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sábado, 24 de setembro de 2011

Correio interno

André,


            “Aqui onde a terra se acaba e o mar começa”, um mar de gente, gente com dívida lá dentro, e o fórceps certo para de suas emprenhadas profundezas a arrancar: o Governo certo, na governação certa. Povo pobre tem de pagar as suas contas, não vale a pena chorar sobre crédito derramado: ó aqueles malditos empréstimos nos anos 90 para Bimbys e férias em Ibiza voltaram para nos atormentar. Não sendo ricos fez-se vida de rico, povo e Governos folgaram, as estradas alcatroaram-se, as casas eletrificaram-se, as sanitas migraram indoors. E agora os verdadeiros ricos não estão dispostos a financiar quem, numa economia anémica, não poupou e gastou, nem papam a desculpa da pressão da sociedade de consumo, nem o facto de terem enriquecido com o esbanjamento dos consumidores, ávidos por rolhas e promoções de Skip e, para complicar também não se pode saquear a casa de Bragança para pagar as contas. (D. João II, nas lonas, ordenou a decapitação do 3º duque de Bragança, D. Fernando, na praça do Giraldo, em Évora, para lhe rapinar, para a casa real, a sua imensa fortuna, por exemplo. Mas também, em 1640, os conjurados propõem o trono ao duque de Bragança, o futuro D. João IV, por ser o único no país com cabedais suficientes para suportar uma guerra contra Castela).
Se Paris valia uma missa, escrevia Norman Mailer, Lisboa, como centro de poder, vale várias novenas. O Governo de Sócrates não foi um caso político, mas um espantoso fenómeno sociológico, para teses universitárias, que se deem ao trabalho de contar quantas notícias negativas foram publicadas no seu mandato e qual o seu efeito na mente coletiva. E vem provar, pela forma como os autodenominados mais espertos e intelectuais aparvalharam, que em Portugal, opinião publicada e opinião pública são idênticas, não há opinião pública sem ser opinião publicada. Em 2008, a “crise” atraca na Europa, os Bancos europeus estão falidos, em Portugal, orgulham-se os nossos banqueiros de que são exímios gestores de ponta e que estão à frente de instituições sólidas. Os nossos Bancos não são contaminados pela “crise”, ó Nossa Senhora estava do nosso lado e ainda tínhamos o cabelo de Fábio Coentrão. Que povo bafejado! Em 2009 os fortes Bancos portugueses vão à falência, os banqueiros, de mão estendida pelos mercados, ninguém lhes empresta uma moedinha, e gozam-lhes com o corte do fato e os modelos dos carros e citavam-lhes o “Auto do escudeiro”: “Ò diabo que t'eu dou / que tão má cabeça tens / não tem mais de dois vinténs / que lhe hoje o cura emprestou”. Voltam-se para o poder político, afinal ele está lá para os servir, visto que eles também o servem, sacrificando-se na compra de dívida pública a juros estapafúrdios.
Na altura Portugal pululava de pastorinhos de Oh!bama. Muitos o viram em cima de uma azinheira, e de mãos postas ao céu, rezavam: ó meu Deus que se faz História! É a segunda vinda do Salvador! E Sócrates era um desses pastorinhos, como político europeu, sonha em americano. E perante a “crise” imitou Oh!bama: lançou dinheiro sobre a economia: aval do Estado para os Bancos, vamos fazer bricolage nas escolas e nas estradas, apoiar os desempregados, obras públicas is the solution, que se lixe o défice, não é altura de pensar em défices, a economia precisa do Estado e o Estado responde: quanto é? Só que Portugal não é a América, não tem dinheiro para lançar sobre a economia, e a conta, (mais muitas outras no fundo das gavetas), está aí para pagar e foi distribuída equitativamente pelos contribuintes.

