Olá,
Não sei se alguns de vocês se lembram mas em tempos afirmava-se que “o que é bom para a General Motors é bom para a América”. Isto era nos tempos em que se dizia que o orçamento para papel higiénico da General Motors era igual ao orçamento total de Portugal.
Não sei se essa história do papel higiénico era verdade e também não sei se ainda o poderá ser. O que eu sei é que afinal o que era bom para a General Motors não é bom nem para a América nem para a própria GM. E sei também que o que se passa com a General Motors é uma lição económica dura que vocês aí do outro lado do charco na UEtupia deviam estudar com atenção.
Para vos dar uma ideia de quão má é a situação da GM basta vos dizer que recentemente a companhia fez soar as trombetas da vitória porque no primeiro trimestre deste ano teve prejuízos de 323 milhões de dólares. Eu cá não compraria acções da GM mas … pronto, vá lá…. para quem perdeu 10 mil e 600 milhões de dólares no total de 2005, perder 323 milhões em três meses é uma boa negociata ou como disse um comunicado da dita cuja “um marco” . Há quem diga que uma análise mais estrita dos livros revela que este “marco” é maior do que a GM admite, que na verdade a companhia está ainda a perder 13 milhões de dólares…por dia.
Mas o que é que isto tem a haver com UEtupia (ou cê ié ié como se dizia antigamente aí na Lusitânia)? É que a GM pode a qualquer momento abrir falência por duas razões simples:
1) Assumiu-se durante anos como um “estado de bem-estar” para os seus trabalhadores
2) a concorrência dos japoneses e agora dos sul coreanos e em breve dos chineses ( ou seja a concorrência/globalização) tornou o paragrafo 1) insustentável
Vejamos alguns exemplos da “follie”. No tempo das “vacas gordas” quando a GM tinha controlo do mercado americano (juntamente com a Ford e a Chrysler) julgou que isso era uma situação que iria durar para sempre, que a expansão da procura dos seus produtos estava garantida para sempre (a la produtores de vinho francês). Quem também assumiu isso - com mais vigor como lhe compete foi o sindicato UAW (United Autoworkers Union), uma das mais poderosas organizações laborais dos Estados Unidos. A combinação produziu algo de fazer inveja à social-democracia escandinava. Vocês sabem por exemplo que a General Motors tem um … subsídio de desemprego?
É verdade. Ao abrigo de um acordo entre a GM e a UAW assinado em 1984 foi criado uma “banco de emprego” em que trabalhadores do sector automóvel abrangidos por esse acordo que sejam despedidos não vão para a rua. Vão isso sim para o tal “banco de emprego” aguardando apenas que os bons tempos regressem pois …. a expansão da procura é inevitável. (Dream baby, dream!) Nesse tal banco de emprego, os trabalhadores a que a ele pertencem têm que ir ao emprego todos os dias aprender algo que poderá eventualmente um dia ser útil à indústria automóvel, o que significa …nada. Os trabalhadores são mais realistas e chamam aos locais onde se têm que concentrar para aprender coisas inúteis o “quarto dos loucos”. A GM tem 7.500 trabalhadores a viverem deste subsídio de desemprego com o pretexto de estarem a ser retreinados e a quem é pago não só o seu salário total mas também o seguro de saúde na sua totalidade (que inclui familiares) e ainda os fundos de reformas. Custo anual para a GM: entre 750 e 900 milhões de dólares.
E tal como acontece com os subsídios de desemprego em muitos países da UEtupia… não têm fim. É, como se diria em Moçambique, uma situação…
Outro problema da GM é que a sua força de trabalho foi envelhecendo. Hoje a GM tem 147.000 trabalhadores e 460.000 reformados. Graças aos acordos com a UAW os que passam à reforma recebem não só a reforma mas também cuidados de saúde sem igual nos Estados Unidos. Reformado da GM não paga um centavo quando vai ao médico. Faz lembrar certos países, não é? Resultado: só o ano passado a GM gastou cinco mil e 400 milhões de dólares em gastos de saúde (reformados, activos e familiares) o que é mais do que os rendimentos dessa outra grande companhia americana a Harley Davidson. O que é mais de mil e duzentos dólares por veiculo. Em cada carro da GM há portanto mais cuidados de saúde do que aço, disse alguém.
Junte-se a isto o facto de que durante anos, preocupada em manter o sistema a funcionar a GM descurou os seus produtos jogando sempre no princípio de que o seu mercado era garantido. O seu departamento de investigação e desenvolvimento caiu porque os fundos eram cada vez menos (porque é que aqui eu me estou a lembrar do Durão Barroso a chorar que a UE precisa de gastar mais massa na “research and development” mas que todos dizem que não há “massa”?)
Aqui nos Estados Unidos a anedota do consumidor era a certa altura que a garantia de um carro da GM “acaba quando ultrapassar o passeio entre a loja e a estrada”. Tão desligada estava a GM do mercado que ficou totalmente surpreendida quando depois dos japoneses lhe abrirem o mercado foi informada que para vender carros no Japão tinham que os fabricar com o volante à direita porque lá guiam como em Inglaterra. É verdade!!
Mas o consumidor não é estúpido e os concorrentes também não. Em 1965 a General Motors tinha 50% do mercado americano. Em 1985 tinham 41%. O ano passado 26%. A Toyota deverá este ou o próximo ano tornar-se no principal vendedor de automóveis dos Estados Unidos. As marcas estrangeiras (na prática japonesas e sul coreanas) controlam hoje 43 % do mercado americano. Faz pensar em certos produtos aí desse lado do lago, não é?
Há que dizer que graças à concorrência os produtos da GM melhoraram e muito,. Há também que dizer que recentemente a UAW depois de fazer contas à vida viu que a galinhas dos ovos do estado do bem-estar estava a ficar de papo para o ar e concordou em fazer concessões para reduzir os custos e poupar à companhia cerca de mil milhões de dólares por ano. O que pode ser um “marco” . Vamos a ver. Há quem não acredite.
O que é um “marco” é que o que se passa com a GM prova aquele velho ditado económico e que se aplica aí onde as pessoas pensam que a galinha do estado do bem-estar é eterna: Factos (como concorrência, globalização, envelhecimento da população, etc.) são coisas teimosas. Não se vão embora.
Abraços
Aqui da capital do império
Jota Esse Erre. PS – Tenho a dizer-vos que eu gosto da e aprecio a ideia de não descontar no meu salário para pagar um seguro de assistência médica, ou de ir à universidade sem pagar ou de me reformar com tudo pago pela GM ou estado ou seja lá quem for. Quem não gosta disso? Mas o problema é que em questões económicas, como diria o grande revolucionário e/ou revisionista Nikita Kruschev “a economia é uma coisa que não respeita os nossos desejos” . Ou nas palavras desse grande filósofo inglês Mick Jagger: “You can’t always get what you want”.
Fim
Jota Esse Erre
2 comentários:
Brilhante! Parabéns, Jota Esse Erre. Espero pela sua próxima crónica.
Num espaço de "doctus cum libro" ler-te é um refrigério (até para os ditos...).
Um abraço
Enviar um comentário