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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Socialismo ou barbárie


Muitas pessoas com a melhor das intenções confiam em demasia na racionalidade do sistema. Crêem que da crise virão os ajustes (a palavra é exacta: é uma crença), como se existisse num sistema social algo para lá da vontade dos agentes. Contudo, no topo da pirâmide encontram-se tipos que, por crença e ideologia (os "liberais") ou por puro interesse (estes sem dúvida a maioria), defendem que a conjugação das vontades egoístas origina o "equilíbrio", e que esse egoísmo é o que de mais justo e "livre" existe. Isto, seja também uma crença ou puro cinismo, mesmo que a realidade os desminta a todo o passo. Objectam-nos com os indicadores como a esperança média de vida, a taxa de mortalidade infantil, lembram-nos a democracia que parece estender-se inexoravelmente, esta internet que nos põe todos em comunicação... Sobre isto, primeiro notar que só o facto de estarmos inevitavelmente condenados ao nosso ponto de vista nos impede de entender que outros locais há em que estes indicadores estão agora muito pior que antes; e mais importante que isso: não basta dizer que se progrediu, que a esperança média de vida aumentou; é preciso entender 1- em que direcção se progrediu e 2- quais as condições objectivas que proporcionaram essa progressão. Se tempos houve em que se alargou a riqueza e o poder político para a base, e isto não por nenhuma racionalidade intrínseca ao sistema, mas porque a base o exigiu e conquistou, tempos em que "consciência de classe" não era um conceito demodé, hoje em dia vivemos tempos de sinal contrário: a riqueza e o poder concentram-se cada vez mais numa super-casta superior. Objectivamente, o capitalismo está-se a transformar num capitalismo de casta. Isto, além de ser algo que deve ser combatido por motivos éticos e políticos, e também por motivos de interesse de classe, causa perigos enormes à própria sobrevivência do sistema, porque, pasme-se, o sistema é na verdade completamente irracional, já que assenta na ideia imbecil de que o egoísmo descontrolado origina o equilíbrio.
Uma questão adicional é a da crescente complexidade do sistema. Isto é um problema porque nos levou a um paradigma em que dificilmente se encontra maneira de introduzir racionalidade no sistema: os estados já não o controlam, nem as instituições internacionais ou os bancos centrais; e os que efectivamente detêm o poder, ou não tem o mínimo interesse em alterar seja o que for, ou estão eles mesmos enredados numa teia sistemática. Portanto, no preciso momento em que dispomos das ferramentas mais poderosas da História para modificar os equilíbrios sociais em direcção a uma maior humanização, democracia, bem-estar de todos os cidadãos, verificamos que elas de nada nos valerão se não tivermos a noção clara de que é necessário alterar profundamente o paradigma, e que para isto acontecer dependemos exclusivamente de nós; o sistema não se regenerará espontaneamente, como na ilusão "liberal", nem o topo da pirâmide fará o que for para alterar as coisas. Aquilo que é necessário, como recuperar conceitos como os de "propriedade social", "utilidade pública", "interesse comum", só acontecerá se nós, como agentes da História, forçarmos a mudança. A frase de Marx (a propósito: pode-se olhar para Marx sem preconceitos?), "socialismo ou barbárie", define a encruzilhada destes tempos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Por detrás do discurso de Passos Coelho

Ouvi há pouco Passos Coelho na tv (não tenho link porque não consegui encontrar as declarações ainda reproduzidas on-line) dizer isto: que a sua proposta de revisão constitucional permitia separar o PSD da Esquerda porque, "a Esquerda quer que ricos e pobres paguem o estado social por igual, enquanto nós queremos que os ricos paguem mais que os pobres". Esta afirmação é uma despudorada mentira, mas também uma que necessita de descodificação. É mentira porque qualquer um de nós sabe que em Portugal os impostos são progressivos, o que significa que os ricos contribuem muito mais que os pobres. Qual é o discurso que este tipo de afirmações pretende inaugurar? Com ele se prepara o caminho para o projecto neoliberal em Portugal: impostos iguais para todos (a famigerada "taxa única"), e depois que os serviços sejam pagos por todos (os "ricos"), com isenções para "os pobres". Atentem: qual a diferença que resulta esta mudança de paradigma? Os ricos hoje em dia já pagam para a educação, a saúde, para o seu transporte e essas coisas todas. Utilizam hospitais privados, escolas privadas, deslocam-se de carro. Uma "taxa única", para eles, é uma maneira de pagar menos impostos. Para a "classe média", ou seja, os quasepobres que constituem a enorme maioria dos portugueses, isso significa essencialmente pagar por serviços que agora são gratuitos ou tão baratos que quase. Alguém imagina o que custam, ao "preço do mercado", hospitais, escolas, transportes? Quanto teríamos de pagar por eles, e quanta "racionalização" seria precisa nos seus serviços, para serem rentáveis? Já me ouviram dizer isto: com Passos Coelho a geração dos jovens turcos "liberais" está a chegar ao poder.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O perigo de usar hipérboles

Já tinha publicado uma leitura recomendadíssima, o que dizer deste post lapidar do Daniel Oliveira? Talvez que é tão certeiro que não há alternativa a publicá-lo aqui na integra.

