Do meu post anterior não se deve retirar a conclusão que eu seja contra nacionalizações ou reformas agrárias, apenas que elas funcionam como o canto da sereia em que certa Esquerda se deixa hipnotizar pelos populismos. Um caso paradigmático é o de Mugabe no Zimbabwe: salta aos olhos de todos o carácter de ditador com traços de semi-psicopata da criatura (aliás, basta conhecer um pouco da história do país para o perceber). Mas eis que entram em acção a "reforma agrária" e as "nacionalizações"; imediatamente tantos se dispuseram a fechar os olhos à arbitrariedade, aos abusos, ao totalitarismo- ainda mais quando apimentados com os traços de vendetta ao "branco", tão apaziguadores para certos traumas pós-colonialistas. Por isso, não é de espantar qua a Direita mais reaccionária use o exemplo do Zimbabwe como arma de arremesso contra a Esquerda socialista.
De uma vez por todas: nós, na Esquerda, temos de nos deixar definitivamente de messias, de líderes iluminados, e de não olhar a meios para atingir hipotéticos fins. É urgente que assumamos que a Democracia e os direitos humanos são nosso património inalienável, e que nada pode justificar os seus atropelos, muito menos sonhos idilicos sobre paraísos na Terra, que sabemos demasiado bem onde levam. Não quero com isto dizer que devamos resignar-nos a esta democracia, que não defendamos a propriedade pública, ou que deixemos de defender valores que se contraponham ao sacrossanto direito de propriedade, que hoje por hoje se transformou no dogma que impede qualquer avanço social. Mas que o façamos sem ilusões facilitistas de que essa transformação é fácil, e que basta um qualquer Mugabe e a sua "reforma agrária". O combate por um mundo mais justo é, antes de mais, e sobretudo neste conturbado século XXI, um combate pela Democracia, pelos direitos humanos, pela liberdade e pela solidariedade.
3 comentários:
Apetece dizer..« Àmen »!!!!
De um autor émulo de Castoriadis, seu cúmplice e companheiro na revista Socialisme ou Barbárie, Claude Lefort, e de um livro espectacular sobre a Política nos séc.s 19 e 20, retiramos algumas sinalizações muito interessantes: 1) a democracia é uma construção e um enigma, de acordo com uma leitura aprofundada sobre a Democracia na América de Alexis de Tocqueville; 2) o liberalismo económico pode ser por vezes um eventual aliado do despotismo;3)relembra a teoria política de Hannah Arendt que aponta para a homologia " confusão trágica "-entre igualdade política com igualdade social, " porque a igualdade não pode ser senão política ". " A desigualdade e a invisibilidade são concomitantes ", tese magistral sobre a tónica da participação na política. " Quando um poder se barrica num só orgão ou num indíviduo, ele subtrai-se à vista- visibilidade de todos(sic).Enfim, Lefort acentua que Hannah Arendt- a quem presta uma fervorosa homenagem,ele um radical de ultra-gauche,preconiza uma teoria política que seja o mais possível o " oposto " do totalitarismo, onde todas as leis foram aniquiladas e nada se opõe " " à técnica da organização e da dominação ". Salut! FAR
Imaginar que Mugabe já foi estandarte do progressismo socialista faz-me arrepios.
já se passou por aqui
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