezas a arrancar: o Governo certo, na governação certa. Povo pobre tem de pagar as suas contas, não vale a pena chorar sobre crédito derramado: ó aqueles malditos empréstimos nos anos 90 para Bimbys e férias em Ibiza voltaram para nos atormentar. Não sendo ricos fez-se vida de rico, povo e Governos folgaram, as estradas alcatroaram-se, as casas eletrificaram-se, as sanitas migraram indoors. E agora os verdadeiros ricos não estão dispostos a financiar quem, numa economia anémica, não poupou e gastou, nem papam a desculpa da pressão da sociedade de consumo, nem o facto de terem enriquecido com o esbanjamento dos consumidores, ávidos por rolhas e promoções de Skip e, para complicar também não se pode saquear a casa de Bragança para pagar as contas. (D. João II, nas lonas, ordenou a decapitação do 3º duque de Bragança, D. Fernando, na praça do Giraldo, em Évora, para lhe rapinar, para a casa real, a sua imensa fortuna, por exemplo. Mas também, em 1640, os conjurados propõem o trono ao duque de Bragança, o futuro D. João IV, por ser o único no país com cabedais suficientes para suportar uma guerra contra Castela).
Se Paris valia uma missa, escrevia Norman Mailer, Lisboa, como centro de poder, vale várias novenas. O Governo de Sócrates não foi um caso político, mas um espantoso fenómeno sociológico, para teses universitárias, que se deem ao trabalho de contar quantas notícias negativas foram publicadas no seu mandato e qual o seu efeito na mente coletiva. E vem provar, pela forma como os autodenominados mais espertos e intelectuais aparvalharam, que em Portugal, opinião publicada e opinião pública são idênticas, não há opinião pública sem ser opinião publicada. Em 2008, a “crise” atraca na Europa, os Bancos europeus estão falidos, em Portugal, orgulham-se os nossos banqueiros de que são exímios gestores de ponta e que estão à frente de instituições sólidas. Os nossos Bancos não são contaminados pela “crise”, ó Nossa Senhora estava do nosso lado e ainda tínhamos o cabelo de Fábio Coentrão. Que povo bafejado! Em 2009 os fortes Bancos portugueses vão à falência, os banqueiros, de mão estendida pelos mercados, ninguém lhes empresta uma moedinha, e gozam-lhes com o corte do fato e os modelos dos carros e citavam-lhes o “Auto do escudeiro”: “Ò diabo que t'eu dou / que tão má cabeça tens / não tem mais de dois vinténs / que lhe hoje o cura emprestou”. Voltam-se para o poder político, afinal ele está lá para os servir, visto que eles também o servem, sacrificando-se na compra de dívida pública a juros estapafúrdios.
Na altura Portugal pululava de pastorinhos de Oh!bama. Muitos o viram em cima de uma azinheira, e de mãos postas ao céu, rezavam: ó meu Deus que se faz História! É a segunda vinda do Salvador! E Sócrates era um desses pastorinhos, como político europeu, sonha em americano. E perante a “crise” imitou Oh!bama: lançou dinheiro sobre a economia: aval do Estado para os Bancos, vamos fazer bricolage nas escolas e nas estradas, apoiar os desempregados, obras públicas is the solution, que se lixe o défice, não é altura de pensar em défices, a economia precisa do Estado e o Estado responde: quanto é? Só que Portugal não é a América, não tem dinheiro para lançar sobre a economia, e a conta, (mais muitas outras no fundo das gavetas), está aí para pagar e foi distribuída equitativamente pelos contribuintes.