Não vivemos acima das nossas possibilidades



Segundo um estudo realizado por sociólogos do ISCTE, vinte por cento dos portugueses estão abaixo do limiar de pobreza. Ou seja, não conseguem garantir o mínimo das necessidades familiares. Se não fossem as ajudas do Estado este número passaria para os 40%.
31% das famílias estão no escalão imediatamente acima do limiar de pobreza – ganham entre 379 e 799 euros. 21% não têm qualquer margem para qualquer despesa inesperada. 12% não conseguem comprar os medicamentos que precisam. Muitos deles, apesar de terem mais qualificações do que os seus pais, vivem pior do que eles. 35% vivem confrontadas com situações frequentes de escassez, o que inclui a impossibilidade de aquecer a casa ou de usufruir de baixas médicas para não perder rendimentos. 57% vivem com um orçamento familiar abaixo dos 900 euros.
Este povo pobre desconfia dos outros, desconfia do poder (70%), não está satisfeito com as suas condições de vida mas, extraordinariamente, considera-se feliz. Mais de um terço dos insatisfeitos diz que nada faz para mudar de emprego, 63% recusa a possibilidade de emigrar e apenas uma minoria diz que deseja voltar a estudar.
Este estudo diz-nos duas coisas.
A primeira é evidente para quem conheça o País: os portugueses não vivem acima das suas possibilidades. Vivem abaixo delas. Há uma minoria, isso sim, que garante para si a quase totalidade dos recursos públicos e privados. Somos, como se sabe, o País mais desigual da Europa. Temos dos gestores mais bem pagos e os trabalhadores que menos recebem. Somos desiguais na distribuição do salário, do conhecimento, da saúde, da justiça. E essa desigualdade é o nosso problema estrutural. É esse o nosso défice. Ele cria problemas económicos – deixando de fora do mercado interno uma imensa massa de pessoas -, orçamentais – deixando muitos excluídos dependentes do apoio do Estado -, sociais, culturais e políticos.
A segunda tem a ver com isto mesmo: a pobreza estrutural não leva à revolta. Dela não resulta exigência. Provoca desespero e resignação. Resignação com a sua própria vida, resignação com a desigualdade e resignação com a incompetência dos poderes públicos. A pobreza não apela ao risco. Não ajuda à acção. O atraso apenas promove o atraso.
Nos últimos 25 anos entraram em Portugal rios de fundos europeus. Aconteceu com eles o que aconteceu com todas as oportunidades que Portugal teve nos últimos séculos. Desde o ouro do Brasil, passando pelo condicionalismo industrial do Estado Novo e acabando nos fundos europeus, nos processos de privatização para amigos e no desperdício em obras públicas entregues a quem tem boas agendas de contactos, que temos uma elite económica que vive do dinheiro fácil, do orçamento público e da desigualdade na distribuição de recursos. Essa mesma que, em tempo de crise, o que pede éredução do salário e despedimento fácil.
Repito: os portugueses não vivem acima das suas possibilidades. Apenas vivem num País onde as possibilidades nunca lhes tocam à porta. O nosso problema é político. É o de uma economia parasitária de um Estado sequestrado por uma minoria que não inova, não produz e não distribui. De um Estado e de um tecido empresarial onde os actores se confundem. De um regime pouco democrático e nada igualitário. E de um povo que se habituou a viver assim. De tal forma resignado que aceita sem revolta que essa mesma elite lhe diga que ele, mesmo sendo pobre, tem mais do que devia.

No Arrastão.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Pérolas da blogosfera "liberal": um post que se desmente a si mesmo

Num post em que defende (mais) uma estranha teoria, a de que os meios de comunicação social não noticiarão mortes de portugueses emigrantes na África do Sul, Helena Matos faz um link para uma notícia de um jornal diário sobre a morte de um português emigrante na África do Sul.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

sexta-feira, 21 de março de 2008

5 anos

Perco demasiado do meu tempo a ler blogues de direita. É um exercício quase cristão,de sofrimento por tanta falta de racionalidade junta.
Quando li estes posts, não tive remédio senão rir-me. Afinal, esta gente diz que o perigo era Saddam, que o mundo corria perigo. O mundo hoje, dizem eles, corre menos perigos. Morreram 150 a 600 mil pessoas, mas isso são danos colaterais que não devem ser muito importantes. Mais, dizem que agora é fácil - com os números na mão - refilar. Claro, só o Professor Karamba é que advinhava que numa guerra morre muita gente. Pelos vistos, Paulo Tunhas não o conseguiria fazer: "Hoje, com tantos cadáveres às costas, e vários erros trágicos evitáveis, é da praxe dizer que não."
É, de facto, perder tempo. Porque esta gente finge-se mais estúpida do que é (e, em alguns casos, é uma proeza extraordinária). Esta gente sabe muito bem que estas guerras têm um interesse económico claro e só a defendem porque isso favorece este sistema que as beneficia. O resto é conversa.
Mas fica uma lembrança e um aviso: o nosso país é invasor do Iraque. O nosso governo patrocinou a chacina que ainda lá corre. Ora, se o meu país fosse invadido (mesmo com este cretino no governo) e me matassem a família, acho perfeitamente lícito responder. Aliás, a resistência francesa foi isso: resistiu-se a um país invasor. Portanto, se um dia um destes atrasados mentais estiver a andar de metro e explodir uma bomba, tenham a bondade de não perguntar "Porquê?". É a consequência de uma guerra que aprovaram.
Podem agora chamar-me nomes e exultar com a extrema esquerda e com a sua violência. Violentos são vocês, seus filhos de uma grande puta (Ai, tão malcriado que ele é! Vão-se foder, seus cabrões! Mais vale ser filho da puta e aprovar que uma guerra onde há gente a morrer do que dizer "filho da puta"?).
Há gente que morre pelo sistema que vocês defendem, há guerras para sustentar o santificado mercado. Isto é responsabilidade vossa.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Depois da idiotice, a ignorância enquanto ponto de vista

