domingo, 27 de novembro de 2005

Contos de Natal .2

Vejo as iluminações de Natal e tenho dificuldade em perceber a época em que vivo.A culpa é do meu pai. Era suposto ser uma época à volta de coisas simples, sob a égide de um menino, nu, num palheiro, aquecido pelo bafo de um burro e de uma vaca.A menina dos fósforos do conto projectava esse imaginário. O que temos hoje? Vocês sabem! O meu pai é do tempo da missa em latim. De um Inferno com labaredas que queimavam, para a eternidade, aqueles que não eram pios. De uma comunhão, feita em jejum, violentíssima para quem tinha entre sete e nove anos. Do terror de trincar a hóstia, que se colava ao palato, e que só se podia afastar com a língua. Com imensa delicadeza, tratava-se do corpo de Cristo. Quem não tivesse essa mestria, com apenas uma trincadela, era apanhado no acto, pois o sangue sagrado faria círculos à volta do prevaricador. O Inferno não eram os outros. Por desejo familiar, não fui baptizada, mas deram-me a Bíblia a ler, como me deram a Odisseia. Não rezo, nem papo hóstias. Na noite de Natal não me sinto angustiada, embora sinta que o meu pai assim fica. Para mim as angústias são coisas do dia-a-dia em que vivo. “ L’enfer sont les autres”. A culpa é do meu pai.

Josina MacAdam

10 comentários:

Anónimo disse...

Gostei e muito!
Beijinhos

Anónimo disse...

Josina, lamento ainda hoje estar a viver num mundo hipócrita.
Procure encontrar momentos felizes noutras coisas, coisas simples. Beijinhos

Anónimo disse...

Eu punha o seu pai à venda no Miau ou melhor ainda no e.Bay porque assim ia pr'ó raio que o parta.

Anónimo disse...

Oh anonymouse ponha-se a si à venda. Mas pelos meios tradicionais. No Intendente!

Anónimo disse...

Eu gosto destas crónicas. Vou assinar a série, espero que não haja interrupções!

Anónimo disse...

Antes no Intendente, lugar de alta lúxuria, de fartas libações e de vastos paraísos, ainda que artificiais, do que a dar aulas a falidos da vida ainda antes de se estabelecerem.

Nota:
O que é que Bakunine tem a ver com a família MacAdam? É tio da Josina?

Anónimo disse...

Há quem goste das crónicas, desde que "não se passe lá em casa".

Anónimo disse...

Acho execráveis comentários de tom moralista. Abaixo a ignorância! Um texto não tem de ser vivido pelo seu autor. Embora assim possa ser.

Anónimo disse...

Concordo com o bakunine. Crónicas são crónicas. Não precisamos sequer de saber mais nada sobre os seus autores.
E cada um leva para casa o que quer e (ou) o que pode!

Anónimo disse...

Um pequeno reparo...a frase certa de Sartre é: "l'enfer c'est les autres"...bj.
Annie