Um abraço,

Maturino Galvão

quinta-feira, 21 de abril de 2011

As quatro burlas

Em Portugal, um dos países do "mundo ocidental" em que os ricos menos contribuem para as despesas do Estado, um banco com nula vocação para depósitos ou empréstimos, e toda para avultados investimentos de alto risco efectuados por detentores de grandes fortunas à procura da multiplicação fácil do seu capital, chamado BPN, entrou em pré-falência devido ao crash de um sistema financeiro global assente num "esquema de Ponzi" (primeira burla). Alertado pelas sumidades do sistema bancário nacional, que nem por isso estavam menos envolvidas no esquema de Ponzi, para o risco de "contágio do sistema bancário", o governo investiu milhões e milhões de euros do erário público para salvar o referido banco, e assim também os tais investidores, que no final do processo não tiveram risco nenhum no investimento, já que os seus prejuízos foram assegurados pelo Estado, isto é, pelo conjunto dos cidadãos, "todos em geral e ninguém em particular" (segunda burla). Isto provoca a entrada do país em recessão técnica; aproveitando-se deste facto, agências de notação financeira directamente ligadas a grandes grupos de investimento vão aumentando o risco da dívida do país, o que origina que os empréstimos dos tais grandes grupos de investimento, a que estão directamente ligadas, sejam efectuados a juros cada vez mais altos, ou seja, com cada vez maior lucro (terceira burla). No final deste processo, incapaz de cumprir com os seus compromissos, Portugal "pede ajuda" ao FMI, "ajuda" essa que consiste em novos empréstimos, efectuados contra a garantia do "emagrecimento" das despesas do Estado, ou seja, de que o dinheiro dos contribuintes portugueses, em lugar de servir para as despesas do Estado português (como saúde, educação, transportes, infra-estruturas, investimento, etc.), sirva para pagar os empréstimos aos grandes investidores, e agora, ao FMI (quarta, e decisiva, burla). No passo, as mesmas sumidades do sistema bancário que foram salvas pelo Estado português, assim provocando a recessão e o empobrecimento dos cidadãos portugueses, declaram que os seus bancos "não ajudarão mais o Estado", esquecendo-se de mencionar que essa "ajuda" consistiu apenas em empréstimos a um juro relativamente mais baixo que o dos mercados internacionais, mas substancialmente mais alto que o do BCE, a quem esses bancos pedem emprestado. Isto apesar de a operação de resgate do BPN e do restante sistema bancário não ter sido efectuada através de nenhum empréstimo, mas apenas da injecção pura e simples de dinheiro, e da "nacionalização dos prejuízos". Perante isto, recusar pagar a dívida pública não é nenhum "calote"; pelo contrário, trata-se não só de uma medida essencial para a recuperação económica, e acima de tudo para a manutenção da soberania nacional, como também algo da mais elementar justiça.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Correio interno

André,
O galeão de Manila, desta vez desviado de Sevilha ou Cádis, para as costas portuguesas, traz prata, e riquezas mais que o chinês do Futre. É terça-feira a data de chegada. Na Portela – o Cais das Colunas do século XXI, onde as grandes figuras de Isabel II de Inglaterra ou Gungunhana aportaram – terça-feira, com idêntico fausto, no atual aeroporto substituto de Alcochete, desembarca o FMI. E desta vez vem como diretor de campanha dos Partidos. Os programas, para a combativa campanha eleitoral, que se deduz, serão escritos num hotel de luxo e em inglês. Que se traduzirão para português em sólidas promessas eleitorais: “vamos baixar as pensões e os salários”, noutro Partido prometem mais, com responsabilidade: “assim não ganhamos a confiança dos mercados! pois, nós, cortaremos o 13º e o 14º meses”, mas a responsabilidade fala mais alto ainda: “ah! ele é isso? pois nós, para além disso tudo, cortaremos um mês, passarão a receber apenas 11 meses por ano”.
E, ao terceiro desembarque em Lisboa, não só crescimento económico trará o FMI na bagagem, também consolidará as promessas eleitorais. Serão sólidas promessas porque, pela primeira vez na História, serão cumpridas. Dentro de 4 anos, no fim da legislatura, os portugueses não chorarão enganados, nem lamentarão pelos “150 mil postos de trabalho”.
Portugal, quando a crise finalmente chegar, no longínquo 2013 ou 14, não enveredará pela posição islandesa de “não pago! chamem a Polícia”, porque os nossos visionários líderes sabem que não é a Polícia que se chama nestes casos mas a Democracia. Enquanto os islandeses votarão referendo atrás de referendo até ao resultado certo, os portugueses esbofarão pela mesma miséria das monjas do Lorvão, mas com final feliz. Sobre as quais escreveu Alexandre Herculano: “entretanto, se eu falasse com eles, dar-lhes-ia um conselho, talvez o ouvissem, era de enviarem aqui sessenta soldados. Formavam as monjas do Lorvão, em linha, no adro da igreja, e mandavam-lhe três descargas cerradas. Desaparecia, a troco de poucos arráteis de pólvora, um grande escândalo e resolvia-se, afirmativamente, um grande problema ao qual eu nunca achei soluções senão negativas, que é o da utilidade da Força Armada neste país”.
Quando a crise chegar, virão sessenta peritos, que por poucos arráteis de um programa informático, remendarão a economia. Durmamos descansados que o dinheiro está salvo.
Abraços
Maturino Galvão