Um abraço,

Maturino Galvão

quarta-feira, 21 de abril de 2010

anaCrónicas 16

O pedófilo cómico e virtuoso

Molière criou duas figuras que o nosso modo de vida social confirmou como personagens reconhecíveis e sempre em vias de não extinção, isto é, existentes, reais, sempre de boa proa: Tartufo e Alceste, o Misantropo. Se o primeiro é fácil de reencontrar, sob todas as vestes do oportunismo, nas figuras da nossa vida pública, o segundo é mais difícil de entender num tempo, agora, que impõe a visibilidade como prova de existência. Nem me refiro à dimensão dessa prova como expressão mediatizada que a concretize, refiro-me sim a uma dimensão do narcisismo como modo específico da socialização, o que para qualquer Alceste será estranho, mais propenso a uma arrogância associal do que a uma publicitação da sua extrema introversão, exibicionista seja. Não há forma de vaidade mais evidente que o espectáculo da modéstia. Não será o caso de Alceste, a não ser numa pequena parte. Quanto ao Tartufo, será hoje um comportamento aplaudido como uma forma superior do Chico-espertismo, essa criação nacional prima do fado.
Na nossa galeria de tipos não falta a diversidade: do Jardim da ilha, palavra tonitruante e bufão autoritário, inteligência que baste para manter o atraso no progresso devido, a ignorância onde estava e o turismo em alta, com ou sem tsunami, o engenheiro mais esperto da serra, capaz de fazer de pocilgas vivendas ou vice-versa, muito amigo do rei ilhéu, o presidente muito austero de verbo e de maxilar emproado, o Pacheco do círculo quadrado, já ao serviço sistémico-circense ainda andava com o colarinho à Mao, o Marcelo filho do pai dele, sempre em alta, etc., um conjunto de espécimes que só o cómico rotineiro de serviço há décadas supera em capacidade de sobrevivência e poder – o sistema tem estes pilares como estrutura, são os tais pilares da comunidade.
Não se é cómico de ter piada toda a vida, aliás, pode ser-se cómico uma vida inteira. Como profissão. Já ter graça é outra coisa. A anedota é uma vocação nacional e é o reverso da incapacidade da tragédia. Fizemos o Frei Luís e pouco mais, dizem que a Castro. Mesmo a tragédia romântica tem pouco fôlego e nada deve à matriz grega, pouca dada ao que o melodrama exacerba, sentimentos prolongando-se em marés lacrimejantes. A tragédia é outra cosia, é o inelutável após o crime acidental, ou a morte irremediável, ou mesmo o desafio suicidário das hierarquias homicidas, o impossível em debate. Tudo em verbo sublime e sincero, ritmo apoiado nas cadências de inspiração ritual, vindas do tempo e fundo da irracionalidade e da festa.
O grande cómico da República é um daqueles actores que joga no requentado, que não faz um gesto espontâneo, para quem os minutos se contam como dólares. É o que se chama um canastrão, um actor vulgar, um apóstolo da falta de rigor, da laracha e da deixa rasca. Esses, desse tipo, em Portugal, fazem carreira e são incensados. Os espectadores são pouco exigentes e não entendem sequer que, de facto, a verdade, a concentração, o rigor dos textos, a articulação, a dicção, a gestualidade, etc., são o que é constitutivo da cifra estilística, de um contributo verdadeiro pela liberdade, dando o corpo ao manifesto à letra aqui. O que nunca se reveste de balda, de desenrasca e de improvisos de terceira categoria. Mas para quê falar de pérolas?
Quando um proxeneta é homenageado como um campeão da moral e mais, como um libertador dos sentidos, só poderemos temer o juízo da massa, esse poder acéfalo e criminoso. Por omissão ou por pressão. De resto o poder sempre conviveu bem com a crítica fulanizada e sempre se deu mal com a crítica coerente e articulada. O que fez, quando esse modo de vida era vivo, meias tintas com todo o tipo de tráficos, mais carne menos carne, o sucesso da tal revista que, na realidade, nunca foi portuguesa a não ser nas coxas e pernas. Na realidade, essa crítica, só servia de aval à publicidade da própria liberdade de expressão parangonada pela propaganda. A liberdade, essa, é outra coisa, e nada tem com o poder dizer-se o que se quiser, mas tudo tem com a capacidade, estruturada, formada, crítica, culta, de saber dizer porque se sabe ler, descodificar, conhecer as coisas que estão atrás das coisas, como dizia o velho Brecht falando das causas profundas e das evidências enganadoras. E obviamente com a capacidade de indignação e a coragem de dizer. O que também escasseia. E cada vez mais, nesta falta de liberdade crescente, não só pela inexistência do espaço público como ideias em confronto vivo, como pela vocação policial dos de cima e seus lacaios.
De resto as liberdades imaginativas da sensualidade e o erotismo não passam por aqui, muito menos com a caução das diversas formas de impotência inventiva em serviço, as mimético-naturalistas e as que têm pura e simplesmente falta dela, imaginação, o que também sucede.