O João Luís Pinto acha que uma mluher que engravide contra a sua própria vontade só pode ser negligente.
Passo a explicar que uma mulher que tome a pílula sempre sem falhar tem uma probabilidade de 0,1-1% de engravidar (nos sites mais leigos é mais ou menos isto que vem. Ou seja, em mil mulheres plenamente capaz, que tomam regularmente a pílula, de uma a dez podem engravidar. O senhor João Luís Pinto, como é uma pessoa nobre, acha que estas mulheres devem ter o filho contra a sua vontade porque o senhor João Luís Pinto não quer pagar os seus abortos. Prefere assim, empurrá-las para a ilegalidade, para os riscos de infertilidade, infecção e morte.
A minha pergunta a esta gente é esta: quanto custa uma mulher? Quanto é que é muito? O que é pagar muito para uma mulher não ter os riscos? A mulher, a filha, a prima, a amiga do senhor João Luís Pinto tem preço? Gostaríamos de saber quanto.
Outra e outra vez, lembro que esta gente está relacionada com os sectores que não querem educação sexual nas escolas, e são as pessoas que querem gente com menos do ordenado mínimo (condições - como todos sabemos, ideais para uma educação sexual segura e infalível).

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Um saboroso fracasso


Declaração de intenções: sou angolano.

Esta "cimeira" foi uma grande vitória para nós, africanos. Em primeiro lugar, e talvez pela primeira vez, os poucos líderes democraticos no nosso continente deram de si. Fizeram-se ver. O Abdoulaye Wade, presidente do Senegal e meu novo herói, fez-nos a todos o favor de abandonar a palhaçada prevista, os "Acordos de Parceria Económica". Esses "acordos" seriam, bem o sabemos, mais uma etapa desse percurso traçado em Lomé e Cotonou, isto é, o caminho do neo-colonialismo, e mais uma vez, qual ironia macabra, ratificados por quem nós próprios africanos temos a infelicidade de nos representar. Ou seja, o "livre comércio" unilateral: a destruição das possibilidades de criação de uma economia minimamente sustentável, a pura importação dos produtos em troca da exportação das matérias-primas, como sempre com as mais-valias delas a escaparem-se por entre os nossos dedos e a fugirem para as contas astronómicas das "empresas civilizadas". Alguém lhe escapa a equação? Quando se diz "neo-colonialismo" não é por capricho.

Pois bem: ao contrário do que se possa supor lendo os títulos dos jornais, finalmente uma cimeira UE-África foi um fracasso, e graças à resistência de poucos líderes africanos, desta vez, curiosamente?, democratas. Agora restará uma dúvida nas cabeças bem pensantes, "liberais", "democratas" e etc. aqui na nossa Europa: porque é que são os ditadores africanos que anseiam pelas "receitas de liberdade" do "mercado livre", e porque é que os poucos democratas africanos as rejeitam.

Ficará para a consideração "teórica" entre o valor da "democracia" e do "mercado", e muito bem comparado com a "questão do Pinochet".

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Venezuela hoy

A Venezuela é, hoje por hoje, uma das questões essenciais no debate político à Esquerda. Eu diria mesmo a questão essencial, onde se revelam velhas e novas fracturas. De facto, o programa chavista, ao contrário de outros, nada tem de inócuo: é um programa "socialista" (nacionalização dos grandes meios de produção, redução do horário laboral, redistribuição generalizada da riqueza, por exemplo). Mas é também um programa aplicado verticalmente, do topo para a base, e baseado numa figura populista e com laivos autoritários (o que não é o mesmo que ditatoriais, como se sabe – e temos cá no burgo um "socialista" que nos comprova isso mesmo). No posicionamento perante Chavez, e tomando em conta estes aspectos complementares, revelam-se as velhas e as novas linhas do pensamento político à Esquerda.
Chavez perdeu um referendo em que eu, provavelmente, votaria contra, mas não festejaria a vitória. No geral, aprecio a constituição chavista de 1999, mas este projecto tem algo que por si só me repele: a possibilidade de eleição ad eternum do presidente. Contudo, aprecio menos ainda a oposição venezuelana que hoje canta vitória, que corresponde em termos políticos aos tradicionais caudilhos sul-americanos que fizeram da corrupção generalizada sistema, e em termos sociais às classes privilegiadas que temem perder o estatuto. Esses, que todos os dias se queixam do caminho chavista para a ditadura (mas que se queixam nos media sem que alguém os incomode), não foram, ao contrário de Chavez, capazes de reconhecer uma única das suas derrotas. É natural: não estavam habituados a algo mais que a "saudável alternância democrática" do pântano dos centrões. A Democracia, já se sabe, é uma ideia muito bonita, mas só quando nos convém. Também no nosso burgo, a Direita garante que a Venezuela está a caminho da Ditadura, e isto apesar de não existir um único preso político (ao contrário de Portugal onde, segundo a mesma Direita, há um, o Mário Machado), de a oposição dominar a generalidade dos media (mesmo que, na sua santa ingenuidade, a Casa Branca insista em afirmar que "não teve acesso às televisões"), e de o Presidente aceitar a derrota sem banhos de sangue ou demonstrações de força (ao contrário do que fez a oposição quando, eles mesmos, foram derrotados nas urnas e urdiram um golpe de estado contra um lider eleito). Os limites da Democracia terão, então, necessariamente de ser outros. Talvez sejam, precisamente, a nacionalização dos grandes meios de produção, a redução do horário laboral, ou redistribuição generalizada da riqueza, por exemplo. Daí que se possa concluir que a Democracia pode ser tudo, mas não pode ser Democracia Socialista. Isso já ultrapassa o admissível pelas boas consciências democráticas da Direita, seja ela "Conservadora" ou "Liberal".
Como escrevi neste blogue anteriormente, a América Latina é o grande laboratório das alternativas à Esquerda no século XXI. Não é por acaso que Chavez ou Morales são atacados, boicotados, difamados, de tal modo que, daqui a uns tempos, já a novilingua da "Direita Liberal" conseguiu fazer passar essa extraordinária asserção de que a Venezuela é uma "ditadura". Seria conveniente não cairmos nós próprios nessa esparrela.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Do espanto que ainda se vai tendo perante a desonestidade intelectual