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Correio Interno


 André,

            Mais um ano de crescimento português, este 2011. Exportar! parece ser o concordante mote. A classe política dos variados quadrantes ulula: “crescei e exportai!”. E o défice descerá. A riqueza regressará. E o consumo poderá ser, desafogadamente feito, fora da época dos saldos e mais uns fiapos de carne irão à mesa do povo.
2010 excedeu expectativas. O nobre povo “submarinizou-se”, “histórionatou-se”, “PTou-se”, “SCUTou-se”, “PECizou-se”, “papou-se”: – visitaram-no não menos que dois Papas, Bento e Barack – povo que, por uma unha envernizada, não ganhou o Mundial de Futebol. (E ainda houve a mitose de Ronaldo). Este é o povo bafejado. O povo linha da frente. E percebe-se porquê? devotado a Maria, Ela lhe põe a mão por baixo, amparando-o de males e conduzindo-o nas boas acções do mercado do Senhor.
            Deveras, a maneira de ser português, só pode ser milagrosa. Há dias circulavam notícias de que mais um conclusivo estudo concluía que os jovens liceais não sabiam ler, contar, raciocinar, tricotar e outros verbos imprescindíveis à condição bípede. Alevantaram-se vozes concordantes: que era uma vergonha, uns analfabetos, uns burros excluídos do deleite de um Eça de Queirós ou de um Moita Flores, onde é que isto vai parar? no futuro, não compreenderão as traduções do Google Tradutor nos produtos chineses? Mas, o mais interessante, é que ninguém se lembrou: em primeiro lugar, que essa conversa da “burricidade” vem do tempo de Viriato; e segundo, que esses mesmos jovens saem do liceu e, milagre!!!, se tornam gabaritados intelectuais, que escrevem nos jornais, nos blogs, nos livros e revistas, abalizadas opiniões, precisamente, desabafando contra as trovas da burrice que grassa.
            Outro milagre!!! é a História do nosso actual pesar ter começado apenas há 15 anos, parece quererem excluir Cavaco do relógio de cuco do tempo. No tempo dele também não havia dinheiro para se construir o Centro Cultural de Belém, no entanto, construiu-se e derrapou-se à brava, muitos enriqueceram, outros receberam salário, e a economia vivificou. Talvez o professor de economia sabe-tudo aconselhe que gastar é um bom deal, que um TGV, um aeroporto, mais estrada, menos estrada, serão bons benchmarkingspara o povo que, em 2011, terá Presidente e Governo novinhos em folha.

