quinta-feira, 1 de março de 2007

Deleuze: Post-Scriptum sobre as sociedades de controlo (3)

III. PROGRAMA

Não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controlo que dê, a cada instante, a posição de um elemento num espaço aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira electrónica). Félix Guattari imaginou uma cidade onde cada um pudesse deixar o seu apartamento, a sua rua, o seu bairro, graças a um cartão eletrônico (dividual) que abriria as barreiras; mas o cartão poderia também ser recusado em tal dia, ou entre tal e tal hora; o que conta não é a barreira, mas o computador que detecta a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal. O estudo sócio-técnico dos mecanismos de controlo, apreendidos na sua aurora, deveria ser categorial e descrever o que já está em vias de ser implantado no lugar dos meios de confinamento disciplinares, cuja crise todos anunciam. Pode ser que meios antigos, tomados de empréstimo às antigas sociedades de soberania, retornem à cena, mas devidamente adaptados. O que conta é que estamos no início de alguma coisa. No regime das prisões: a busca de penas "substitutivas", ao menos para a pequena delinquência, e a utilização de coleiras electrónicas que obrigam o condenado a ficar em casa em certas horas. No regime das escolas: as formas de controlo contínuo, avaliação contínua, e a acção da formação permanente sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na Universidade, a introdução da "empresa" em todos os níveis de escolaridade. No regime dos hospitais: a nova medicina "sem médico nem doente", que resgata doentes potenciais e sujeitos a risco, o que de modo algum demonstra um progresso em direção à individuação, como se diz, mas substitui o corpo individual ou numérico pela cifra de uma matéria "dividual" a ser controlada. No regime da empresa: as novas maneiras de tratar o dinheiro, os produtos e os homens, que já não passam pela antiga forma-fábrica. São exemplos frágeis, mas que permitiriam compreender melhor o que se entende por crise das instituições, isto é, a implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação. Uma das questões mais importantes diria respeito à inaptidão dos sindicatos: ligados, por toda sua história, à luta contra disciplinas ou nos meios de confinamento, conseguirão adaptar-se ou cederão o lugar a novas formas de resistência contra as sociedades de controle? Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente para serem "motivados", e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir ao que estão a ser induzidos a servir, assim como os seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira.

in Gilles Deleuze, Conversações (fim)

1 comentário:

Anónimo disse...

Já li e também recomendo!
cosmos