É tema recorrente em conversas que tenho com alguns amigos o excessivo destaque que eles entendem que eu dou ao Insurgente: "ajudas a promover os gajos", "andas sempre à volta dos mesmos", etc. Eu costumo replicar que promovidos já eles estão, que um dia destes escrevem nos jornais, que é importante combater as suas ideias, porque são eles que, por mais "revolucionários" que digam ser, são os vencedores do sistema. Contudo, tenho de admitir que começo a duvidar de alguns destes postulados. Dou por mim a pensar se o brilhantismo intelectual que lhes atribuí não foi empolado pelo espalhafato com que apresentam determinadas referências ciêntificas que, confesso, me são algo desconhecidas (a minha área não é a Economia, mas a Filosofia). Mas acima de tudo, desconfio agora da utilidade de entrar em debate com quem utiliza com método primordial o terrorismo intelectual.
Mesmo assim, não resisto (ai a fraqueza humana), a elucidar o "Migas" do seguinte: não é verdade que "um pobre não pode ser liberal porque isso vai contra o seu desejo natural de ter para si o que é de outrém". Nem sequer é verdade que "um pobre não possa ser liberal"; simplesmente, é um facto que, na sua grande maioria, não o são. E não são, não porque desejem "o que é de outrém", mas porque, na imensa sabedoria prática que a vida os obrigou a ter, o que eles desejam é o que é seu, e que lhes é roubado todos os dias: o valor do seu trabalho e a dignidade humana que, muito justamente, julgam ser seu direito.
Também a propósito do título deste blogue que o "Migas" diz que eu "escolhi", só a pura desonestidade intelectual pode ver na referência que contém ao 1984 de Orwell o elogio da "opressão do totalitarismo sobre o indivíduo", e não o contrário. Claro que se o "Migas" se preocupasse em ler o que por aqui se escreve, para lá da sua cegueira ideológica, era capaz de entender o que achamos dos totalitarismos de qualquer espécie, mas isso já era pedir demais. Há coisas que, simplesmente, não podem ser entendidas por determinados interlocutores.
Finalmente, é bem revelador que dos meus dez Aforimos Liberais, o que tenha provocado esta celeuma seja o primeiro: «É natural existirem pessoas mais ricas, e outras mais pobres. O facto de nós, que o dizemos, pertencermos às mais ricas, é uma circunstância da vida que em nada nos afecta a clarividência de o dizer». Esclarecedor. Continuo à espera que os insurgentes me respondam se conhecem algum pobre que seja "liberal". Até lá, encontro-me em reflexão sobre a necessidade e utilidade de dar troco a este tipo de gente.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Aforismos liberais (epílogo)

Com a publicação do décimo da série, encerramos os Aforismos Liberais. Esta exaustiva pesquisa de síntese deixa-nos com uma verdadeira cartilha, algo como os Dez Mandamentos do Novo Liberalismo. Que relembramos, agora compilados, como memória futura e guia de acção das novas gerações, para que se possa, enfim, concretizar a revolução "liberal", que nos promete, todos os dias, o Sol na Terra. Só uma nota: se algo aqui parecer contraditório, é tão só por desconhecimento da fonte - significa apenas que não se estuda com afinco o que todos os dias se publica por aí, em blogues "liberais". Eis os ensinamentos da Luz:

1 - É natural existirem pessoas mais ricas, e outras mais pobres. O facto de nós, que o dizemos, pertencermos às mais ricas, é uma circunstância da vida que em nada nos afecta a clarividência de o dizer.

2- Os socialistas enganaram o povo com ilusões de igualdade através de revoluções. Já nós, não vendemos nenhuma banha da cobra quando prometemos a prosperidade para todos dentro deste sistema.

3- O tipo de sistema em que vivemos é o socialismo.

4- Salazar pode, em certos aspectos, ser considerado um liberal.

5- O liberalismo não é a favor nem contra a democracia, ou seja, não é a favor nem contra a ditadura, porque para o liberalismo o que interessa é que o mercado funcione. O mercado irá gerar riqueza, e isso é mais importante que vivermos em democracia ou em ditadura.

6- Se analisarmos a fundo, vemos que o interesse do produtor é o mesmo que o do intermediário e o do consumidor. Idem para os patrões e os trabalhadores.

7- Os gestores e administradores põem sempre os interesses da empresa acima dos seus interesses pessoais, de outro modo são, mais cedo ou mais tarde, postos de lado pelo mercado.

8- Qualquer problema económico, em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias, deve-se sempre à falta de liberalismo.