            Um abraço,

Maturino Galvão

sábado, 3 de julho de 2010

Notas sobre o choque e o espanto no Mundial da vuvuzela (5), ou Queiroz e Dunga


A estratégia dos queirozianos é sempre a de desvalorizar os jogadores da selecção. Que já não temos a selecção que tínhamos, que os jogadores são, quase todos, medianos, and so on. Curioso. No onze de Portugal contra a Espanha, e tirando o Eduardo, um guarda-redes de top que ainda não tinha sido descoberto ao mais alto nível, os jogadores que alinharam jogam nos seguintes clubes: Valência, Chelsea, Porto, Benfica, Real Madrid, Porto, Atl. Madrid, Real Madrid, Atl. Madrid e Werder Bremen. Tudo clubes medianos, próprios de jogadores medianos. É verdade que a selecção nacional já foi melhor, e que isso deve preocupar os responsáveis. É também verdade que Queiroz é responsável pela formação da melhor fornada de jogadores portugueses desde os anos 60. Mas a selecção de 2000, com Figo, João Pinto, Rui Costa, Paulo Bento, Paulo Sousa, Couto, Jorge Costa ou Baía também era melhor que a de 2006, e Scolari levou a de 2006 às meias-finais, exactamente o que atingiu a de 2000. Será que não se percebe o erro de casting que foi a contratação deste  treinador? As suas qualidades podiam, e deviam, ter sido aproveitadas como coordenador do edifício do futebol de selecções, como planificador a médio e longo prazo de uma estratégia para os novos jogadores portugueses, que nisso ele é bom como poucos. Desconfio, contudo, que o "professor" não se contentaria com tão pouco, que o seu ego e a sua vaidade exigem mais além. 
*
Vamos então fazer um balanço sobre estes dois anos do "professor": a qualificação foi uma lástima. Portugal não ganhou a nenhuma das equipas de top do grupo, empatou em casa com a Albânia, finalizou atrás da Dinamarca (e viu-se neste Mundial o poder desta Dinamarca) e acabou a depender de terceiros para se qualificar para um play-off. Teve sorte e chegou lá. Nesse play-off contra a potência futebolística chamada Bósnia, fez um jogo miserável em casa, onde pôde agradecer aos ferros da Luz, e um bom jogo fora, onde ganhou com todo o mérito. No Mundial, jogou a medo, e mal, contra a Costa do Marfim, destroçou a equipa mais fraca da prova, fez depois um excelente jogo contra o Brasil, mas onde não arriscou nada (parecia que nós é que tínhamos o primeiro lugar assegurado), e contra a Espanha, um jogo que podia fazer pender este balanço para o outro lado, a falta de leitura de jogo e a estratégia medrosa do treinador precipitaram a derrota. Entretanto, do balneário blindado de Humberto Coelho (graças aos senhores capitães que lá imperavam) e de Scolari (graças às santinhas e à parolice), passou-se para um conjunto de polémicas estéreis, de bocas mais ou menos subtis, de insatisfações mal disfarçadas. Ora lá está: gerir um grupo de trabalho, saber ler o jogo: eis o que faz um treinador principal. Estudar, planificar e etc., isso é para adjuntos, secretários técnicos, coordenadores.
*
Portugal tem "jogadores medianos" e a Holanda ganhou ao Brasil a jogar com o Sketelenburg, o Ooijer, o Heitinga, o Van der Wiel e o De Jong. Conhecem? É verdade que tem uma grande equipa do meio-campo para a frente, com o Van Bommel, o Sneijder, o Robben, o Kuyt e o Van Persie, e ainda o Huntelaar  e o Van der Vaart no banco. Mas não tem um Cristiano Ronaldo (como não tem um Kaká ou um Robinho). A sua maior força é ser uma equipa, no verdadeiro sentido do termo, que joga pelo colectivo, sabe as suas forças e fraquezas e nunca perde a cabeça. Ganhou um jogo que praticamente decidia a passagem à final, e apesar de as três melhores equipas estarem do outro lado do quadro, um jogo é um jogo e é agora candidata séria à vitória.
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Quanto ao Brasil, é impressionante como uma equipa, à primeira contrariedade, se desmorona como um castelo de cartas. Este Brasil parecia não estar preparado para as coisas correrem menos bem num jogo, e de certeza que não tinha um plano B. Tinha o jogo controlado, e após sofrer um auto-golo num lance infeliz entra em total derrocada psicológica (com o jogo em 1-1!). O Dunga, que eu já sabia ser limitado na leitura do jogo, e casmurro nas opções tácticas, provou que afinal também não é grande coisa a conduzir a equipa, a passar a mensagem para dentro do campo, a motivar jogadores a lutar contra contrariedades. Note-se que o treinador brasileiro não fez a terceira substituição, apesar de ter o Grafite no banco. Certamente preocupado com o equilíbrio da equipa numa altura em que o jogo já estava completamente partido. Um treinador à Queiroz, que, obviamente, vai sair, tal como Domenech, Lippi ou Cappelo. Só o nosso "professor" é que vai continuar, apesar de saltar à vista de todos que os portugueses já não estão com ele, ou seja, apesar de a sua continuidade ser, nem que seja por isso, prejudicial à selecção.
*
Do Gana-Uruguai, um jogo razoavelmente jogado, mas que terminou com a emoção ao máximo, o que me apetece dizer é que é por estas coisas que o futebol continua a ser o mais belo de todos os jogos. Perdeu o Gana, a equipa que apoiava, mas ganhou o Mundial.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Ronaldo e Queiroz


