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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Correio Interno - Um balanço de 2011 (3)


André,

            A fé nos líderes, em Portugal, é um cimento estrutural, um betão armado pela comunidade para trepar no andaime do progresso, bem-estar e acepilhar o cartão de crédito no El Corte Inglés. Aqui “onde a terra se acaba e o mar começa e onde Febo repousa no oceano”, antes de o mar começar e mesmo que Febo ressone há lugares sagrados de fáceis acessibilidades – verniz moderno, culto, educado, da velha palavra “acessos”, de Sá de Miranda: “como eu vi correr pardaus / Por Cabeceiras de Basto, / Crescer em cercas, e em gasto / Vi por caminhos tão maus, / Tal trilha, e tamanho rasto” – lugares fortes de sacralidade que o povo “acessibiliza” num instante, chamados Estádios de Futebol. Neles o líder é o arquétipo do país. Gilberto Madaíl, um velhote savant de coisas da bola, sobre Paulo Bento, treinador da seleção nacional: “sempre me impressionou o seu carácter, a sua forma de liderança”. António-Pedro Vasconcelos, um velhote savant de coisas da bola, sobre o mesmo tópico ou temática: “é o meu seleccionador, pessoalmente, uma vez que sou comentador desportivo, dá direito a todo o meu apoio”.
Aquando da queda do Governo, os líderes rodopiaram como carrinhos de choque numa feira popular. Jorge Lacão, ministro dos Assuntos Parlamentares, balanceia: “todos acabaram de ver o que ocorreu agora na assembleia da República. Uma coligação negativa…”. “Coligação negativa”, será um ding-a-ling, um penduricalho, na boca socialista por umas semanas, para acomodar, no cérebro, o acontecimento traumático (partidário) da queda do Governo (da cor). Ainda em Abril, no XVIIº congresso do PS, se ouvia esta bonita expressão que no goto caíra.
Do lado da oposição fervia-se outro leite, líquido mais científico, dessa ciência, soubesse a Maya e dela teria linha de valor acrescentado para previsões, a Ciência Económica. A conceituada Manuela Ferreira Leite, que para o mundo quando seus lábios movem, moveu os lábios: “eeee não penso que o ponto essencial, neste momento, seja o que vai ser compreendido (pelo povo), aquilo que foi aqui bem dito, e expresso, é que eeeee o Governo perdeu a confiança, e isso está absolutamente traduzido diariamente na forma como os mercados reagem, a despeito de todas as medidas que têm ‘tado a ser tomadas”. E reforçou a viga do seu telhado económico: “os mercados não reagem a um Governo no qual não confiam”.
Passos Coelho, o líder da oposição, posiciona-se: “quero fazer uma brevíssima declaração para dizer ao país e aos portugueses, que a crise em que Portugal tem vivido, de há muito tempo a esta parte, será enfrentada com determinação por todos nós. Chegamos a um período em que os mercados não têm confiança em Portugal”. As duas entidades, país e portugueses, premiarão essa vontade de determinação com o cargo de primeiro-ministro. Outro líder do arco da governação, Paulo Portas também se posicionou: “Portugal tem que pagar o que deve; pôr a sua economia a funcionar; sanear as finanças públicas e evitar a exclusão dos mais desfavorecidos”, e os devedores, os patrões, os trabalhadores, os desfavorecidos premiar-lhe-ão com um cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros.
A revolução portuguesa não virá de mais um infante D. Henrique crente em rios de ouro na costa africana, nem de uns pastorinhos crentes numa azinheira coscuvilheira, nem de militares crentes nas Pandur, virá dos Estádios de Futebol. Deles virão baionetas nuas de cravos para enterrarem na chicha da mudança. Particular, em inocentes jovens, Raffaella Fico: “perdi a virgindade com Ronaldo”, e universal, em sábio povo: “em tempo de guerra todo o buraco é trincheira”. As eleições no Sporting, dia 26 de março, são um exemplo da polvorosa revolucionária que depredará o país se o “limite dos sacrifícios” for transbordado (ainda está muito longe). Houve cânticos de “Lopes Godinho vai pró cara%&” e porrada entre os fãs de Bruno Carvalho e os fãs de Lopes Godinho, vencera o candidato desvalorizado pelas sondagens. Bruno Carvalho, o líder derrotado, acalmava: “calma! calma, calma!! calma!! deixem-me … oiçam, oiçam, oiçam, oiçam, por favor, todos … nós estamos em cima das coisas, vamos ver o que é que se passou e eu explico…”. Foram todos para casa, xixi, cama, a panela de pressão descomprimiu, ele não explicou, mas foi um bom ensaio do poder de adunar dos líderes. Os mercados estão avisados, se continuarem a não ter confiança em Portugal.