FMR

domingo, 18 de abril de 2010

Free Speech Movement

Eu também vejo que de intervenção em intervenção há pessoal, aqui e aqui, que vai ficando mais manso.
Espero que não chamem a minha tia à conversa.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

anaCrónicas 12

Dizia o Marques Mendes há dias - não lhe conheço escândalos, pessoa hábil, ou discreta, e porventura, mais surpreendente ainda, talvez honesta - que a este PSD de Passos Coelho faltavam agora três ou quatro ideias bem escolhidas como causas que se “vendessem”, suponho que ao eleitorado perpétuo da democracia sondagística em que submergimos. Isto é: temos a realidade e esta é composta de temas fracturantes, país real, crise, dívida pública, submarinos a espreitar, personalidade do senhor engenheiro, o caso da “mentira”, a “face oculta”, a licenciatura fast food, etc. , e destas questões há que elencar aquelas que servem, numa dada composição, uma narrativa da vitória do ponto de vista do papel do novo antagonista, com o propósito de destronar o protagonista de serviço em prazo calendarizado – sempre entre eleições regulares, até ver .
Nessa narrativa há que injectar (como com o betão, é a “consistência ou credibilidade” em jogo de responsabilidade versus irresponsabilidade, os da economia e do mesmo, contra os que são supostamente da mudança e pelas pessoas) as 3 ou 4 ideias alimentadoras da ideia de que são ideias, justamente aquelas que podem render uma vitória, a vitória dessas ideias, já que ninguém se pode apresentar com o rosto da imparcialidade absoluta, ou da neutralidade, por muito que seja do tal centro – o centro não passa de uma ilusão fictícia e de um jogo em política, ou a própria política como emprego na medida em que no centro podemos estar sempre com uns e com outros. Ao centro virá até o Portas, que já lá esteve mais ou menos disfarçado e lá regressará quando for preciso.
Ora estamos portanto diante daquele absoluto do marketing político que ignora a realidade e que escolhe uma dada reformatação narrativa da ficção política (e da realidade, cujos aspectos relevantes se tornam mais ou menos visíveis e assim usados conforme convenha à conjuntura narrativa) como novela, de modo a que, nessa narrativa enquadrada pelas 3/4 ideias causas, Passos Coelho possa derrotar José Sócrates por ser melhor e mais capaz naquela definição da luta de galos que passa pelos perfis das revistas de fim-de-semana – mais ou menos simpático, mais ou menos bem vestido, mais ou menos preparado, mais ou menos inglês, técnico ou do outro, mais ou menos sensatez, mais ou menos coragem de decidir e por aí adiante.
A simplificação da realidade para consumo das massas enquanto novelização da “política” nunca esteve tão clara como nos dias que correm. As tais ideias, 3 ou 4 - mais que isso surge a indesejada complexidade, sem leitura para os papalvos, nós – têm que ser bem escolhidas. Por exemplo: 1ª ideia: Passos Coelho nada deve à dívida pública, é um inocente; 2ª ideia: é tão laico como Sócrates, não combaterá o aborto; 3º ideia: apesar de tão liberal quanto Sócrates até se colocará contra certas privatizações de sectores estratégicos, por exemplo os CTT e parte da Caixa; 4ª ideia: ao contrário de Sócrates não será um Chefe que faz o deserto à sua volta, pelo contrário, à sua volta rimarão as outras tendências, até os barões; E basta, cuidado com a saturação do espaço mediático. Tudo daqui, deste elenco ideal, se poderá inferir.
