Todos os anos trocava de namorado. Mas as últimas escolhas tinham tido final trágico. Para este ano desejava uma coisa mais cool. Há pessoas a quem sai sempre a mesma rifa. Também é verdade que sempre teve um lado Florence Nightingale. Em pequena quis ter sido médica ou enfermeira. Na pior das hipóteses irmã de caridade. Depois cresceu com as portas que Abril abriu. Era uma mulher liberta, nova, bonita, com o seu q.b. de inteligência e cultura. Uma sensualona. Solta em Lisboa, tão longe do bucolismo da infância e da adolescência. Numa Lisboa que se tornara a Paris do filme do Cunha Teles. Mas os quatro últimos namorados? Que desastre. Quatro anos a viver como na tela. Tarantino numa mistura com Doris Day & Tony Curtis. Uma natural born killer à portuguesa. Ups and downs . Às vezes no mesmo dia. Estava nos quarenta. Só queria, como as amigas, uma companhia. Os s.m.s.s, os m.s.n.’s, a televisão, os gatos, não lhe bastavam. Nem sequer tivera filhos. Era uma mulher livre. Estava nos quarenta. Agora queria uma vida calma. Direito seu. O primeiro da série até fora o menos incómodo. Resolveu um dia cair de bêbado da janela. O pior foi o velório com uma noiva inconsolável, a carpir em cima do caixão, mais outras duas rivais, discretamente sentadas e chorosas como ela. Ao enterro claro que já não foi. Do segundo, com algum incómodo, também se libertou depressa. Era um emigrante ilegal desses países da Cortina de Ferro. Só que duma zona islâmica. Fazia muita companhia. Demais. Por vontade dele usaria burka. Depois de ter sido várias vezes, por ele, ameaçada, resolveu fazer uma queixa à emigração. O Delfim do Cardoso Pires, ao pé deste, era um progressista. Os nossos serviços de fronteiras são eficazes. Deve estar a vender rosas noutro país da Comunidade. Com o terceiro foi o cabo dos trabalhos. Saía e entrava nas clínicas de desintoxicação. Já passou. Está integrado numa comunidade terapêutica, a comer vegetais, entre rezas. Curaram-se um do outro. Ficaram porém amigos, de quando em vez telefonam-se. Bem, o quarto ainda não desapareceu. É psicopata. Os amigos perceberam logo. Ela percebeu tarde, qual Alice do Scorcese. Ao princípio aquele mundo de fios, luzinhas, cabos, programas, que era a vida dele, fascinara-a. Mas se só tinha sabido da existência de homens ternos, depois dos trinta, crueldade assim, física e mental, só agora conhecia. E tara. Tanta que decidira trocar de namorado antes do ano da praxe. Mas o demente perseguia-a por todo o lado. Casa, trabalho, tertúlia de amigos. Apesar do cerco, conseguiu, finalmente, levar um novo namorado lá a casa. Tiveram uma noite de amor. No dia seguinte foram tomar banho juntos. Quando regressaram ao quarto não é que o grande doido, que se intrometera pela janela do r/c, estava a farejar a roupa abandonada e os lençóis? Há um filme em que a Betty Davies, encarna uma mãe com um filho fetichista. O doente é pior e nem sequer viu o filme. Com os gritos fugiu. Poderá voltar a qualquer momento. Ela foi viver, mais uma vez, para casa dos pais. À espera que o informático a deixe de vez. Não sabe se o novo namorado torna. Nem se é o homem indicado. É do tipo de ir atrás de qualquer burra de saias. Se voltar a aparecer e for tão docinho quanto parece, este, ela não quer perder. Vai voltar ao campo. Ao Alentejo profundo. Com ele. Para sempre. Para sempre? Dependerá da nova vida. Da casa e do mundo.
Bom Ano!
Josina MacAdam
4 comentários:
Pobre Josina, tão jovem e com o novelo da vida tão desenrolado... que poderá ela descobrir nos muitos anos que terá pela frente?
A foto é bestial! Vivam as burkas!
A foto é bestial! Vivam as burkas!
Excelente texto sobre a emancipação feminina.
Enviar um comentário