"Ó palerma, tás a brincar comigo ou queres levar uma arrochada?"
Na polémica à volta do financiamento da campanha presidencial, levantada por Cavaco Silva, virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Agora Cavaco passou para a defesa, e remete a revelação do seu montante para o Tribunal Constitucional. Afinal, quem tem medo de pôr as cartas em cima da mesa? Com estes pequenos exemplos com que nos tem brindado ultimamente, o candidato da direita revela-se como o menos transparente nesta corrida presidencial. Os tabus, mini-tabus ou pró-tabus continuam a ser a sua forma de estar na política. Não aprendeu nada com 10 anos de tontices deste género. No entanto, as sondagens continuam a apontar Cavaco como vitorioso logo na primeira volta e a distancia-lo dos outros candidatos. Embora elas apenas indiciem uma provável vitória da homem de Boliqueime, revelam que a maioria dos portugueses continua a querer penalizar o governo Sócrates através do candidato laranja. Tal como as sondagens, “cada povo também vale o que vale”, dizia o senhor Joaquim, morador em Miratejo, irritado com o facto dos vizinhos terem ido fazer queixa à polícia só porque ouvia fados da Amália um bocado alto à noite em sua casa. “Estes filhos da p. não têm sentimentos. O canto dela representa a alma da gente, dos portugueses. Cambada de ingratos” dizia no café, para quem o queria ouvir. A embirração do Sr. Joaquim com o povo não encontra eco em Cavaco Silva. Quer corresponder às expectativas populares através de um governo presidencialista. Primeiro quando sugeriu uma Secretaria de Estado virada para o investimento estrangeiro, numa entrevista ao Jornal de Notícias. Ele desmentiu, mas saiu-se mal, porque
nessa entrevista foi mais longe. Vital Moreira trouxe essa frase agora à colação, extraída ainda da entrevista ao JN. Nela, Cavaco afirmava: "Às vezes, a equipa não é má, mas precisa de um novo treinador." Atenção: treinador, não árbitro. Ao que o constitucionalista Vital Moreira comentou no seu artigo de opinião no Público “Com esta inovação metafórica, Cavaco Silva introduziu nas eleições presidenciais um facto adicional de imprevisibilidade política e de insegurança institucional”. Não acredito que as afirmações de Cavaco ao JN sejam gafes. O homem que não lê jornais, que nunca se engana e que raramente tem dúvidas quer definitivamente governar. Só que Sócrates já lá está, e não vai ser pêra doce de roer. No entanto, é um governante à sua medida. É interessante ver que o eleitorado quer penalizar Sócrates, através de Cavaco, quando qualquer outro candidato à presidência o penalizaria mais do que o ex-primeiro-ministro do PSD. Por isso, a aposta neste cavalo é obviamente errada. Também assim pensa o senhor Joaquim, quanto à atitude dos vizinhos. E grita-lhes:”vocês fazem-me lembrar os ministros do Cavaco, que vieram do norte com uma mão à frente e outra atrás. Agora todos cantam de poleiro, são podres ricos e arrogantes”. E furioso acrescenta:”se vocês me chateiam mais alguma vez, vou fazer queixa ao Independente”. Só lhe faltou dizer que os ex-ministros são todos administradores de topo de empresas públicas ou privadas. Mas ontem, em campanha, Cavaco insistia:”comigo a competência está primeiro do que o cartão do partido”. É por causa de incongruências como esta que o senhor Joaquim continua inconsolável, e diz para os vizinhos que lhe respondem: "Ó palerma, tás a brincar comigo ou queres levar uma arrochada?"
7 comentários:
Com Cavaco ou com Soares estaremos sempre fdidos.
Bom artigo de António Oliveira. Como diria o Herbert Marcuse, a ouvir os nossos líderes de esquerda, de hoje, têem-se saudades de Marx...Será que Cavaco- como adiantou há tempos Joaquim Aguiar- vai mesmo enfiar-se numa camisa de sete varas? Aquela carontonha mete já medo aos seus mais inteligentes apoiantes, vidé elocubrações recentes de Pacheco Pereira. Não tenho lido o Jdanov do PSD, VGraça Moura. O EP Coelho juntou-se-lhes: nem no Biafra se assiste a tanta besteira e malandrice.FAR
António,
Grande artigo. Descubro-me, tiro o chapéu.