Projecto, programa, sistema articulado de propostas analítico-prospectivas para quê? A realidade depois dá-lhes a volta, ou não é assim com o mercado e mais os seus humores irracionais e bolsistas? E depois quem é que sabe fazer um programa com pés e cabeça? - Justamente o que não interessa porque é teórico e complica (e até pode revelar umas verdades mais insuportáveis que o Calvário da dívida, essa cruz que todos carregamos perante os novos romanos, os banqueiros a quem devemos e as suas empresas de rating – é assim não é, rating?) e o que é necessário é pragmatismo e eficácia. Andar para a frente. E há sempre aqueles chapéus de clarividência providente: “modernidade”, “desenvolvimento”, “progresso”, e até “cidadania”, e recuando um pouco “os portugueses conhecem-me”, que resulta sempre e é mais emotivo que dizer “somos europeus” – dizem que somos.
O povão, entre estes colossos homéricos das Beiras, só os vê a eles, mancha única, e com esta fulanização narrativa dramatizada da política obviamente que a realidade se esfuma – quem vê heróis, negativos e positivos, só vê a nuvem e do destino, do porvir, perde o fio e a meada, entra na cabotagem. Nada mais eficaz portanto do que a política espectáculo. E não será tanto o espectáculo em si, mas, antes os enredos que ligam os momentos espectaculares. Mais dramáticos e pessoais, menos dramáticos e mais aproximados do real, o que eles chamam de economia. Mesmo a economia está repleta, nas supostas análises permanentemente publicitadas via opinião em feudo próprio ao serviço do sistema, de terminologia psicológica: a confiança, como dizem, tornou-se um elemento chave das descrições da Crise centradas no batimento pendular e “cardíaco” desse monstro imprevisível chamado sistema bolsista, filho directo da soma da interacção das irracionalidades em confronto no tal mercado globalizado – a bolsa é um totobola dos muito ricos com bases seguras para quem tem a informação necessária na hora, mete muita espionagem e menos faro, embora pareça metade instinto – falo da costela jogo. É muita emoção junta e como sabemos chega a provocar suicídios em série – em 1929 foi assim, agora não se repetiu, foi menos dramático – eis uma tese de doutoramento.
O que estes senhores não prevêem é que a realidade não é dominável por baias de nenhum tipo e não se pode ocultar o que não se revela por fazê-lo táctica e tacanhamente, como não se pode prever o modo como de repente uma nova questão – e imprevista pois – toma conta dos fluxos diários de realidade virtualizada e objectiva na marcha coomum. Sabemos aliás que muito do que acontece hoje tem muito a ver com um aumento exponencial das imprevisibilidades, justamente por efeito da crise, essa tragédia multiplicadora de dramas e precariedades que são a fonte de maior imprevisível.
Creio, no entanto, que o problema do Passos vai ser o Coelho. E desse ele não se livra. Só com uma auto-mutilação nominal. Claro que dava mais jeito ao PSD que se chamasse Passos Jack ou mesmo Passos Carneiro. Ainda vão encontrar estranhas conexões no Coelho do Passos. Discutam isso no Congresso. Ele há mais um não é? Será o das quatro ideias?

FMR

domingo, 14 de março de 2010

As manchetes, os jornalistas e o rigor

Era de esperar. As escutas do processo Face Oculta, a abortada tentativa de entrada da PT no capital da empresa proprietária da TVI, as dúvidas instaladas sobre a relação do primeiro-ministro com esse negócio e as audições no Parlamento têm dominado os títulos da imprensa nas últimas semanas e dividido os comentadores e a opinião pública. Os leitores deste jornal não são excepção e mostram-se particularmente atentos ao modo como, em títulos e textos, têm vindo a ser noticiados estes temas.