Um video da "Cuatro" espanhola sobre o dia menos bom de Ronaldo contra a Espanha. Aos 2 minutos e 10 segundos: "Assim não ganhamos Carlos". Cristiano para Queiroz após a substituição de Hugo Almeida. Até o Ronaldo percebeu; e essa de tratar o seleccionador por "Carlos"...
É óbvio que havia um problema de liderança, de respeito pelas decisões do treinador. Só o mais fanático dos "queirozianos" não vê isto depois de se repetirem os casos e casinhos, as declarações mais ou menos a quente, os recados para dentro e para fora. Voltarei ao tema com mais profundidade, talvez mais logo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Notas sobre o choque e o espanto no Mundial da vuvuzela (4), ou Nem choque nem espanto


A importância de uma substituição: O fatídico minuto 60. Duas substituições quase em simultâneo. Del Bosque, o treinador da Espanha, coloca um ponta-de-lança torre, o Llorente do Bilbau. Queiroz, o treinador português, tira o ponta-de-lança torre, o Hugo Almeida, e coloca um extremo, o Danny. Em três minutos, a Espanha empurra Portugal para a sua área, o Llorente quase marca de cabeça, e o Villa acaba por fazer golo, num movimento colectivo que, todo ele, tira partido da recém-chegada superioridade na área portuguesa. Um jogo dividido desiquilibra-se nos pormenores-pormaiores, como aliás o nosso próprio treinador tinha antecipado. Um daqueles pormenores tão pormaiores que, desta vez, toda a gente reparou.
*
O balanço possível, para já: Estou com pouca vontade de escrever. Desiludido. Apesar de detestar este treinador, a selecção chegou a fazer-me acreditar. Quis comer o meu chapéu, acabei a beber cerveja  em conversas inúteis sobre o que é a arte, e os apoios do Estado à cultura. Merdas para esquecer. De regresso à Terra, à Pátria do Futebol, ao nosso Portugal dos Navegadores à conquista da Boa Esperança, relembro o filme do Mundial 2010 para a selecção nacional: nem bom nem mau, antes pelo contrário. A pior das sensações, um agridoce na boca.
*
O futuro, para já: Voltarei ao tema, e com a profundidade que se exige a um escriba do meu calibre, mas quero adiantar desde já algo sobre o futuro da selecção, já que sei que as altas instâncias do futebol nacional fervem de ansiedade pelas minhas instruções: ganhámos alguns jogadores; acima de todos, o Eduardo, que passou o teste com distinção e provou ser guarda-redes de classe mundial. O Coentrão, apesar de hoje menos bem, demonstrou ser o lateral-esquerdo que faltava. O Meireles e o Tiago, mais o primeiro, são dois médios completos que terão sempre lugar num futuro próximo. O Hugo Almeida surpreendeu e deixou a interrogação sobre a necessidade de naturalizar um brasileiro para o lugar, ainda por cima trintão. Os centrais são excelentes, e o Carvalho ainda aguenta bem mais uns tempos. Foi pena o Amorim, que nem tinha sido convocado inicialmente, ter-se lesionado e assim não ter podido provar ser o melhor lateral-direito disponível (até o João Pereira é melhor que o Paulo Ferreira, o Ricardo Costa e este Miguel juntos). Portugal continua a ter um excelente lote de jogadores. No fim do jogo pareceu que o Ronaldo tinha dito merda ("perguntem ao Queiroz", disse ele, quando questionado sobre o jogo). É pena ter desdramatizado posteriormente, porque era um óptimo pretexto para retirar-lhe a braçadeira de capitão. Dar-lha foi um erro do Scolari, salta à vista de todos que é demasiada responsabilidade para aquela cabeça, e que o melhor era deixar o "minino" jogar, ser estrela, decidir jogos, mas que seja outro a liderar o grupo, que para isso ele não dá.
*
O Queiroz, para já: Toda a gente sabe a minha opinião sobre este treinador. E neste Mundial, até esteve bem melhor que eu supunha; mas é medíocre, medroso, e, seja pela lógica do jogo, seja por motivos que nos ultrapassam e que se calhar estão escritos nas estrelas, continua a falhar (outros acham que tem azar. Também vale). Infelizmente, conhecendo o Madail e esses figurões da federação, estou a antever mais dois anos de "projecto", "renovação", "estruturação", enfim, de um futebol sofrível.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O perigo de usar hipérboles