9- Todos os cidadãos escolhem livremente. Não há assimetria de informação. Nenhuma escolha num mercado livre é condicionada. A informação que existe é aquela que os agentes do mercado, livremente, decidem transmitir. Logo, é livre. Deste modo, todas as escolhas são informadas, visto que a ausência de informação pode ser, neste sentido, considerada um incremento de informação.

10- O mundo é tal e qual como se vê.

sábado, 3 de novembro de 2007

As mentiras do ranking

A secretária é um local perigoso para se observar o mundo. John Le Carré

Iniciou-se na sociedade portuguesa o debate acerca do ensino público e privado, a propósito dos rankings dos exames. Na mesma linha de implementação do RJIES e da liberalização de todos os valores que o Tratado de Lisboa abriu, começou a campanha de destruição do ensino público.
Vem aí a escola - empresa. Aprender é muito lindo, tudo bem, mas o mundo não está para estas bizarrias e é muito mais lindo se for lucrativo. Tudo pode ser rentável. E se não for, não somos livres. É a liberdade dos liberais. Se não lhes deixarmos por um preço na educação (quanto custa educar os nossos irmãos, filhos e amigos?) estamos a cortar-lhes a "liberdade" (confundir liberdade com liberalização é como confundir germano com género humano).
Sabemos então pelo Público (sem link, lamento) que 17 das 20 primeiras posições no rdos exames das escolas secundárias são de escolas privadas.
Os "liberais", ora inocentes ora mentirosos, atiram-nos com certeza perturbadora: o privado é melhor que o público. Quantas mentiras há nesta frase?
O que se está a sugerir quando se diz que o privado é melhor que o público é que se puséssemos os meninos e meninas lusos em escolas privadas estes tornar-se-iam, como por magia, alunos fantásticos. Portugal desbravaria caminho, o choque tecnológico não seria necessário, o sucesso é já ali.
Há um pequeno pormaior: leio também n`"O Público" que o colégio melhor classificado foi o Externato As Descobertas (não faço ideia se também aqui se mantêm a mroal e os bons costumes e se separam os meninos e as meninas, porque o que precisamos na universidade é de mais virgens ressabiados e insurgentes) que tem uma mensalidade de 355 euros. Penso que para um país com 2 milhões de pobres, talvez seja apertada a entrada, mas estou certo que os liberais pensaram numa solução qualquer para um agregado familiar com o rendimento mínimo e um só filho possa viver com 200 euros por mês. Longe de mim pensar que a sua cegueira chegaria ao ponto de afastar alguma parte da população portuguesa dos ditos colégios. Ora, mesmo engolindo a mentira que esta escola é melhor independentemente dos alunos que lá pusessem, a solução é bastante simples: só temos de ter todos os portugueses ricos e pronto. Têm todos dinheiro para pagar ao colégio e aí vamos nós para o progresso. O que os "liberais" não dizem é que tal é impossível, porque o sagrado mercado que tanto defendem não o permite e obriga a que haja uma maioria de pobres para sustentar uma minoria que possa por os filhos (cheios de mérito por nascerem em boas famílias) em boas escolas.
Desmentindo agora o óbvio (porque para argumentos simplistas, contra argumentos simples): é óbvio que a interpretação destes rankings não pode ser feita à secretária, descontextualizada. Le Carré bem o diz que tal é perigoso. As escolas com melhores notas são escolas com meninos com condições em casa, sem problemas sociais ou até num estatuto tal que nem sabem o que são problemas sociais. Toda a vida tive boas notas e não foi por estar no privado, nem por a minha escola ser espectacular ou eu um génio como Cunhal. O que se passou é que sou filho de pais de classe média alta que sempre tiveram dinheiro para eu ter condições em casa, poder ter livros e viagens para me cultivar.
Não querer ver esta associação primária é próprio da idiotice direitosa de quem de tanto usar a lógica da batata ficou com a inteligência de uma batata.
Comparar resultados das escolas públicas e privadas descontextualizando é um absurdo e uma mentira de uma desonestidade intelectual fantástica. Comparar colégios com alunos de classes sociais altas, onde os que tiram más notas são convidados a sair, com escolas públicas onde há um retrato de um país arrasado pelo centrão dominante desde o 25 de Abril e pelos neo - liberais é de uma estupidez formidável.
Mais: a mercantilização da escola é um passo fulgurante para uma sociedade cada vez mais desumanizada, vendida ao mercado e ao capital, emaranhada na sua esquizofrenia burguesa e nas suas bestas sábias (expressão de Garcia Lorca para designar os técnicos altamente competentes sem a mínima noção da vida e das pessoas que o rodeiam. O mesmo Lorca que foi assassinado pelos fascistas pela sua ideologia.). A escola como produto, sujeita às leis do mercado é absurda. E a explicação é o próprio absurdo da lei do mercado. Os privados só entram num negócio com um objectivo: lucro. Tudo o resto é secundário. Não há interesses da população a defender se não derem lucro. E há quem nos queira convencer que uma escola virada para o lucro e para os interesses dos accionistas e empresários é melhor que uma escola que tem como primeiro interesse a formação profissional e humana dos estudantes. Melhor para quem? Para os accionistas?
Será mesmo preciso dizer o óbvio? Num ensino cada vez mais privatizado, haverá uma maioria de pessoas que deixará de ter acesso à educação para (ainda maior) benefício de uma minoria de privilegiados?
No dia em que essa maioria perceber que está a ser enganada, cá estará ela para pedir contas a estes que a enganam com a liberdade da liberalização. E aí, espero que sejam tão impiedosos como a lei do mercado.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Na mouche