Recebi várias reclamações a este respeito, e tratarei hoje da primeira, que é anterior à minha entrada em funções, mas merece ser recuperada. Refere-se à manchete da edição de 12 de Fevereiro, a data em que o semanário Sol saía à rua com citações particularmente sensíveis de escutas obtidas no processo Face Oculta, apesar da providência cautelar que visava impedir a sua publicação. “Primeira tentativa em 30 anos de censura prévia a um jornal falhou” – rezava o principal título da capa, por cima de uma fotografia de José Sócrates.
A leitora Ana Pereira não gostou e disse-o em termos curtos e fortes: “A manchete (…) do PÚBLICO é mesquinha por colocar uma foto de alguém que nada tem a ver com a notícia. É mentirosa, porque esquece que existem casos de providências cautelares semelhantes muito frequentemente. É ainda confrangedora, porque mostra que o corpo editorial do PÚBLICO não percebe os fundamentos básicos do Estado de Direito”.
A meu pedido, o director adjunto Nuno Pacheco, que acompanhara o fecho dessa edição, reflectiu sobre as três acusações, concordando que “a manchete em causa tem vários problemas”.

Em primeiro lugar, a fotografia escolhida. Considera que “devia ter sido mudada”, porque “podia dar a ideia, errada, de que teria sido José Sócrates o autor da tentativa de calar o Sol, o que não era verdade”. Explica que a foto “tinha sido escolhida antes de a manchete ter sido escrita, porque a relevância das escutas deriva do facto de envolverem o primeiro-ministro”, mas que, “quando a manchete se centrou na providência cautelar”, deveria ter sido substituída, por exemplo, por “uma foto de Rui Pedro Soares”. Atenuante: “Mesmo assim, não é possível dizer que a foto de Sócrates é de alguém que nada tinha a ver com a notícia”, até porque a capa do Sol, como se dizia a abrir o texto da manchete, tinha “o perfil de José Sócrates a negro sobre um fundo vermelho e um grande título a branco: “O polvo”".
Quanto à questão de esta ter sido ou não “a primeira tentativa em 30 anos” de “impedir a publicação de uma notícia” através de uma providência cautelar, o director adjunto admite o erro (“não foi” de facto a primeira), mas sublinha que esses casos também “não acontecem “muito frequentemente”, como a leitora dá a entender”. Motivo do erro: tanto na redacção como entre fontes consultadas nessa data, “havia o convencimento” de que tratava do primeiro caso deste tipo, e só depois se verificou existirem precedentes, entre os quais uma providência cautelar dirigida ao extinto O Independente.
Na sua terceira crítica, a leitora referia-se presumivelmente ao facto de uma providência cautelar não poder ser descrita como “censura prévia”. Nuno Pacheco assim o entendeu e admite que “censura prévia devia ter vindo entre aspas”, pois “era uma classificação comparativa, não uma descrição literal”. Mas discorda da leitora na referência “aos fundamentos básicos do Estado de Direito”. A sua argumentação não pode, por falta de espaço, ser aqui reproduzida (valerá a pena ser colocada on-line), mas conduz à seguinte conclusão: “O uso e abuso desta figura jurídica [providência cautelar visando impedir a publicação de uma notícia] no caso da imprensa acabará por funcionar, a prazo, como uma espécie de censura prévia dentro das margens estritas da lei”.
Aqui chegados, perguntará o leitor o que penso eu de tudo isto. Pois bem, acho que a leitora fez críticas justificadas (que o responsável editorial citado aceita na maior parte) num caso que teria exigido melhor atenção às soluções encontradas para a capa do jornal. A escolha da fotografia é até, a meu ver, o único ponto discutível. Admito que pudesse “dar a ideia” de que teria sido o primeiro-ministro a promover a providência cautelar, mas bastaria ler o texto que a enquadrava para afastar essa ideia. Acresce que a ligação de Sócrates ao tema noticiado não era gratuita. Quanto à afirmação sobre o ineditismo da providência cautelar, não era verdadeira e deveria, a bem do rigor, ter sido prontamente corrigida.
Mas, a meu ver, a falta de rigor menos aceitável foi a que levou a falar de censura prévia. O conceito tem uma carga política e histórica, de anulação das liberdades de expressão e de imprensa, que não pode ser confundida com o direito de um cidadão a procurar contrariar, por via judicial, a publicação de matérias que considere poderem causar-lhe dano grave, para mais tratando-se, como era sabido, da intercepção de conversas privadas, cuja divulgação seria sempre de legalidade pelo menos duvidosa. A censura prévia é própria de uma ditadura, o direito em questão é natural num Estado de Direito.
Não é relevante, para a clareza desta distinção, o que cada um pense sobre a pertinência da interposição da providência cautelar (eu penso que é um problema do seu autor), sobre o mérito da decisão judicial (com os dados disponíveis, creio que foi uma má decisão) ou sobre a interpretação do “interesse público” que levou o Sol a trazer ao conhecimento geral o que a decisão judicial visava impedir que fosse divulgado (acho que foi uma interpretação legítima). São opiniões que não contendem com o que está em discussão: do ponto de vista do rigor jornalístico, uma providência cautelar aceite por um juiz não é, de modo algum, censura prévia.
Convém salientar que na peça para que a manchete remetia, nessa edição do PÚBLICO, nada se escrevia que permitisse sustentar o que se afirmava no título de capa, à excepção de uma opinião (não consensual, como resultava da própria notícia) escutada a um jurista. Em contrapartida, o editorial desse dia – que, sendo um texto não-assinado, é visto como representando a posição do jornal – tendia a sustentar a tese expressa na capa.
Não creio que faça sentido sugerir que o “abuso” de providências cautelares dirigidas à imprensa poderá conduzir a uma situação de censura (para mais quando se afirma que foi o primeiro caso e que viu falhado o objectivo). Nem vejo razão para presumir que, colocados perante um hipotético recurso epidémico a essa figura jurídica, os juízes portugueses iriam decidir, por sistema, contra a liberdade de imprensa. Em suma, a manchete criticada representa uma opinião, certamente legítima, mas não é, a meu ver, aceitável no plano da informação independente e rigorosa.