Já tinha publicado uma leitura recomendadíssima, o que dizer deste post lapidar do Daniel Oliveira? Talvez que é tão certeiro que não há alternativa a publicá-lo aqui na integra.

Não vivemos acima das nossas possibilidades



Segundo um estudo realizado por sociólogos do ISCTE, vinte por cento dos portugueses estão abaixo do limiar de pobreza. Ou seja, não conseguem garantir o mínimo das necessidades familiares. Se não fossem as ajudas do Estado este número passaria para os 40%.
31% das famílias estão no escalão imediatamente acima do limiar de pobreza – ganham entre 379 e 799 euros. 21% não têm qualquer margem para qualquer despesa inesperada. 12% não conseguem comprar os medicamentos que precisam. Muitos deles, apesar de terem mais qualificações do que os seus pais, vivem pior do que eles. 35% vivem confrontadas com situações frequentes de escassez, o que inclui a impossibilidade de aquecer a casa ou de usufruir de baixas médicas para não perder rendimentos. 57% vivem com um orçamento familiar abaixo dos 900 euros.
Este povo pobre desconfia dos outros, desconfia do poder (70%), não está satisfeito com as suas condições de vida mas, extraordinariamente, considera-se feliz. Mais de um terço dos insatisfeitos diz que nada faz para mudar de emprego, 63% recusa a possibilidade de emigrar e apenas uma minoria diz que deseja voltar a estudar.
Este estudo diz-nos duas coisas.
A primeira é evidente para quem conheça o País: os portugueses não vivem acima das suas possibilidades. Vivem abaixo delas. Há uma minoria, isso sim, que garante para si a quase totalidade dos recursos públicos e privados. Somos, como se sabe, o País mais desigual da Europa. Temos dos gestores mais bem pagos e os trabalhadores que menos recebem. Somos desiguais na distribuição do salário, do conhecimento, da saúde, da justiça. E essa desigualdade é o nosso problema estrutural. É esse o nosso défice. Ele cria problemas económicos – deixando de fora do mercado interno uma imensa massa de pessoas -, orçamentais – deixando muitos excluídos dependentes do apoio do Estado -, sociais, culturais e políticos.
A segunda tem a ver com isto mesmo: a pobreza estrutural não leva à revolta. Dela não resulta exigência. Provoca desespero e resignação. Resignação com a sua própria vida, resignação com a desigualdade e resignação com a incompetência dos poderes públicos. A pobreza não apela ao risco. Não ajuda à acção. O atraso apenas promove o atraso.
Nos últimos 25 anos entraram em Portugal rios de fundos europeus. Aconteceu com eles o que aconteceu com todas as oportunidades que Portugal teve nos últimos séculos. Desde o ouro do Brasil, passando pelo condicionalismo industrial do Estado Novo e acabando nos fundos europeus, nos processos de privatização para amigos e no desperdício em obras públicas entregues a quem tem boas agendas de contactos, que temos uma elite económica que vive do dinheiro fácil, do orçamento público e da desigualdade na distribuição de recursos. Essa mesma que, em tempo de crise, o que pede éredução do salário e despedimento fácil.
Repito: os portugueses não vivem acima das suas possibilidades. Apenas vivem num País onde as possibilidades nunca lhes tocam à porta. O nosso problema é político. É o de uma economia parasitária de um Estado sequestrado por uma minoria que não inova, não produz e não distribui. De um Estado e de um tecido empresarial onde os actores se confundem. De um regime pouco democrático e nada igualitário. E de um povo que se habituou a viver assim. De tal forma resignado que aceita sem revolta que essa mesma elite lhe diga que ele, mesmo sendo pobre, tem mais do que devia.

