EXÍLIO VOLUNTÁRIO
Ou
(Isto não é normal, a Europa a arder e eu a dar-me para a poesia...)
1.
Talvez seja tarde. Talvez nem sequer valha a pena o meu modesto esforço.
Posso perfeitamente deixar-me ficar aqui a gerir paixões efémeras.
Egoísta.
Centrado em mim.
As tardes deste Outono são estranhas.
Ora se desfazem num cinzento – noite.
Ora são laranja – violeta.
Nem sequer me dou ao trabalho de ver qual a cor do mar...
Talvez não valha o esforço de ir e saber que sítio é este.
Este lugar.
Que sei deste lugar?...
Sei o que foi e aonde foi e quando foi.
Sofro o que é.
Desconheço o que há-de ser.
2.
Numa manhã inominada há-de surgir o sítio onde me quero.
Por entre canteiros de folhas da cor de um verde macio, ainda a chorar de orvalhos.
O sítio onde anseio voltar.
Manhã, quase madrugada de beijos.
A manhã cheia de saudades da noite.
Manhã, dia de voar aos gritos de saudade.
3.
Quantos exílios vivi à espera de um gesto teu?...
Há quanto tempo vivo a imaginar as tuas mãos, os dedos bonitos das tuas mãos?
Exilado na vontade de te falar, de te ouvir.
Como se estivesse à espera que surgisses, subitamente, numa das esquinas do meu
exílio para me resgatar.
Os dias colam-se-me à pele, de tão iguais, em ilusões amarelas.
Escoam-se as horas passadas sem te encontrar.
Quantos Outonos terão de escorrer pelos calendários até que te encontre?...
4.
De manhã, as gotas da humidade escorrem em grandes lágrimas pelos vidros.
Há, nas ruas, uma Humanidade que passa: seres estranhos que vão às suas vidas.
Ponho-me à janela e sonho aquelas existências.
Revivo verões passados que nem sequer me pertenceram.
Fabricador de todas as ficções, roubador dos fogos divinos.
De manhã, há uma toada lenta na minha imaginação, um som de passos com pressa.
Uma finíssima melodia que vai subindo das ruas até junto do telhado onde mora o meu pensamento.
Brinco com o fogo, enquanto as janelas vão chorando...
5.
Manhã de todas as manhãs, galos que cantam e vida a espraiar-se pelas ruas...
Deixem-me ficar neste voluntário exílio.
Quero ficar aqui, na margem, a observar a vida.
De olhos abertos quero ser aquele que contempla e pensa e reflecte a vida...
Ninguém me peça mais do que contemplar e reflectir sobre o que vê.
Era de grande utilidade que se permitisse a uns quantos realizar estas actividades...
Depois, era deixá-los ir de novo para a cama.
Passear pelos sonhos, pastar rebanhos de desejos e voltar a acordar...
6.
Exilo-me voluntariamente
Despojo-me de tudo o que a mim se foi agarrando...
Agora sou Nada.
Quantos de mim fui, nem quero saber.
Vivo exilado de forma voluntária.
Isso, pelo menos, me foi dado escolher.
7.
Contabilizo todos os meus erros.
Somo tudo o que fui perdendo ao longo dos tempos.
Confundo perdas e ganhos.
Nas minhas contas todo o mal se ajusta
(que nem sempre se ajusta o bem...)
Nada se acerta em se perder
Nada se ganha em acertar.
Contando peça a peça
Reconheço que sei pouco do deve e do haver.
Quantas vezes se ganha em se perder?...
8.
Um passeio solitário no fim da tarde que escurece
é uma forma de exílio.
O mês de Novembro vai frio e um pouco agreste, às vezes o sol rompe,
lá em casa fazem-se compotas e outros doces,
o mundo vai ardendo um pouco por toda a parte...
Um cobertor mais na cama e tudo se resolve.
Esse é o passeio de quem pensa que se exila pensando passeando.
9.
Quando chega a madrugada a mão arrefece por sobre as teclas.
A melodia das palavras impressas letra após letra vai entrando numa toada lenta.
É a canção triste do escrevinhador das três e tantas da madrugada.
A Humanidade dorme ou, então, estará pelo menos ausente.
Os gatos recolheram-se há muito para o interior morno dos motores dos carros.
Há no ar frio de lá de fora um cheiro a pastelaria, um guincho de pneus no asfalto.
E a mão, as mãos arrefecendo, como pétalas murchas à beira das teclas.
Exaustas, as palavras deitam-se por volta das quatro da madrugada...
10.
Inominada, indefinida – és tu, aquela por quem anseio.
Um sorriso, um tom de voz, o queixo bonito onde apetece morder...
Vou-te encontrando por vezes
e as mais das vezes te desencontrando, te perdendo
Adiando o momento em que te veja inteira.
Irei esperando pacientemente.
11.
Freneticamente vou ao encontro das palavras.
Com o desespero de quem chega atrasado a um encontro previamente combinado.
Corro num passo desengonçado, coro na vergonha de me sentir inferiorizado pelo atraso.
E, afinal, as palavras esperam-me.
Quietas.
Numa espera de noite subitamente revelada.
Há noites em que as palavras nos esperam de forma insuspeita.
12.
Fui vergando todo o meu corpo até que os meus cabelos se afundassem no chão.
Dobrei-me pelas ancas e cravei os tornozelos no chão.
Exilei-me nesta resistência de não sair daqui, deste chão que me pertence.
Vergo-me apenas ao Vento que é natural e não se pode evitar.
O meu exílio é resistir enquanto existir.
Apaixonar-me.
Fernando Rebelo – Nov.05
5 comentários:
Sou de facto sobrinha do Cirurgião Francisco Murinello e op sdeu blog passou também a ser um dos meus favoritos.
Prometo tentar não mer esquecer de lhe transmitir o seu agradecimento e continuar a ler as suas´´aginas do diário socrático
O Fernando no seu melhor.
Aproveito para dar um beijinho à Joana e mandar outro à Tico. Não me esqueço do abraço ao Júlio.
Não posso deixar passar o nome do cirurgião Francisco Murinello, sem me juntar a aqueles que lhe querem transmitir o seu agradecimento.
OBRIGADO Kuka.
Obrigado, Fernando Rebelo
Linda poesia! Continue a deleitar nos com a sua prosa e poesia.
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