Um abraço,  
Maturino Galvão  

P.S. - Isto afinal ainda não saiu do mês de março, e nem sequer passou pelos acontecimentos no mundo, e houve alguns muito importantes como o ataque de tusa de Strauss-Kahn e os pepinos espanhóis, veremos se tenho tempo para continuar.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Correio Interno - Um balanço de 2011 (2)


André,

            Estrabão descreveu os lusitanos como um povo que se alimentava de bolotas e, em 2011, a prole, completa uma volta de 360º. Depois de enfartar pezinhos dos porcos, mãozinhas das vacas, túbarozinhos dos carneiros, tenazezinhas das sapateiras, comerão outra vez bolotas, os lusitanos, se as houver. A cortadela “caldoverdológica”, (com rodelas de chouriço), – nome regional para o “corte epistemológico” de Bachelard –, a passagem de rico a não-rico, deu-se com um evento organizado na assembleia da República: o chumbo do PEC IV, e a sequente “crise política”, expressão hiperbólica para “queda do Governo”.
 Nesse dia rapava-se a comoção do ar com um salazar. Mário Soares publicara, no dia anterior, um ridículo artigo titulado “Um apelo angustiado”, de mãos postas rogando a interferência de Cavaco Silva para que “fitacolasse” o Governo ao poder. Manuela Ferreira Leite, que aprovara o PEC I, há um ano, quando ainda era timoneira do PSD, avança no dia da discussão do PEC IV para a primeira fila, senta-se ao lado direito de Miguel Macedo. Durante a legislatura sentara-se na última fila, junto de Pacheco Pereira, onde nesse dia abanca a moderna e bela Francisca Almeida.
O Governo entra enfatiotado às 15:09 horas e às 15:20 o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, expõe as suas razões, um ictio-bláblá em que faz previsões sobre o défice: “será reduzido para 3% e 2%, em 2012 e 2013, respetivamente”, e reage atontadiço ao pedido de mais uma conta para o povo pagar: “por isso, tenho enorme dificuldade em compreender e aceitar o discurso de que não são justificáveis mais sacrifícios. Esse é um discurso enganador (aplausos da bancada dos correligionários) e irresponsável (pausa e mais aplausos)”. Finadas as razões governamentais, Luís Montenegro, do PSD, desfralda o bláblá em nome da oposição: “queria começar por lhe dizer que o discurso que acabou de proferir é bem uma confissão de todo o seu falhanço”, o gajo do seu lado esquerdo, o deputado Luís Menezes, rumina entre dentes: “muito bem!”. Em Portugal há uma forte tradição do gajo ao lado do orador gosmar entre dentes um assertivo, convincente, másculo, “muito bem!”. Diogo Feio, do CDS, foi o ponto alto deste encorajador uso, infelizmente tomou o elevador social para Bruxelas e o canal Parlamento perdeu um canoro efeito sonoro.   
Escalava-se a montanha do debate, e alcança-se o cume, que não foi a solução para os problemas do país, nem uma epifania coletiva dos deputados sobre a sua função, mas um mundano apontamento de fashion. Teixeira dos Santos, na resposta à intervenção de Bernardino Soares, do PCP: “se me permite um gracejo. Acho que o sr. deputado até achou que isto era tão importante a ponto de hoje envergar uma linda gravata”.
A sra. Leite fora escolhida, pelo seu partido, para derramar a intervenção de fundo, no púlpito. Nesse momento Teixeira dos Santos sai da sala para outros afazeres, a velha senhora não desarma e lê as suas folhas. Racionaliza as eleições que perdera para José Sócrates: “sabemos que essas eleições foram, sem dúvida, um êxito do marketing político”, e separa as águas entre os bons e os maus: “já não é ao nível das medidas concretas, se elas são boas ou más, se são corretas ou incorretas, se são necessárias ou não são necessárias (pausa, aplausos dos seus correligionários), o problema que se põe a este parlamento, com uma clareza gritante, é ao nível de quem propõe e de quem se responsabiliza por elas”, e vaticina mais tarde: “não tenho nenhuma dúvida de que as mesmas medidas tomadas por um Governo que suscitasse confiança aos mercados, teriam outra reação por parte dos mercados. Nenhuma dúvida”. Na mouche!