Há poucos a escrever com a clareza, acuidade e lucidez do Rui Tavares. Hoje, no Público, eis mais um artigo de última página que, perdoar-me-ão o entusiasmo, diz tudo:

A Caixa Negra

«Há um ano e meio soube-se que o BCP dedicava quase noventa por cento dos gastos com pessoal aos salários dos administradores. Esses executivos absorviam quase dez por cento dos lucros do banco, eram os mais bem pagos em Portugal e estavam acima da média europeia.
Como é habitual, houve quem respondesse que este era um assunto da vida interna da empresa e que se os salários dos executivos eram altos isso se devia às leis do mercado. Só no ano de 2004 os administradores do BCP dividiram entre si mais de 30 milhões de euros: mas isso sucedia porque eram bons gestores e os lucros do banco o justificavam.
Sabemos hoje que nesse mesmo ano de 2004 o BCP perdoou ao filho do seu fundador uma dívida de 12 milhões de euros em juros de empréstimos. E que, noutra ocasião, perdoou quinze milhões respeitantes a um empréstimo contraído por um seu accionista de referência para comprar acções do próprio banco.
E sabemo-lo porque a excelência dos seus administradores e grandes accionistas, apesar de bem remunerada, não os impediu de entrar em guerras intestinas que já minaram a credibilidade do maior banco privado português.
Os crentes no sistema voltarão a dizer que o dinheiro é do banco, que um banco pode perdoar dívidas a quem quiser e que se trata de assuntos privados de um banco privado. O BCP dá lucro e tem folga para estas coisas.
Quando assim é, o discurso dos crentes aproxima-se da feitiçaria. Se os milhares de funcionários de um banco pedirem aumentos, dir-se-á que o banco perde competitividade. Se um cliente não pagar a prestação do empréstimo, o banco fica-lhe com a casa. Se o estado quiser aumentar os impostos sobre os lucros da banca, responde-se que os prejudicados serão os clientes com os gastos que o banco terá de ir buscar “a algum lado”. Mas para aumentar executivos e perdoar dívidas a familiares ou sócios, as premissas são as opostas. Os lucros dão margem e ninguém sai prejudicado: nem os accionistas, nem os clientes do banco, nem os clientes de todos os bancos onde as comadres não se zangaram mas que passam a estar sob as suspeitas que no BCP se confirmaram.
É magia. E por isso mesmo, não funciona.

O discurso empresarialista criou a ideia de que a empresa deve ser uma caixa negra. A eficiência do sistema depende do estado não intervir. Pessoas que se preocupam com os abusos de poder e a falta de transparência dos estados (legitimamente) deram carta branca às empresas, nomeadamente às grandes. A única obrigação das empresas, diz-se, é dar lucros aos seus accionistas: para tudo o mais são irresponsáveis. Mas hoje as empresas já pesam mais na vida de cada um do que os estados: são elas que nos dizem quando podemos sair de casa dos pais, quando podemos ter filhos, quando já não precisam de nós. As empresas agora têm “direitos”; até mais do que os cidadãos.
Há duas gerações, a ideologia desenvolvimentista dominava com um discurso baseado na acção do estado e nas indústrias pesadas. Entretanto, o barco virou e a nova ideologia dominante garantiu-nos que não há instituição mais eficaz do que a empresa. Quantas vezes ouvimos políticos prometer que iriam gerir a cidade ou o país “como uma empresa”? A empresa foi modelo de tudo, solução para tudo. A fantasia ainda não acabou. Mas a ressaca vai ser dura.»

terça-feira, 16 de outubro de 2007

O PSD e a constituição (3)

Pedro Mexia, um homem de outra Direita que não a dos "liberais", sobre a proposta de Menezes:

Não precisamos de uma nova Constituição

De quando em vez alguém propõe uma nova Constituição. Ou seja, um novo regime. São os descontentes com a Terceira República e os proponentes de uma Quarta. Mas acumular Repúblicas nunca deu grandes resultados. Os nossos vanguardistas constitucionais acreditam que as fraquezas do regime (partidocracia, corrupção, caciquismo, etc) caducam automaticamente com a elaboração de um novo texto. Acontece que tais fraquezas são intrínsecas à democracia e não se resolvem por decreto constitucional.
O recém-eleito presidente do PSD propõs há dias uma nova Constituição. Não apenas mais uma revisão: um texto novo. A proposta obviamente não tem votos, como nunca terá nenhuma proposta semelhante. Mas, além disso, é também uma proposta leviana. Não precisamos de uma nova Constituição.
Não precisamos de uma nova Constituição porque esta é a Constituição saída do 25 de Abril. Há quem compreensivelmente não goste disso, quem preferisse desligar o documento da data, quem ache que a democracia podia ter vindo de outra maneira. História virtual é história virtual. A democracia aconteceu com o processo iniciado a 25 de Abril de 1974 e depois concretizado na eleição de uma assembleia constituinte, a aprovação de uma constituição e a realização de eleições legislativas e presidenciais. Houve momentos em que a democracia esteve em perigo: mas a Constituição foi aprovada a 2 de Abril de 1976, ou seja, depois do 25 de Novembro ter corrigido os devaneios RDA da revolução.
É evidente que o texto originário estava impregnado de linguagem e objectivos socialistas. Mas em 76 todos os partidos falavam em «socialismo». A verdade é que os aspectos fundamentais de uma sociedade democrática apareciam consagrados logo no texto inicial: liberdade de expressão e associação, eleições livres, independência dos poderes, checks and balances, etc.
As sucessivas revisões do texto consagraram a normalidade democrática. Em 1982, com a extinção do Conselho da Revolução, que exercia uma tutela já serôdia sobre o poder democraticamente eleito. Em 1989, com a garantia da liberdade económica, contra o espartilho estatista. E depois disso houve pequenos ajustes, nomeadamente em matéria de integração europeia.
A Constituição de 1976 na sua versão original era uma constituição democrática socialista. A Constituição de 1976 na sua versão actual quase não tem sombra de socialismo, mesmo na linguagem. Há vestígios esclorosados que precisam de retoques, como o número 2 do artigo 7º, que fala em «colonialismo» e «blocos político-militares». E pouco mais. A dimensão política da Constituição não põe entraves ao regular funcionamento de democracia portuguesa. Nem se vê onde estejam tais entraves na dimensão económica.
A única matéria que se afigura discutível é a dimensão institucional. Ou seja, é possível que haja quem queira alterar a natureza do regime. Sejamos claros: há quem pretenda o presidencialismo. Se é esse o caso, mais vale assumir tal proposta com clareza. E cá estaremos para lembrar os defeitos do presidencialismo, os desvios cesaristas, os conflitos com o governo, e o mais que os manuais registam.
Se é isso, conversaremos em devido tempo. Se não é isso, é pólvora seca.

