domingo, 6 de novembro de 2005

Um sistema em chamas

Não são apenas os subúrbios de algumas cidades da arrogante e chauvinista França que ardem.
A falência e o colapso de um sistema que acolheu e não soube nem quis integrar mão-de-obra barata, sem se lembrar que estes imigrantes haviam de procriar e que da 2ª geração, votada ao abandono e à exclusão económica, social e cultural, porém criada num contexto de uma sociedade de abundância e de consumismo desenfreado. Desta 2ª geração, excluídos, nasce uma revolta que, por enquanto, será prematuro determinar causas. São, sem dúvida, gente excluída; gente posta à margem pelo sistema educativo; gente que da grande cidade tem um olhar de fora.
Os valores cívicos e de cidadania passam-lhes ao lado. Injustiçados e escorraçados em toda a parte. Aprenderam que o dinheiro é a mola real de todas as coisas - esse é o único valor. O essencial é ter dinheiro, daí vêm o respeito, o poder e a credibilidade.
O trabalho, enquanto meio de dignificação do ser humano e como instrumento para a sua emancipação, é visto como a continuação da vida estúpida que os seus progenitores levam.
Falo de França, mas poderia estar a falar de Portugal e da Quinta da Princesa, do Bairro do Picapau e de outros muitos "ghettos" da Margem Sul do Tejo.
Se ainda ninguém citou Brecht, faço-o eu:

DA VIOLÊNCIA
Do rio que tudo arrasta se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas
As margens que o comprimem.

A questão reside, na minha opinião, num sistema educativo fortemente elitista e fortemente desadequado da realidade social. A nova revolução deveria partir de espíritos cultos e avançados, não de 'gangs', não de 'clãs'. Estarei a ser demasiadamente elitista?...

4 comentários:

André Carapinha disse...

Fernando, as revoluções partem de onde têm de partir.
No mundo globalizado e informatizado, os cultos e preparados têm vantagem. Inevitavelmete, vivem melhor que os outros. Não espero revoluções desse lado.
É que isto das classes...
É lógico que estes jovens não estão politizados, e no fundo não estão a fazer nenhuma revolução, mas simplesmente a revoltar-se. Parece ser o padrão dos tempos de hoje: Los Angeles, Bolívia, Argentina, França, ou todos os protestos "anti-globalização" (como o sistema lhes decidiu chamar). É sintomático da falta de modelos alternativos, e da crescente uniformização do planeta. Quando se sente revolta, e não se encontra "conforto" em nenhuma teoria, sistema ou referêncial de ideias, só resta partir.
Eu compreendo esses jovens, o que não quer dizer que tenha vontade de me cruzar com eles na rua. Também não espero nada de bom das "conclusões" deste processo.
Mas é assim a vida. Quem os pode censurar? Só essa gentalha ultraliberal, p. ex. os que escrevem no "Blasfémias", e que estão sentadinhos em casa a teclar enquanto bebem um Red Label de 15 anos e chamam-lhes "criminosos", "terroristas", etc.

Anónimo disse...

Penso fundamentalmente que está em causa um modelo de integração das minorias étnicas. Embora se possa fazer outras leituras não de deve sair dessa questão, que para mim é fundamental. O modelo francês da integração é diferente, por exemplo, do modelo holandês da preservação cultural. Ambos têm falhas. Paternalismo excessivo ou falta de perspectiva podem ser algumas. Considero que não faz sentido falar em Maio de 68. Qualquer semelhança só pode vir de quem lá não esteve ou de quem de lá não saiu.
O problema tem a ver com a falta de uma politica social que nunca se pensou em termos de futuro. Por certo que quem anda a incendiar carros com tenis Nike de 100 euros e casacões Hip Hop de 300 euros pode ter a ver com atitude mas não com falta de poder de compra. Não vão mais longe. Ouçam a análise que fazem os mais velhos dos bairros degradados de Lisboa em relação aos seus jovens. Desemprego há. Crise de valores há. E muitas outras coisas. Agora Maio de 68? please. Ainda se fosse de 69, vá lá....

Anónimo disse...

Oi cambada,
estar à espera do início da "nova revolução a partir de espíritos cultos e avançados" é no minimo assustador...

estar à espera que a rapaziada fugisse descalça e nua é perturbador...

de 15 anos, penso que será Black Label...

Alguém se esqueceu que tudo começou com a morte de 2 putos que ao fugirem da bófia se refugiaram num posto de transformação eléctrico e após o lançamento de uma granada de gás lacrimogénico dentro de uma mesquita?

Ravachol.

Anónimo disse...

Passados 43 anos, a França ainda não conseguiu integrar plenamente os “pieds-noires” - 1 milhão de retornados da Argélia, em 1962, tal e qual como os retornados das ex-colónias (parte da elite destes criou este blog) quanto mais integrar beduínos e gente de cor triste.

Os colonos franceses na Argélia eram sobretudo agricultores que ocupavam as melhores terras do país. Para a gente fina de Paris, não passavam (e não passam) de gente com os “pés sujos de lama”. Mas também eram chamados “pieds-noires” porque, enquanto os argelinos andavam descalços ou com “babouches”, os colonos calçavam sapatos pretos.

Camus, Althusser e Yves Saint-Laurent eram pieds-noires»