José Queirós, Provedor do leitor – “Público” 14 Mar 2010

Com a devida vénia ao Jugular

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Rentrée

O primeiro-ministro é um homem notável. Mal veio de férias, ganhou uma medalha nos Jogos Olímpicos.
Luis M. Jorge

segunda-feira, 21 de julho de 2008

segunda-feira, 10 de março de 2008

Uma estranha "lógica democrática" (3)


A.Cabral no Bitoque

Uma estranha "lógica democrática" (2)

Outra coisa que o nosso PM disse, na mesma entrevista, foi algo deste género: "existem muitos problemas nas escolas que tem de ser resolvidos, mesmo que isso custe aos professores". Depreende-se daqui que Sócrates considera os professores parte do problema e não da solução nas escolas.

Uma estranha "lógica democrática" (1)

Acossado pela manifestação dos professores, o nosso Primeiro-Ministro José Sócrates saiu-se hoje com esta maravilha:

«Os portugueses tem de entender que a alternativa às reformas é ficar tudo como estava»

Ora, como é evidente, existem muitas outras alternativas a "ficar tudo como estava" diferentes das "reformas". Este newspeak socrático tem por objectivo fazer-nos crer na inevitabilidade das políticas, enfim, como se escreveu já por aqui, na ideia de que as "reformas" são coisas feitas por técnicos, sem qualquer objectivo político ou motivação ideológica. Mais, a sua suposta "necessidade" inibe qualquer escrutínio aos seus próprios resultados; não se pode avaliar as linhas orientadoras de uma política, ou sequer a habilidade ou inabilidade de um político, quando tudo o que se faz é apresentado como absolutamente "necessário".
Chegou o momento de dizer: senhor PM, "reformas" há muitas. As suas "reformas" não são nenhum santo graal, e nada nelas nos diz a priori que avançam no sentido correcto. Como qualquer política está sujeita ao nosso escrutínio.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Foi só um sonho estranho