Um abraço
Maturino Galvão

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Correio Interno - Um balanço de 2011 (1)


André,

A cerimónia do “bode expiatório”, o velho rito judeu, cristalizado no cristianizado organista Duarte Lima, será suficiente para os filhos de Viriato e netos do Freitas do Amaral finarem o ano sem sombra de pecado? “E aos costumes disse nada” Duarte Lima, nem um filho ou um sobrinho na Suiça ou um conde em Abranhos.
  No entanto, o ano começara sob auspício.
 Em Fevereiro, o Bloco de Esquerda lança uma bomba: não, não foi uma ideia nova, refrescante, borbulhante, assustados com o seu definhamento total do espetro político, foi a velha bomba nuclear da moção de censura contra o Governo, agendada simbolicamente para o dia seguinte ao da coroação de Cavaco Silva na principal silha do reino de Portugal. No dia aprazado, realmente, gastou-se tempo, eletricidade, papel, água (engarrafada) e outros custos de produção do tearzinho da luta pulítica, como acentuam no “u”, os eleitos da nação. Parecia arremetido o país para mais um ano com dinheiro. Entretanto, a realidade bate nas tabuinhas das janelas da casa portuguesa.   
O primeiro choque, para jornalistas e público em geral, foi o de que os velhos morrem. Após a surpreendente descoberta pelas Finanças, de um cadáver, há 9 anos sentado na cozinha, velado pelos cadáveres do cão e dos periquitos, de um faltosa aos deveres fiscais, os operários da informação vasculharam, por semanas, o país de frente atrás, descobrindo corpos com mais ou menos tempo de decomposição. Mas as mortes não se refletiam na libertação de postos de trabalho para os vivos, e o vivo líder Cavaco Silva, no seu discurso de tomada de posse como presidente da República, sinaliza como fundamental para o país os jovens e o mar. Num momento de vibrante otimismo, a indústria jornalística adjetivou o discurso de “contundente” e “histórico” e Francisco Assis, na carranca de oposição: “não gostei”.
Os jovens, lançados ao mar do mundo do trabalho, também descobriam coisas. E a mais importante foi borrifar-se para o futuro ontem.
Os mais ativos convocam uma “manifestação da geração à rasca”. Nesse dia, no parlamento, num belo toque de perfeição à Camilo Castelo Branco: “não se pode ser perfeito hoje em dia sem se ser um bocadinho idiota”, o deputado do PSD, Pedro Rodrigues, advogado, 31 anos, dizia: “faço parte de uma geração adiada, faço parte de uma geração que não sabe qual é o seu futuro amanhã”; pergunta da locutora: “mas não está à rasca?”; “não estou à rasca, mas estou muito preocupado com o futuro, com o meu e com o da minha geração”. Segundo o site da Assembleia da República um deputado amaquia-se com 3 624, 41 € mais 370,32 € para despesas de representação, compreensivelmente não põe à rasca, apenas preocupado.
Ritualizar o “bode expiatório” no Duarte Lima – aportuguesando o costume judaico de carregar um bode com os pecados da sociedade e soltá-lo no deserto para morrer, seria: aguentar-se à jarda por nós todos, ou seja, “e aos costumes disse nada”. (Nome de um conto de David Mourão-Ferreira, inspiração do filme de José Fonseca e Costa “Sem sombra de pecado”, e também uma expressão jurídica para o facto de que a testemunha não tem parentesco ou amizade especial com as partes envolvidas no processo). Duarte Lima tomará como um homem, não arrastará ninguém, nem sequer um deputado trocatintas, nem que seja de Freixo de Espada à Cinta. O “bode expiatório” surge no momento crucial da vida intelectual portuguesa. O português precisa do “bode expiatório” tal como de gasolina para o carro, ou carregamento para o telemóvel. Fazer o download dos pecados da sociedade numa pobre besta, e lançá-la no deserto para morrer, na falta de deserto, mande-se para a Zona Prisional com quatro refeições por dia e umas prendas de Natal do diretor, ou então atafulhá-lo bem de todos os pecados, passados, presentes e futuros e mandá-lo para Paris.

PS: a imagem mais fofinha do ano: a entrada vitoriosa de Paulo Portas no 24º congresso do CDS, em Viseu, de dedo em “like”, isto é, de polegar para cima. Quem não verteu uma lágrima é um “odiador” de gatinhos na Internet.

Um abraço
Maturino Galvão