domingo, 18 de março de 2007

O totalitarismo hediondo actual: flashes sobre o Irão e o Zimbabué

"O conceito de totalitarismo designa bem este duplo fenómeno: uma sociedade sem divisão, um poder que condensa a potência, o saber e a lei fundadora da ordem social. Adquire a sua pertinência máxima, quando se nota que o sistema repousa sobre uma lógica de identificação: são inconcebíveis os desvios entre o povo, partido, o bureau político e o Egocrata; tudo isso se mostra indiferenciado espiritualmente, se me é permitida tal expressão".
Claude Lefort, " Écrire à l´épreuve du politique", pág.367. Edit. Pocket. Paris

Duas reportagens recentes no Le Monde permitem-nos aprofundar a realidade de dois dos regimes totalitários mais chocantes e perversos que sobrevivem à escala planetária. Ninguém pode acreditar no grau de destruição - psicológica e material - que dois ditadores conseguem impor à esmagadora maioria das suas populações. Se a República Islâmica iraniana ainda parece conjugar um jogo de controlo do exercício do poder através do Comité dos Sábios e das alas heterodoxas da maioria parlamentar face a um Pr. populista e inveterado, Mahmoud Ahmadinejad ; já Robert Mugabe parece concentrar todos os poderes e estar lançado numa fuga para diante pletórica de sangue, de crime e de prepotência hedionda.

A inflação e a carestia da vida no Zimbabué batem todos os recordes mundiais, cifrando-se numa percentagem celerada de 1600 por cento ao ano. O salário de um professor primário não chega para pagar um depósito de gasolina de 40 litros de um carro. " Somos todos delinquentes. Sobrevivemos porque fazemos tudo à margem da lei. Ele fez de nós uma espécie de malandros ", confessou à repórter do Le Monde, Fabienne Pompey, um alto quadro de uma sociedade de grande distribuição. "Ele" designa Mugabe...

Há dois mundos paralelos no país: no primeiro, um dólar americano vale 250 dólares zimbabueanos, a inflação parece estar controlada a 400 por cento/ano e a recolha de cereais pode vir a ser um recorde. No outro, um dólar americano vale 7800 zimbabueanos, a inflação é incontrolável e toda a gente planta milho para não morrer de fome. Harare deixou mesmo de ter terrenos vagos: há milho plantado para matar a fome. Com a falta de divisas, as importações escasseiam e todos os sistemas de infra-estrutura - água, estradas e electricidade - caem em pane por falta de peças e avarias crónicas cada vez mais prolongadas. A solução é fugir, escapar à morte e à pobreza mais humilhantes, como na Libéria de Taylor ou na Serra Leoa de há poucos anos atrás.

" Com o altíssimo preço dos transportes públicos, trabalhar transformou-se num luxo. Por vezes pergunto-me porque é que os nossos operários continuam a vir à fábrica. Com o salário, pouco mais podem pagar do que o preço da viagem, explica-nos um quadro da fábrica de tabaco. A empresa oferece uma refeição na cantina, um uniforme e um seguro mínio de Saúde, o que torna evidentes as razões dessa deslocação diária. Muitos andam a pé, muitas vezes horas e horas. Na maioria das famílias, não se come senão uma vez por dia ", sublinha a jornalista .



No Irão, a situação económica está em derrapagem incontrolada. A renda petrolífera é empregue no consumo e no sustento mínimo da maioria da população, com os efeitos perversos adicionais. Inflação galopante, desemprego imparavel nos poucos centros industriais em funcionamento, a que se junta uma tensão política crescente entre a ala ortodoxa e a liberal do poder da mollocracia. De acordo com o apurado pela enviada especial do Le Monde, Marie-Claude Decamps, 90 porcento das promessas desenvolvimentistas feitas por Ahmadinejad falharam. " Isso faz ver os limites do populismo económico", segundo comentários expressos pelo economista local Said Leylaz." O antigo Pr., Rafsandjani era liberal, Khatami, uma espécie de socialista, agora Ahmadinejad não tem uma estratégia prioritária e só revela projectos a curto-prazo. Estamos a injectar na economia todos os lucros dos petro-dolares para manter esta política". Os custos de funcionamento do governo presidencial aumentaram 60 por cento num ano, a inflação ultrapassou os 20 e o preço dos apartamentos disparou 600 por cento...


FAR

4 comentários:

André Carapinha disse...

Não é correcto comparar o Irão com o Zimbabwe, sendo duas situações absolutamente dispares.

Quando falamos do Irão, e por mais asco que a figura de Ahmadinejad provoque, acima de tudo, note-se, por ser um populista sem escrúpulos, e não por essas pateguices de "ser um inimigo do ocidente" e assim, falamos de um dos estados mais democráticos do Médio Oriente (não será necessário lembrar que "um dos estados mais democráticos" não quer dizer "uma democracia". Ou será?), com eleições livres que não são aldrabices, um elevado grau de instrução da população, e inclusivé, por mais bizarro que isto possa parecer a quem se limita a receber soun-bytes dos telejornais, um dos países islâmicos onde as mulheres tem maior emancipação a todos os níveis.

Quando falamos do Zimbabwe falamos de uma pura ditadura autocrática sem o mínimo respeito nem pela aparência de um estado de direito. É comparar a noite com o dia e, lamento dizê-lo, alinhar com o sound-byte acima referido.

Anónimo disse...

Mugabe é "BICHA"! (sem ofensa à homossexualidade).

Anónimo disse...

André Carapinha: Os textos em apreço fazem parte de duas grandes reportagens do Le Monde. Claro que não são artigos de rigor científico de universidades inglesas ou americanas. Mas servem para sinalizar estados de excepção.
Não quis comparar coisas diferentes, como é óbvio. Só que o estado despótico atingido por Mugabe pode ser atingido pelo consulado do PR iraniano,Ahmudnejidah, se o caos económico se instalar e os Guardas da Revolução, que o apoiam, resolverem decretar o estado de excepção. De qualquer das formas, o quotidiano da vida em Teerão, segundo as últimas reportagens do Late Edition da CNN, está submetido a uma discricionária e ameaçadora pressão política e policial, onde só os herdeiros dos caciques no poder se podem dar ao luxo de tomar atitudes mais extravagantes e fora da lei corânica totalitária. FAR

Anónimo disse...

Avanti pela discussão de ideias,please!
Fui reler um enorme artigo do Financial Times, edição de 5 do corrente, sobre o populismo de Ahmadinejad. Sabe-se o terrível estado a que chegaram as Finanças, num país com cerca de 70 milhões de habitantes. Que vive só da renda petrolífera e já não tem capacidade financeira para financiar a reparação e custear novas aparelhagens de extracção. Por outro lado, o ecumenismo do PR iraniano desafia tudo e todos,
- queria aferrolhar o poder com a eleição para presidente do Conselho dos Sábios do seu mentor e " padrinho",Muhammad Yazdi,mas tal jogada saiu-lhe furada. Mesmo assim foi a Djakarta e Nova Delhi, e prometeu financiar refinarias de petróleo, " in loco ", por verbas astronómicas...
As últimas estórias que correm, em Teerão, difundem metáforas sobre o tamanho dos tomates ( legume imprescindível na cozinha turco-árabe) que se vendem numa lojinha perto da casa do PR.Ahmadinejadh. O povo desorientado assegura que são mais baratos mas, o bico-de-obra, é que perdem valor por serem tão minúsculos... FAR