quarta-feira, 10 de maio de 2006

Sobre a necessidade de uma revolução (1- haver ou não necessidade de uma mudança no paradigma organizacional da sociedade actual)

Em A Sociedade do Espectáculo Guy Debord afirma: "no mundo realmente reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso". A sociedade actual parece confirmar a todo o momento esta sentença. Michael Hardt e Antonio Negri analisam, em Império, o conceito de Focault de "sociedade disciplinar", concluindo por uma mudança no paradigma ocorrido devido ao fim da guerra fria e à revolução tecnológica. Propõem, então, um novo conceito, o de "sociedade de controlo". Concordo com esta análise. No nosso tempo, a relativa liberdade que possuimos é confundida com o melhor dos mundos possíveis; a delapidação de recursos, com inevitabilidades; as receitas que conduziram, e conduzem, à miséria no terceiro mundo são apresentadas como as únicas que conduzirão ao caminho inverso. O neoliberalismo apropriou-se do léxico revolucionário: o "progresso", a "mudança", a "liberdade", a "igualdade" são, afinal, livrarmo-nos dessa canga ideológica esquerdista e desse peso morto, o "Estado". No entanto, a dita "revolução neoliberal" não é mais que a repetição dos mesmos princípios que conduziram à miséria e à desigualdade; e não se vê que proponha a substituição das funções do Estado por outra coisa que seja. Pelo contrário, a sua solução é a de transformar "serviços" em "bens", e colocá-los à mercê do livre arbítrio dos negócios. Entre muitos dados sobre estas matéria, publiquei já aqui no 2+2=5 referências a estudos que provam que, por exemplo, na área da saúde a liberalização conduz não apenas a uma pior qualidade como até a um maior desperdício (ver aqui). Em suma, o "neoliberalismo" não é mais que o velho capitalismo, embora com nuances.
Hegel e Marx demonstram como a evolução de uma sociedade, ou de um corpo social, é dialética, ou seja, progride por acção-reacção. Não é possivel mais, hoje em dia, que o cidadão comum aceite os mecanismos da sociedade disciplinar focaultiana; e não se pretende de modo algum negar que o liberalismo, por ser uma ideologia da livre iniciativa, criou essa repulsa pela velha ordem. O que sustento é que os mecanismos de exploração apenas se aperfeiçoaram, refinaram, e tiveram de o fazer para responder aos vários desafios que o século XX lhes apresentou. A grande mudança no paradigma, brilhantemente antecipada por Debord e superiormente explicada por Hardt e Negri, é a transformação numa sociedade de controlo; ou seja, em lugar de uma disciplina férrea, é exercido um controlo subtíl, por vezes mesmo personalizado. Para o conseguir, é necessário que o sistema domine o ponto-chave de uma sociedade onde a liberdade é um valor superior: a informação. Se o Homem tem como principio maior o de agir livremente, ou seja, decidir, falo-á de acordo com a informação que dispõe. O controlo dos media é a chave para o domínio na sociedade de controlo. Nesse aspecto o nosso tempo apresenta, para o olhar do observador atento, um verdadeiro espectáculo. As projecções económicas, por exemplo: não há uma que não preveja para 2/3 anos depois a recuperação da economia- e no entanto a crise persiste. As agendas para o combate à fome: tivemos o ano 2000, depois 2005, agora 2010, todos com o mesmo objectivo- e a miséria piora no Terceiro Mundo. Em relação ao ambiente, a Agenda 2000, o Protocolo de Kioto para 2010, a sua revisão prevista- e o clima deteriora-se de dia para dia. O facto é que o cidadão comum nem sequer se lembra destes objectivos anteriores distantes, e que é convencido por estes dados falsificados (e convém pensar nas fontes que os produzem...) de que se caminha na direcção certa, a da "igualdade", "liberdade" e "progresso" do amanhã que canta neoliberal. Uma sociedade que se pretenda estar ao serviço dos cidadãos de todo o mundo precisa de novos paradigmas, e nesse sentido "a verdade é sempre revolucionária" (Trotsky).

7 comentários:

Anónimo disse...

E a ordem económica internacional? Será possível continuarmos a assistir á debandada das grandes grandes empresas internacionais para a Ásia da mão de obra barata? Que futuro para a Europa desenvolvida? Terão os Estados Sociais capacidade de suportar o desemprego que se multiplica cada vez mais? Como é que as politicas respondem a estas novas possíveis realidades?

Anónimo disse...

E se lêssemos Cornelius Castoriadis?- O mérito das propostas de André Carapinha consiste de nos obrigar a reler... Fui ver aonde parava o meu Empire. Será que algum convidado o surripiou!? Bem, derivei para os textos do Guattari- Revolucao Molecular- e de Castoriadis- Les carrefours du Labyrinthe. Todos sabemos como eles andavam perto dos mesmos ideais políticos, se bem que Guattári se afichasse mais anarquista no final da sua curta e deslumbrante vida.
Ora de um texto do citado livro de Castoriadis," Valeur, Égalité, Justice, Politique: de Marx à ristote et d Áristote à Nous", sobressaem dispositivos de grande alcance metedológico e político.Por exemplo, no que se refere à troca ou ao exercício da justica distributiva,cuidado com as fáceis deducoes!, Marx assume a heranca de Aristóteles e Platao de que é preciso igualizar e que a verdadeira igualizacao nao é nem pode ser aritmética, mas geométrica e proporcional.A igualdade aritmética prevalece na primeira fase da sociedade comunista". Postulado visceralmente indiscutível e inquestionável para Marx:" Os indivíduos sao naturalmente diferentes - e é preciso igualizá-los. Para comecar, nao podemos igualizá-los senao fazendo intervir o trabalho( págs.300/1, in C. Labyrinthe). Portanto,no meu ponto de vista, a organizacao de uma alternativa aos dogmas neo-liberais de dominacao cibernética unidimensional passa pelo arrumar de toda uma heranca teórica, a partilha de um dispositivo ágil e eficaz de combate a todas as tentacoes burocráticas, fetichistas e formalistas. FAR

Anónimo disse...

O artigo do referido livro de Castoriadis tem por título, rectificado e traduzido: " Valor,Igualdade, Justica,Política:de Marx a Aristoteles e de Aristoteles até nós ". Toda a obra de Castoriadis- cerca de 20 volumes- é essencial para se ultrapassar o centralismo democrático e o cortejo de fobias-sanguinárias do mesmo género, assegurando uma visao post-marxista e de reforco das teses(?) do radical-liberalismo sofisticado com apoio dos referenciais Maio-68
e conselhista. Castoriadis quiz fazer uma corrente em Portugal, em Maio de 1974, a que estive ligado com o( agora jornalista) António Caeiro da Lusa. FAR

Anónimo disse...

o problema nao é a ideologia, mas o homem, e esse nao ha nada a fazer, acaba por estragar toda e qualquer ideologia por muito bem penssada k seja...
e...a globalizaçao??? ... a maquina està lançada, jà nao podemos voltar atraz, por muito que me custo admiti-lo

Anónimo disse...

André

Para quando a continuação das suas análises?

Sabe que quem passa a vida a falar de revolução normalmente é para esconder a frustração.

Comece por revolucionar a sua relação consigo e com os seus leitores. É essa para já a verdade revolucionária que pode atingir. Um pouco de modéstia também lhe fica bem.

O André parece-me contaminado pelo MMCarrilho. Só que lhe falta a Bárbara. No resto são muito parecidos

Anónimo disse...

Your site is on top of my favourites - Great work I like it.
»

Anónimo disse...

What a great site, how do you build such a cool site, its excellent.
»