quinta-feira, 5 de outubro de 2006


Okupanga indati? *

Como de um fustigante arreliar do sol, defende-se daquele culposo pensamento.
Parece ser a ausência de cor a sua preferência - malbaratam rumores na sua cabeça, mas a vizinhança na mastigação da pobreza, não consegue sonhar tanto, é sim a falta de dinheiro nos bolsos descosicados do pintor, a causa da tanta perfumação dos seus utensílios.
Alaranjada a pele da terra, os olhos do artista ficam lá espetados como hastes, quase até as primeiras estrelas lhe colocarem decisão no resto do corpo. Desce então vagaroso o monte, no cuidado das influências dos céus. Recolhe-se antes da esteira ainda na tina pregada de madeiras, onde mais uma vez cuidará do brilho da sua negritude e do pôr do sol que deveria estar de passagem pelos despenteados pincéis, mas restará tão límpida a água, que ganhará jeitos a sua mulher subida em esperança, de achar que até se pode beber na confiança. Todas as ideias de uma mamã cozinham-se bem junto ao carvão fumegante, enquanto a farinha de mandioca dá as suas custosas voltas.
Depois de engarrafada em botes de segunda vez, já se pensa em fazer o comércio no seio da família, “Água de artista” – cura de vida curta.
Nos tempos seguintes, na paciente idade, pigmentos avermelhados são presenteados ao pintor pelos mais velhos, em troca de umas quantas embalagens, desejos de um pavio de destino maior. A água de artista ganha indispensabilidade, já considerada sistema de subsistência da larga família.
A população vai também considerando exigências, há uma inquietação - onde os resultados da tinta que o artista guarda? A pobreza deixara de ser a resposta à não enfeitação do pano, já possui cores em pilha no seu canto, agora é só questão da vontade se exercer, opinam. Mas o querer continuará amarrado na hesitação das tons.
Na tristeza de uma nova pobreza agora mais manchada, sua decidida mulher busca no crescido casario o último barro com céu de paus, morada dos poderes maiores. Descalço, olhos escavados na magreza e depostos em inabaláveis mundos, por longas e demoradas curvas dança no terreiro poeirento, sobre o porquê da não pintura do homem.
No desenho do arrasto, seus pés poemam a resposta clara .
- O seu homem ganhou honestidade!! Para que vai pôr assim as estrelas no pano de se ver? Já não estão na noite?
Na mesma tina onde tem o corpo alisa de água também os pincéis, esmorecidos por uso contraditório, pois que se lavam de nada.

*O que fazer? -
(Umbundo)


3 comentários:

Anónimo disse...

Um pintor com olhos de primavera onde espontaneamente nascem flores todas as primaveras. Ninguém as planta, ninguém as rega; brotam em solidão persistente e, apenas os céus, conseguem ler a poesia que encerram. São assim os olhos de muitos homens: pintam de sonho a vida. Chamo-lhes poetas do silêncio e bebo-lhes as artes da tinta, através da menina dos seus olhos.

Uma vénia ao seu belíssimo texto.

maria

FernandoRebelo disse...

Tão bonito!
Agarras nas palavras como um pintor que sabe quais as tintas certas com as quais há-de encher a sua tela.
Teu leitor devotado.

Anónimo disse...

É um luxo lê-la. E quem me dera tê-la.

Parabéns