No Arrastão.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Onde se prova, mais uma vez, o meu conhecimento sobre futebol. Ora aprendam:

Quem quiser entender aquilo que um jogador vale para uma tática, que veja o jogo do Brasil hoje. Jogar com o Ramires em vez do Filipe Melo, sem alterar em nada a tática, foi uma mudança da noite para o dia na qualidade de jogo do Brasil. O "duplo pivot", para funcionar bem, precisa de um médio mais defensivo, trinco puro, e ao lado de outro que seja um verdadeiro transportador de bola: Costinha-Maniche; Petit-Tiago, e etc. Isto toda a gente sabe, mas parece que o Dunga não sabia. Jogando com o Gilberto e o Filipe Melo, apresentava um onze com dois trincos puros, uma ideia boa para o Gil Vicente quando vem jogar à Luz. Com o Ramires, que é a melhor opção que tem à disposição para o lugar, a equipa ganhou um verdadeiro transportador de jogo: partindo do mesmo princípio posicional, a dinâmica é completamente diferente. Vejam o golo do Robinho, e a cavalgada que o Ramires faz com a bola do meio-campo à entrada da área. Claro que isto aconteceu por acaso, já que o Filipe Melo se lesionou. Irá Dunga perceber a tempo a razão da mudança na qualidade de jogo do escrete? Nunca se sabe.
Entretanto, quanto a nós amanhã, espero que a ideia do Queiroz não seja a de jogar como fez contra o Brasil: dar a bola à Espanha é suicídio, o que os espanhóis mais gostam é de ter a bola nos pés e circulá-la. Ao contrário do Brasil, não perdem a paciência, aliás a paciência é a grande virtude do jogo da Espanha, e é tanta que às vezes começa a ser um defeito, já que os espanhóis parecem convencidos que, com calma, o golo há-de aparecer mais cedo ou mais tarde. Na verdade, com este treinador nunca estou seguro, o seu currículo em perceber as coisas mais simples do futebol não é famoso. Mas nunca se sabe.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Notas sobre o choque e o espanto no Mundial da vuvuzela (3), ou Eu ainda como o meu chapéu