O PSD e a constituição (2)

Em mais um dos seus editoriais no Público (sem link directo, como sabem, mas podem procurá-lo através do site, em "edição impressa"), José Manuel Fernandes brinda-nos com outro dos seus excelsos momentos que gosto de designar como o género "cortina de fumo". A táctica é, através de uma pretensa neutralidade, um apelo ao eficientismo, e uma generosa vontade de "tratar dos problemas do país", mascarar a ideologia que sempre lhe subjaz. Desta vez, a propósito da "nova constituição", proposta por Menezes, JMF não faz por menos que propôr a refundação da República. Acabar com a terceira, e passar à quarta, essa que, por decreto refundador, irá finalmente combater as razões de todos os nossos males nacionais.
Claro que não se limita a defender uma "Quarta República" assim sem mais, não vamos nós supor que, num movimento de regressão à juventude, ande agora a defender suloções chavistas. Também nos indica alguns dos caminhos que, no seu entender, a devem nortear. Mas o que é curioso, é que todas as suas soluções são apresentadas como óbvias, evidentes, empíricas, quase obrigatórias. Essa refundação deverá «enfrentar os problemas que o actual regime nos coloca». Claro que todos esses problemas tem uma raiz nos preâmbulos e artigos "socialistas" que a actual constituição ainda mantém: o direito a uma educação "progressivamente gratuita" ou a uma saúde "tendencialmente gratuita" (olha que grande socialismo que isto é). Mas o mais curioso é que o próprio JMF, imediatamente a seguir, argumenta com o facto de que estes artigos, tão lesivos do nosso progresso, «não estão a ser cumpridos: arranjou-se sim artifícios para que as leis de que o país necessitava passassem no Tribunal Constitucional». Ah!, mas não é Portugal um país de regime socialista? É. Mas pode-se praticar o contrário? Pode. Isso não é uma contradição? Pschhht!!! Daí que, na sua lógica imparável, JMF se questione candidamente sobre se, «apenas por uma atitude de bom senso [a constituição] não deve ser reinventada».
Sejamos claros: JMF tem todo o direito de defender uma mudança de regime ou uma nova constituição, devia era ter a honestidade intelectual de não se refugiar em argumentos de practicidade e assumir as suas opções ideológicas. Porque o faz, não é difícil de adivinhar: dificilmente se encontrará matéria que una tão fortemente as esquerdas como a defesa da actual constituição, daí que seja tacticamente preferível, para consumo externo, fazer de conta que tudo não passa de uma inócua "actualização"; no mesmo editorial em que, para consumo interno, se assume a causa como decisiva para o futuro do País. Mas não tenhamos receio, aliás, venham daí essas propostas "revolucionárias" de mudança, que nós, na Esquerda, estamos a precisar como pão para a boca de uma causa comum, que idealistas como JMF e oportunistas como Menezes nos vão oferecer de bandeja.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Arroja e as abelhas

