quinta-feira, 19 de outubro de 2006

E Bolonha, também é praxe?

Enquanto a função pública se manifesta e os professores juntam um sexto dos seus quadros para lutarem contra o Ministério da Educação, existe um terceiro grupo atacado pelas leis do mercado que teima em estar quieto. Pasmem-se, os mais inertes são os que supostamente têm mais energia: os estudantes.
Com o Tratado de Bolonha e a pressa de mercantilizar o Ensino Superior (os mestrados, correspondentes ao segundo ciclo de ensino, custam cerca de 3000 euros na maior parte dos casos, o que é manifestamente mais do que a maior parte das famílias portuguesas podem pagar. E, por favor, não vamos falar das bolsas que, de tão irrisórias, não ascendem ao estatuto de contra-argumento), o Estado ataca os estudantes nos seus direitos mais básicos, obrigando ainda a uma série de despedimentos no corpo docente, também eles vítimas da “competitividade”, “flexibilidade” e outros “-ades” pomposos.
E, no entanto, nenhum estudante se mexe. Ocupados em pinturas, brincadeirinhas “para integrar” e em canções sexistas e que defendem os seus cursos (como se gritar por “INFORMÁTICA!” contra “LEEEEEETRAS!” trouxesse algo de novo ao mundo), os estudantes esqueceram-se de lutar.
As Universidades, hoje, não são um sítio onde se aprende a pensar e a discutir. Ninguém se sentou à mesa para ver o que Bolonha trazia. O pacote já vinha embalado e pronto a consumir. Um regalo que nós, petizes, fomos obrigados a comer.
Para muito disso, contribui a praxe. Esse método único de integração. Como se pessoas de 18 anos não conseguissem conhecer outras sem criar redes de hierarquias e sem reconhecer a antiguidade como valor mais alto. As batinas negras já não as mesmas que Zeca Afonso envergava, são um produto que custa mais de 100 euros e vem também já embalado e prestes a consumir. Hoje, o movimento estudantil é isto. É uma “brincadeira” (nem sempre) leve que se baseia na hierarquia, na humilhação e na falta de respeito básico. As Associações de Estudantes são agendas de festas e não mesas de discussão.
A praxe é o paradigma de como, aos 18 anos, é possível aprender a dizer “sim” a tudo só “porque sim” ou “porque sempre assim foi”. A praxe simboliza o engolir em seco para depois se estar no poder. A praxe é a alienação mais bacoca e profunda em que os estudantes caíram. A praxe serve para quem gosta de mandar e para quem gosta de obedecer (e assim, de uma assentada, aprende-se a gostar do “poderzinho” e a calar e comer).
A consciência cívica foi substituída pela “mulher gorda”.


Segundo a Universidade Nova de Lisboa: “As propinas do 1º ciclo de estudos (licenciatura) serão tabeladas, tal como ocorre actualmente. As propinas dos restantes ciclos de ensino superior tenderão a ser propinas livres, estabelecidas pelos estabelecimentos de ensino”.

Confiemos o nosso futuro a outros, então. De certeza que vai correr bem e as propinas serão acessíveis a todos. Se assim não for, paciência. Isto da “crise”, já diz o outro, “toca a todos!”.
Já é da praxe.

Manuel Neves

8 comentários:

Armando Rocheteau disse...

O Manuel Neves vai aparecer mais vezes. O blogue fortalece-se e rejuvenesce.

Kaos disse...

Parabens ao Manuel pelo belo texto e ao Blog por lhe dar voz.
abraço

Anónimo disse...

Muito bem.

Anónimo disse...

A Humanidade não progride linearmente. Na História há períodos de progresso e de retrocesso.
Os jovens comigo relacionados são exemplos de progresso.
Mas jovens adultos que se iniciam na universidade trajando à índio é demasiado pueril.
Sujeitar-se ás humilhações da praxe académica é falta de caracter. O traje académico é uma exibição anacrónica e inestética.

Tenho esperança que a próxima geração tenha um rasgo de inovação e inconformismo.

Anónimo disse...

Não me digam que este Manuel Neves é um jovem...Um achado, se o for, sim senhor!

Armando Rocheteau disse...

Jesss:
É um jovem com, salvo erro, 23 anos. Escreve também no Des1Biga.
Abraço

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto !!!!
Neste mundo onde se hoje vive, cada vez mais nos apercebemos que o "o sol não nasce para todos"....mas melhores dias virão, e temos que fazer por isso.
Beijocas

Anónimo disse...

A praxe é uma das vergonhas do nosso ensino superior.