domingo, 20 de novembro de 2005

Andamos mesmo infelizes...

Andamos cada vez mais infelizes.
Vivemos mais anos, temos uma qualidade de vida infinitamente superior à dos nossos avós e, no entanto, andamos cada vez mais infelizes.
Aos quarenta anos vivemos ainda incertezas e angústias de adolescentes.
É verdade.
Amadurecemos muito mais tarde do que era suposto ser normal.
Há umas décadas atrás, um fulano na casa dos quarenta nem pensava em usar um brinco na orelha, quanto mais um ‘piercing’ no umbigo ou uma tatuagem na omoplata direita. E, se o fizesse, tinha o destino traçado: viciava-se em LSD, vivia numa comuna e acabava num manicómio.
Era a famosa trilogia: droga, loucura, morte.
Hoje em dia é perfeitamente normal encontrar um cinquentão de rabo de cavalo a entregar o modelo 1 do IRS numa repartição de Finanças e, se for mais perto do Verão, a exibir duas ou três tatuagens por baixo da camisola de alças.
E por falar de infelicidade: estes adolescentes retardados que somos nós andam numa infelicidade terrível. Metade deles estão divorciados, a outra metade está casada mas em trânsito para o divórcio.
O que é que sucede?
Os putos dos 16 aos 18 anos, por sua vez, vivem relações muito estáveis, aparecem lá em casa com o namorado ou namorada, trocam alianças e vivem tão ou mais infelizes que os progenitores. São, biologicamente adolescentes, mas não passam de crianças que brincam às relações amorosas, sem perceber que estão a imitar grosseiramente modelos que existiram há décadas atrás.
Confusos?
Os sexagenários encontram-se no Mercado da Ribeira e passam tardes luxuriantes a dar à perna, em bailaricos.
Claro que um panorama destes só pode contribuir para a infelicidade geral e generalizada.
Não há sossego possível.
Vai uma quarentona divorciada há largos meses e topa com um colega quarentão e logo lhe ocorrem pensamentos lúbricos. E nesse mesmo momento a sua costela judaico - cristã a apertar-se como um cilicio:«pois se ele é casado...», e vai daí a pobre e desesperada quarentona desiste de toda e qualquer investida. Infeliz, passa o fim de semana a empanturrar-se de bolos e todas as porcarias alimentares que lhe aparecerem pela frente, enquanto o filho aparece a dizer que vai jantar com a namorada e a mãe lhe telefona a dizer que vai, no sábado, para uma excursão e que volta no domingo. O quarentão casado passa um fim de semana de cão, a aturar os sogros, a ir às compras e a procurar meias no cesto da roupa lavada.
No início da semana de trabalho, ambos – quarentona e quarentão - se cruzam e lançam um ao outro os olhares mais infelizes que se possam imaginar...

6 comentários:

Anónimo disse...

Vós, sinceramente, estão-se a passar.
É o único comentário possível.

Anónimo disse...

E velhos, é isso que não percebo...

André Carapinha disse...

Força, caro Fernando.
Força.

Anónimo disse...

Perante isto, pode dizer-se que o medo anda por aí.

Ainda não li o ensaio de José Gil, mas este retrato tresanda a medo colectivo.

Foi-se quase tudo
Só ficou a incerteza.

Sentimo-nos todos como se estivessemos sentados numa cadeira de três pernas na varanda periclitante de uma casa palafita de estacas podres.

Até o Silva deixou de ter só certezas e até já tem umas tantas dúvidas.
«E se o meu neto cai na droga?»
«Conseguirei deixar de me babar?»
«E se volto a chamar ópera do Mozart ao filme "Amadeus"?»

Também podemos fazer como a Alice e passar para o outro lado do espelho, que é mais radioso.

Anónimo disse...

zemari voltaste! Estás perdoado!

Anónimo disse...

"miserere de profundis..."
Apetece-me dizer como o José Cardoso Pires..."..e agora José"???
Annie