Hoje tive um sonho muito esquisito. Sonhei que a polícia fazia visitas a quem se pretende manifestar, antes das ditas manifestações, para inspeccionar o material e aconselhar a malta a "portar-se bem".
O que vale é que era só um sonho, pois ao acordar lembrei-me que vivemos num estado de direito democrático.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Um povo de gente trabalhadora

Segundo um estudo publicado no Público de ontem (1 de Outubro - sem link, as usual), os idosos portugueses são os que mais trabalham na Europa. Quem é que disse que os tugas são preguiçosos?
Daqui poderemos derivar mais uma doutrina socrática sobre a excelência no porvir deste nosso povo: "vamos integrar os nossos velhinhos na vida económica", "aos 65 ainda se tem muita actividade", "a vida não pode ser só jogar às cartas", ou, numa versão mais popular, "mas porque é que eu tenho de pagar a reforma do meu pai?" E já que os andamos a ensinar a mexer com computadores, quiçá possamos criar uma geronto-geração de webdesigners, programadores, analistas de sistemas, ou consultores informáticos. Sim, que os velhinhos ainda tem muito a ensinar ao mundo.

sábado, 29 de setembro de 2007

PSD (Expresso de 29/09/2007)

“O ‘mais português de todos os partidos’ sofre de crónicos males portugueses: a incapacidade de viver longe do poder e das suas benesses; a impaciência dos que acreditam que o sucesso não precisa de trabalho, tempo e talento; a tentação de imaginar que a agitação oca e a guerrilha permanente e sem sentido podem esconder a faltade substância das ideias e dos programas.”
Miguel Sousa Tavares

“ (...) Acima de tudo, a campanha mostrou – até pelo escassíssimo envolvimento da suposta ‘inteligentsia’ do partido – que o PSD não sabe o que fazer com Sócrates além de gritar muito com ele e de esperar que se estatele. É pouco como programa e, como estratégia, quase nada”
Fernando Madrinha

“Era esta a época que o Governo mais podia temer: ocupado pelos trabalhos da presidência da EU, a agenda do país sempre um pouco mais ao abandono, poderia a oposição aproveitar.
A oposição aproveitou para fazer umas eleições internas e os candidatos aproveitaram as eleições para se destruírem mutuamente. José Sócrates terá aproveitado a ocasião para se rir a bom rir.”
Editorial