Pedro Arroja não é aquele avô salazarista que está sempre a pregar aos netos que os comunistas comem criancinhas. Pedro Arroja escreve com uma moderação que deixa qualquer um engasgado quando nos focamos no conteúdo.
Vejamos, há uma profundidade científica nos posts, uma análise que, para o mais incauto, parece ser um programa científico, fundamentado em premissas já diversas vezes confirmadas, inclusive com exemplos animais. Ficamos todos a saber que "Chamar os pais, como pretendem certas teorias modernas da educação, a desempenhar nos cuidados e na educação dos filhos" é um erro, porque nas abelhas as coisas não se passam bem assim e os machos são usados para fins meramente sexuais. Uma comparação plena de eficácia e altamente sustentada, porque as abelhas são um animal e nós também. Há umas leves diferenças que me estão ocorrer, mas não interessam nada para o caso.
Mas é isso que é belo no blog de Arroja: a modernidade. Não há aqui cheiro a bolor, é tudo inovador, quase revolucionário. O autor apresenta-se como um Messias que nos vem corrigir os erros da nossa famigerada professora de História (porque o ensino de hoje é claramente socialista. Os russos ganharam a guerra fria e foram tão inteligentes que nos convenceram do contrário.).
Arroja não está atrasado no tempo, como costumamos pensar sobre os apoiantes de Salazar. Arroja está à frente, numa fase de surrealismo mágico em que até as regras da lógica são esquecidas. Observemos:
1.[acerca de Salazar] "Mas aquilo que ressalta em todos os seus escritos é a preocupação permanente em conhecer o carácter português"
2. [no meio de algumas qualidades lusas, conseguimos aprender também que...] "o português (...) é pouco aplicado ao trabalho e ao estudo (...), incapaz de chegar a um consenso mesmo com o seu vizinho do lado. (...) mas depois falta-lhe a vontade e a perseverança para executar as ideias e os projectos que ele próprio concebeu."
3. [no entanto, o que é que torna o Estado Novo único?] "O Estado Novo foi um regime político diferente de todos os outros, genuínamente português"
Aqui, as pessoas que tiveram lógica no ensino secundário e que a usam enquanto ferramenta pensam: mas então... o Estado Novo foi bom?
Ao que Arroja responde, com uma argúcia fantástica: " O Estado Novo levou Portugal da 70ª ou 50ª posição no mundo para a 24ª. Hoje, nos seus grandes princípios, levá-lo-ia provavelmente para a primeira. "
Este estado supra-sumo de uma pessoa calma, que escreve sem irritações ou ataques e vê acima de todos nós é, no mínimo, refrescante.
Aqui, porque a dúvida nos assalta e o gosto pela discussão nos leva a querer saber mais, enveredamos pelo perigoso caminho da opinião de Arroja sobre o Estado Novo. O desconhecido mete medo, já o sabemos. Mas a escrita iluminada de Arroja é uma pedrada no charco.
Quais são as chaves do sucesso do Estado Novo? e Arroja arranca. Há o pormaior de o sucesso do Estado Novo ser já uma premissa da discussão. O mais distraído poderá começar a questionar a taxa de analfabetismo, o colonialismo, a censura política e essas histórias da carochinha. Mas dado que há pouco Arroja previu - com uma firmeza que nem o Professor Karamba pode permitir aos seus clientes - que Portugal estaria no topo do mundo não fosse aqueles sacanas do 25 de Abril, já nenhum de nós pode voltar atrás.
"a democracia é restrita - só votam os (as) chefes de família." - mais uma frase que nem necessita de explicação. Suponho que nas abelhas também só votem as fêmeas. (nota-um-bocado-depois-de-ter-postado: reparem que Arroja está num ponto tão elevado que não se prende com o óbvio. Para mim o primeiro argumento para a democracia ser restrita era o facto de estar sempre o mesmo no poder. Mas Arroja vê mais longe.)
"...a aproximação, numa base de independência recíproca, entre o Estado e a Igreja. Existe liberdade de culto, mas a Igreja Católica é a religião tradicional dos portugueses." Ah, os bons ares da Igreja! A tradição é a tradição e isto nem se questiona. É uma coisa científica, a tradição. Se os portugueses sempre foram católicos, o Estado deve dar liberdade de culto, mas com um toque católico. Uma tendência, um empurrãozinho. Nada de especial (há uma independência recíproca), é só um acordo de cavalheiros. A moral e os bons costumes são para manter. E fico muito feliz pela modéstia do senhor Pedro Arroja, que aconselha uma religião a todos os seus compatriotas, não vá a malta escolher mal (ou o chefe de família por nós).
"Oitavo, a família como unidade natural da sociedade." - esta frase volta a esbarrar num dos mais poderosos argumentos de Arroja: o das abelhas. Eu cá, se tenho que ser natural porque a naturalidade é boa, gostava de poder educar os meus filhos e não ser um objecto sexual da minha mulher (as feministas tomaram conta do mundo e nós, homens, a ver futebol).
"Décimo-segundo, a autoridade pessoalizada, forte, proba e discreta do próprio Salazar - um exemplo para todos aqueles que serviam o Estado e, em última instância, para toda a sociedade. Ele estava lá para guardar a casa e para evitar que ela fosse deitada abaixo." - várias curiosidades: Salazar morreu solteiro e sem filhos (não era um pró - vida), o que não deixa de ser normal. Era um homem de bons costumes e cedo percebeu que se tivesse mulher era só para sexo e não quis. Ou porventura até queria educar os filhos, mas viu que isso era contra a tradição histórica da humanidade e não se deixou enganar. No entanto, era um exemplo. Mais, deixámos morrer o pastor que guardava as ovelhinhas e, se este era tão bom, vai ser difícil arranjar outro que nos ponha tão ordenadinhos (apesar de Sócrates, nesse campo, ser uma boa promessa).
Concluindo, em Arroja há um surrealismo contra-lógico, uma coisa mui moderna e especial, que selectivamente lembra acontecimentos históricos para chegar a uma conclusão que faz Nostradamus parecer a Maya: o Estado Novo colocar-nos-ia no topo do mundo.
Porventura não chegámos lá por não sermos chefes de família. Ou abelhas fêmeas.

Só uma perguntinha...

E este, pode-se chamar de fassista?

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Aforismos liberais (9)

Todos os cidadãos escolhem livremente. Não há assimetria de informação. Nenhuma escolha num mercado livre é condicionada. A informação que existe é aquela que os agentes do mercado, livremente, decidem transmitir. Logo, é livre. Deste modo, todas as escolhas são informadas, visto que a ausência de informação pode ser, neste sentido, considerada um incremento de informação.

Aforismos liberais (8)

Qualquer problema económico, em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias, deve-se sempre à falta de liberalismo.

(Duvidas? É ler os comentários do jcd ao aforismo anterior)