domingo, 22 de janeiro de 2006

A objectividade não existe

" Quem quer realizar o que deve ser, deve tomar em linha de conta o que aconteceu", gostava de frisar Maquiavel, o primeiro analista político da modernidade e que contesta no início do séc.XVII o poder absoluto sob todas as formas. " Não é o acontecimento que surge como perturbador; ele não é senão o ponto de encontro entre os efeitos de acções infinitas, o ponto onde, sob uma forma manifesta, se institui ou desfaz o sentido- uma marca do " tempo que apaga tudo diante de si, o mal como o bem, o bem como o mal". Tudo isto, para referenciar a saída em França do último livro de Olivier Todd, o biografo polémico de Malraux e Camus e considerado como o melhor repórter dos anos 70. Na sua autobiografia, Todd escalpeliza o perfil técnco e humano da " nata " do jornalismo pariseense. Já tinhamos analisado o livro sobre JJ Servan-Schreiber, agora só falta concluir com o diário do fundador de Actuel e Nova, Jean-François Bizot.

Todd, bilingue anglo -francês, caso muito raro em França, pertenceu ao círculo dos amigos íntimos de Sartre, andou pelas redacções de Les Temps Modernes e iniciou a sua carreira no Nouvel Observateur, o mais prestigiado dos semanários franceses, de esquerda rocardiana, onde os intelectocratas do mundo inteiro participam. Apesar disso, na era mitterrand ainda tenta a direcção do L´Express, onde coteja Aron e Revel, os coriféus mais inteligentes da direita giscardiana, numa espécie de quermesse ideológica pragmática, sendo correspondente da BBC, do Observer e de jornais USA, intermitentemente." Deviamos procurar acima de tudo a objectividade, esta sombra movediça. Ela não existia, afirmavam certos mentores como André Fontaine, do Monde. Podiamos, no máximo, ser honestos. Perseguiamos a objectividade, que nunca se captura ", comenta, para nos dar a sua fórmula do bom artigo:" 95 por cento de trabalho: presença no terreno, pesquisa de testemunhos e dados, e 5 por cento de talento". Voilà.

O testemunho fervilha com mil e umas estórias das alcovas pariseenses. Ficamos a saber que o multimilionário Bizot, o industrial Perdriel, dono do Nouvel Obs, ou Jean Daniel, o eterno director, iam de aviāo privado para férias no Magrebe ou na Côte-de-Azur...A namorada de Bourdet , o famoso publicista trotskista, vivia num palácio perto da Gulbenkian. Mas muito bem trabalhadas, são as suas entrevistas/ encontros com Ezra Pound, émulo do seu poeta preferido T.S. Eliot, e Graham Green, para lá de revelar que foi o divulgador das tesesd de Guy Debord na Grande Imprensa.

Acarinhado por Sartre, seu vizinho de bairro, Todd remexeu tudo para apurar as dissensōes entre Sartre e Camus. Apura que Simone de Beauvoir o queria levar para a cama, o que ele recusava terminantemente. Casou com a filha de Paul Nizan e viveu com a de Brel. Os seus escritores preferidos sāo George Orwell, Evelyn Waugh e Green, que relê periódicamente. Ganhou 1 milhão de francos com a monumental biografia de Camus. E confessa, noutro registo, que uma mulher nunca consegue remoçar um amante...


FAR
22-01-2006

6 comentários:

Anónimo disse...

Joe, por este texto delicioso fico a dever-te o melhor queijo da serra que haja. Abraço

Joao Galamba disse...

pequena correccao: Maquiavel morreu em 1527.

Anónimo disse...

Joao Galamba-amigo-do-tozé-e-antigo-cliente do Imprevisto.Amigo do meu amigo Rui Cabral, a quem eu mostrava artigos do Le Débat nos anos 90, no Imprevisto.Maquiavel atravessa já 4 séculos, se bem o reconhecemos.A citacao empregue para abrir crónica, em mal de inspiracao, foi subtraída do famosíssimo livro- agora em edicao Tel-Gallimard, a 7.50 Euros -de Claude Lefort,Le travail de l´ouevre de Machiavel, obra maior do aluno de Merleau-Ponty e companheiro de barricadas de Cornelius Castoriadis, hoje à beira dos 80 anos.Trata-se de uma obra gongôrica, super-radical e sumamente estratégica.
O Landru, pseudónimo do gerente dos- Três-Pastorinhos-para a Técnica audiovisual, merece a minha mais entusiástica e fervorosa
compulcao, 24 horas depois de Anibal-I- social-democrata e homem-da-esquerda-moderna ter ganho por míseras décimas as rédeas do Poder... O Landru ficou entusiasmado, por certo, devido à revelacao do Olivier sobre o assédio sexual da Simone sobre o Camus, como substracto essencial( existencial de 2° grau...) na zanga homérica entre o pródigo Satre e o autor de " O Estrangeiro". Salut, e nao se esquecam das barricadas!.FAR

Anónimo disse...

Safa, como diria o Aníbal, é do Sartre, e nao Satre que eu queria falar... Queijo da Serra: o Parma ou o alpino é tao bom ou melhor...FAR

Anónimo disse...

Não sei se se trata do mesmo João Galamba?!

André Carapinha disse...

FAR, este João Galamba não é o mesmo que tu pemsas. Sei-o porque já tive oportunidade de perguntar na caixa de comentários do blogue dele (Metablog). É um jovem como eu, que estuda na London School of Economics. Noutro dia, em conversa com o Rocheteau e o Landru, chegámos à conclusão que há para aí 5 Joões Galambas referenciados.