Fodidos estaremos sempre e a culpa é nossa. Falta de imaginação criadora.
Soares trava o seu último combate com enorme galhardia. Estou-lhe grato.
Essa questão dos financiamentos está a ser tratada da mesma forma por todos os candidatos. Não compreendo em que é que a atitude de Cavaco é pior do que a dos outros candidatos.
Já algum candidato revelou os financiadores da campanha?
Não é ao tribunal constitucional que isso tem que ser feito?
Não vejo que seja por aí que se possa criticar Cavaco, ou então teremos que criticar todos.
Quanto ao resto...é uma questão de opinião, mas para mim, os candidatos são todos maus, para quem está farto de tanta demagogia...
Temos debatido muito o perfil e a estratégia máxima da candidatura de Cavaco Silva. Adkalendas não tem razão, ou anda distraído. A opção Soares não foi a melhor para a Esquerda tradicional, é evidente. O problema é que a coisa se impôs e foi acarinhada pela nata do PS e das elites urbanas a ele ligadas. Vasco Vieira de Almeida ou Marcelo Rebelo de Sousa podiam ter sido hipóteses: só que a crise de identidade que atravessa o arcaísmo obsoleto dos partidos nacionais era fatal como o destino. As pessoas gostam mesmo de sofrer, de serem servas. Cavaco aparece 20 anos atrasado. E não nos esqueçamos - apesar das diferenças abissais de formação e comportamento- há dez anos Jacques Delors encarou a hipótese dese candidatar a PR em França, acabando por ter desistido contra a vontade do terminal Miterrand e oligarquia partidária. EDelors tinha uma carreira fabulosa e uma aura de verdadeiro social-democrata. Tudo se conjuga, portanto, para que a candidatura de Cavaco Silva seja um ajuste de contas triste e enviesado entre a direita dos negócios e a esquerda tradicional sem grandes perspectivas. FAR
Meu caro Adkalendas.
Concordo que todos devem explicar a origem dos seus financiamentos. Mas pelo que vejo quem está com problemas é Cavaco Silva, o mesmo que, por estranho que pareça, levantou o problema.
Como o valor do financiamento da sua campanha é três vezes superior ao do 2º candidato mais financiado. Por isso é de bom tom fazê-lo. Pela transparência, que Cavaco diz ser para si um coisa muito cara. Mas ele diz hoje uma coisa e amanhã diz outra. Essa instabilidade também se aplica à entrevista do JN. Ele proferiu as afirmações e depois desmentiu-as. Ou também acha que a culpa é dos jornalistas? Afinal este tipo tem perfil para PR? Se calhar os seus assessores já lhe pediram também para não dizer nada de novo. Agora que se ficou a saber que foi proibido por eles de comer em público, devido à cena do bolo-rei, há 10 anos atrás.
Adkalendas.
Este é um tema tão caro que nem reli o comentário que fiz e que acabou por sair cheio de gralhas. Nesta segunda edição, corrigida a aumentada, é para lhe dizer que concordo que todos devem explicar a origem dos seus financiamentos. Mas quem não concorda é Cavaco Silva himself, o mesmo que, por estranho que parece, levantou o problema. Como o seu bolo da campanha é quase três vezes superior ao do 2º candidato mais financiado é de bom tom fazê-lo. Pela transparência. São 2 milhões de contos de donativos particulares, já que diz não ser financiado por partidos. Não sei porquê, mas esta história cheira a América latina. Todos conhecemos as formas de se branquear a origem dos apoios e torná-los individuais. Estratégias políticas da máquina laranja que está por detrás da candidatura? É importante sublinhar que eleições presidenciais não são sinónimo de campanhas de telemóveis. Tudo deve ser claro e transparente. E não chega dizer que tudo se saberá passados três meses das eleições, como obriga a lei. Como diz o povo, quem não deve, não teme.
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