domingo, 16 de setembro de 2007

Da Capital do Império

Olá,

Vocês vão ter que me desculpar o longo silêncio. Mas como vocês sabem escrever cansa e eu prefiro descansar … lendo o que os outros escrevem.
De qualquer modo não pude resistir a ter que vos dar as últimas sobre a cimeira George/José a realizar-se segunda-feira na Casa Branca.
Em primeiro lugar tenho a dizer-vos que os “Yankees” insistiram em chamar à cimeira uma “reunião de trabalho” o que aparentemente causou alguma confusão aí do outro lado do charco.
“Trabalho? O que é isso?” foi a resposta que aparentemente foi dada por uma “destacada entidade” do governo Xuxa quando foi informado por um representante da embaixada da Lusitânia sobre o título oficial do encontro.
Depois mais confusão houve quando na quinta-feira os “yankees”’ informaram a malta da Lusitânia que havia que antecipar o encontro por 10 minutos. Aparentemente houve uma certa incredulidade por parte da diplomacia lusitana para quem – segundo me disseram – “mais dez minutos menos dez minutos” não chateia ninguém. Ou como disse alguém do governo Xuxa: “lá estão esses gajos com americanices”.
A minha fonte – de “alto nível” – manifestou certo nervosismo de que a “empatia” ou como dizem os “Yankees” a “química” entre o José e o George possa não ser boa o que pode estragar tudo. Como vocês se lembram o George dava-se muito bem com o outro José, aquele que é agora presidente da CÊ IÉ IÉ e cujo nome durante a recente cimeira do G 8 um jornalista romeno confundiu com a quiçá melhor região vinícola de Itália e insistiu por isso em chamá-lo Presidente Barolo. Durante dias não se falou doutra coisa …
Como vocês se devem lembrar antes do Barolo ter sido promovido para presidente de um país que não existe ele foi chefe dos lusitanos e dava-se muito bem como o George. Ambos tratam-se pelo primeiro nome e aparentemente quando se encontram estão sempre a contar anedotas um ao outro.
Vamos a ver se no fim da reunião o George trata o Sócrates por José embora eu receie que se isso acontecer o George acabe por confundir os nomes. Ainda por cima um José é presidente da Cê Ié Ié e o outro José é presidente “rotativo” da mesma Cê Ié Ié. Vocês têm que admitir que isso, mesmo sem ter em conta o Bush, é um pouco confuso embora me tenha sido explicado que é tudo muito simples: Um administra “tachos” o outro “problemas a curto prazo e alguns tachos”.
Aparentemente o José (o “rotativo”) quer em primeiro lugar discutir o Kosovo. Como vocês sabem o problema com os Balcãs é que os insoletráveis e os impronunciáveis produzem mais história do que conseguem consumir e aparentemente os impronunciáveis não estão a gostar nada da ideia de dar a independência aos insoletráveis no Kosovo
Fique impressionado com o facto do José (o “rotativo”) querer discutir isto com o George porque demonstra um certo cuidado senão mesmo uma certa acuidade política que – como disse o Bismarck - não passa da capacidade de ouvir o cavalgar distante da história antes dos outros.
Demonstra também que o José (o “rotativo”) sabe que tem que garantir que se houver batatada entre os impronunciáveis e os insoletráveis os americanos estarão lá para garantir que apanha tudo porrada. Aparentemente aí nos corredores de Bruxelas anda tudo à rasca porque como a situação no Iraque não pode ser desfodida há receios aí desse lado do charco que se houver batatada nos Balcãs os Yankees não tenham meios ou vontade para pôr os indígenas na ordem como aconteceu da última vez. (sem autorização da ONU mas com aplauso da Europa!)
O que me fez lembrar uma visita que o Jaime Gama (lembram-se dele?) fez aqui à Capital do Império quando o George foi eleito pela primeira vez já lá vão sete anos. O Gama vaio aqui a correr logo após o George ter sido eleito sob promessa de não envolver tropas americanas na “construção de nações” e lembro-me de que o Gama deu uma conferência de imprensa após conversações com o Powell (lembram-se dele?) todo satisfeito porque este lhe havia prometido que os Estados Unidos iriam continuar envolvidos nos Balcãs.
Se volvidos estes anos todos a NATO e os EUA continuam ainda a ter que garantir a “paz” entre os insoletráveis e os impronunciáveis nos Balcãs imaginem quanto tempo isso vai levar para garantir a paz entre os Ahmed que consideram Maomé profeta e os Amhed que consideram Maomé profeta. E então se os Khomeinis e Khameinis se envolverem a sério….
Eu sei que as superpotências – como disse um general romano cujo nome já não me lembro – não se devem envolver em guerras entre tribos, mas o problema é que na vida real e principalmente no topo raramente a escolha é entre o que é bom e o que é mau, mas sim entre o que é mau e o que é pior.
O José sabe disso: O mau é os insoletráveis andarem outra vez à porrada com os impronunciáveis. O pior é eles andarem à porrada e os Yankees virarem as costas.
Antes de terminar tenho a dizer-vos que ninguém aqui quer saber do encontro entre o George e o José. Da embaixada da Lusitânia disseram-se que só recebem telefonemas dos jornais a perguntar pela Madeleine e a PJ.
Abraços,

Da capital do Império,

Jota Esse Erre

terça-feira, 7 de agosto de 2007