O choque e o espanto: Não, desta vez não fui eu a dar a táctica ao Queiroz. Eu teria jogado olhos nos olhos com o Brasil, e não assumindo a superioridade do adversário. Sabem que mais? Hoje o gajo esteve melhor que eu. Estou a começar a ficar muito espantado com o que se está a passar, já que, se é verdade que um relógio parado dá as horas certas duas vezes por dia, neste caso começo a pensar que alguém deu corda ao relógio. Mas vamos aos factos: apresentando-se num 4x5x1 muito defensivo, com um médio esquerdo de contenção, um lateral direito que é um central extra, o Pepe no lugar do Pedro Mendes, e deixando o Ronaldo na frente para o contra-ataque, a linha inicial de Portugal, desta vez, deixou toda a gente com a pulga atrás da orelha. Talvez este facto se tenha, também, devido ao sítio onde assisti ao jogo: o British Bar, a pátria dos cépticos insuportáveis. A verdade é que, desta vez, o inominável acertou. O excesso de gente na defesa fez o Brasil perder bolas atrás de bolas. Este Brasil, já se sabe, ataca com pouca gente, e o Dunga é incapaz de desfazer aquele patético duplo-pivot na frente da defesa. Resultado: a nossa superioridade em número na zona de ataque do Brasil, aliada a uma boa concentração dos defesas, e, é preciso dizê-lo, a uma tarde de pouca inspiração dos brasileiros, quase anulou o perigo do escrete. Em compensação, as bolas perdidas originavam contra-ataques perigosos, e apesar da jogada de maior perigo da primeira parte ter sido do Brasil, graças ao Ricardo Costa (tapa-se a manta de um lado, destapa-se do outro, já se sabe...), o maior número de chances foi nosso. Jogo parecido na segunda parte, uma oportunidade do Meireles para empatar o também em  chances claras de golo, algum risco, mas pouco, com as entradas do Simão e do Pedro Mendes. O Brasil, diga-se, também pouco parecia interessado em arriscar. Não esquecer que o empate os deixou em primeiro lugar.
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Estilo: Não alinho com aqueles que dizem que Portugal "não assumiu o jogo", e coisas que tais. O que interessa, no futebol, não é a forma, mas o conteúdo. Desmultiplicando: pouco importa se se joga em ataque continuado, como o Brasil, ou em puro contra-ataque, como a nossa selecção hoje: o que importa no futebol é criar oprtunidades e marcar golos. Duvido muito, mas muito mesmo, que jogando de igual para igual com o Brasil tivessemos, não só evitado as chances deles, como criado tantas nossas.
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No entanto... Não deixa, contudo, de ser verdade, que hoje era Portugal que tinha algo a ganhar do jogo, e não o Brasil, ou seja, evitar a Espanha nos oitavos. Apesar de estar a dar o braço a torcer quanto às minhas previsões calamitosas sobre a prestação da equipa orientada por este treinador inútil, vamos ver se não pagamos caro os erros e a falta de coragem do primeiro jogo.
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Figuras: O Eduardo e o Ricardo Carvalho comandaram com distinção uma defesa que esteve imperial. O Ricardo Costa, um jogador banal e que deixa dúvidas sobre a sua convocatória, esteve bem naquilo que lhe mandaram fazer, e o que não fez é aquilo que não sabe fazer (a maior parte das coisas que se faz num jogo de futebol). Merece destaque, já que se antevia um descalabro daquele lado, o que acabou por não suceder.
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O meu chapéu: Faço como o outro: se Portugal passar a Espanha, como o meu chapéu.
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Para destoar do clima de euforia: A nossa PSP, que parece querer, nos últimos tempos, assumir-se publicamente como a cambada de idiotas fardados e mal formados que realmente é, fez o favor de originar uma carga policial no Parque das Nações, sem razão que o justificasse, sobre portugueses e brasileiros que assistiam pacificamente ao jogo. Com ou sem Mundial, com ou sem vitórias, com ou sem esta alienação geral, de vez em quando a realidade chama-nos à Terra.