quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

António Gancho (1940-2006)

Morreu o "poeta nocturno", como lhe chamou Herberto Helder, um dos maiores divulgadores da sua obra. Morreu na Casa de Saúde do Telhal, onde habitava há 38 anos, diz-se que a rir enquanto agonizava de paragem cardíaca. Verdade ou mito, não deixa de ser coerente com a personalidade deste poeta maldito, "mais um caso de abuso psiquiátrico, de miséria nacional e institucional" nas palavras do seu amigo Alvaro Lapa. Fiquemos com uma poesia sobre o tema principal da sua obra, aquele que agora a António Gancho é revelado: a morte.

Tu és mortal, meu Deus

Tu és mortal meu filho
isto que um dia a morte te virá buscar
e tu não mais serás que um grão de milho
para a morte debicar

Tu és mortal meu anjo
tu és mortal meu amor
isto que um dia a morte virá de banjo
insinuar-se-te senhor

É-se mortal meu Deus
tu és mortal meu Deus
isto que um dia a morte há-de descer
ao comprimento dos céus

2 comentários:

André Carapinha disse...

Quando desaparecer
hei-de pedir à noite
que me consuma com ela
que me devaste a alma
não quero mais
quero desaparecer na noite
e só de noite consumir-me

António Gancho

André Carapinha disse...

Noite

Noite, vem noite sobre mim sobre nós
dá o repouso absoluto de tudo
traz peixes e abismos para nos abismarmos
traz o sono traz a morte
e vem noite por detrás de nós e sobre nós
e escreve com o teu negro
a morte que há em nós.
Livra-nos e perdoa-nos tudo
redime-nos os pecados
e enforca os nossos rostos em teu nome