quinta-feira, 31 de maio de 2007

Da Capital do Império


Olá!
Outro dia fui a Nova Iorque. Não é uma cidade com aquela beleza turística que se encontra em Paris. Ou Londres. Ou Barcelona. Não tem os Campos Elísios. Não tem Las Ramblas. Ou Westminster. Não há locais para os sentidos se regalarem em relaxamento.
Na verdade tudo em Nova Iorque é agreste, os desfiladeiros entre arranha céus a pique sem o encanto, espaço e mesmo calma que as grandes avenidas com as suas arvores trazem em zonas de Paris ou Barcelona As estações de metro em Nova Iorque são exemplo disso, uma mistura de ferro, ferrugem, água que pinga não se sabe bem vinda de onde, com bancos de madeira em que saliências também de madeira foram incluídas para se impedir as pessoas de se deitarem nos mesmos. Nova Iorque é uma cidade que reflecte na sua paisagem urbana a agressividade dos crescimento do capitalismo do século 19 mas que ou talvez por isso continua a ser o pólo de atracção para milhões de pessoas de outras partes do mundo.
Respira-se em Nova Iorque movimento, riqueza - reflectida nas limusinas de cor negra, vidros fumados que patrulham incessantemente as suas ruas - e juventude. É de pasmar como em Manhattan se constrói ainda, se destrói o antigo para novos arranha-céus. Constantemente, sem parar, em todo o lado.
Nova Iorque é a glândula tiróide dos Estados Unidos. Queima energia, fabrica proteínas e mede a sensibilidade do país a outro sangue, a outras hormonas. Multidões poliglotas enchem as suas ruas, reflectindo o facto que mais de 30 por cento da sua população nasceu no estrangeiro e que 47 por cento dos seus mais de oito milhões de habitantes falam em casa outra língua que não o inglês. As restrições à imigração aumentaram, a imigração é tema quente para os políticos. Mas de todo o mundo ali continuam a chegar para serem triturados, remoldados, refeitos, desfruídos, renascidos à sombra da estátua da liberdade e depois espalhados pelo resto da América. “USA,” dizia-me o condutor de táxis do Paquistão, “significa U Start Again” e ria-se. Todos se queixam (“Ah se eu soubesse…”,). Raros se vão embora
Às duas da manhã depois de um a noite de teatro e jantar em “brasserie” francesa (aberta 24 horas ao dia) chego ao meu quarto e falta-me algo. Saio do meu hotel, ando dois quarteirões e compro um saca-rolhas para a minha garrafa de Porto Vintage 1997 Taylor Fladgate. Sempre que vou a Nova Iorque comemoro todas as noites que lá estou com Porto …. do bom. No mínimo um Tawny de 10 anos Bom vinho para boa cidade. Faço questão em escolher restaurantes de nacionalidades diferentes todas as noites embora os franceses estejam sempre no menu. O homem que me vende o saca-rolhas é um imigrante. Da Bolívia. O seu patrão é de Taiwan. Os dois a atender clientes às duas da manhã. Nova Iorque é isso: quer um saca-rolhas às duas da manhã? Há alguém a vendê-lo…Também corta unhas, segundo me disse alguém.
Nova Iorque é remodelação constante. Outrora os condutores de táxis eram polacos, judeus vindos do leste europeu. Hoje são paquistaneses, afegãos, indianos. Ontem foram italianos a marcar a história de certas zonas de Nova Iorque. Hoje Little Italy é um bairro a morrer que existe na esmagadora parte apenas como local de restaurantes italianos para turistas. Os italianos e as famílias mudaram-se para Nova Jersey e outros locais. Renascem agora americanos ou talvez ainda italo-americanos. Little Italy renasce no entanto com o ímpeto da Chinatown que cresce como nunca invadindo as ruas onde se fala cada vez menos italiano e cada vez mais mandarim, cantonês e seshuan. A Máfia está moribunda, substituída pelas tríades.
Nova Iorque é a riqueza da Wall Street, da Upper East Side. São também os “barrios” latino americanos da Upper West Side com lojas e lojinhas, negócios especializando-se no envio de mobílias, carros, dinheiros, tudo para a Republica Dominicana, Guatemala, Nicarágua etc.
Nova Iorque é a cidade vertical do imprevisível. Vertical com pérolas difíceis de imaginar. A chinesa a passear os cães num carrinho de bebé. O homem com centenas de balões à cabeça. Um negro bem macho mas vestido de saia, blusa e chapéu de mulher, de guarda-chuva na mão gritando as ultimas más noticias do Iraque ali no Washington Square perante a indiferença de quase todos e onde um conjunto musical de um negro, uma asiática e um branco tocam um jazz encantador. Perto de uma igreja Baptista que se gaba à sua entrada de querer para seus crentes “a comunidade LGBT” ou seja Lesbians, Gays, Bisexuals e Transexuals. Ou de um branco a tocar marimbas (é verdade, marimbas!) numa rua e furioso quando o quis fotografar. É a cidade onde num programa de dedicatórias na radio alguém diz : “Quero dedicar isto à Tina. Desculpa lá ter-te dado uma facada”. Verdade!
É cidade onde o ano passado foram assassinadas 580 pessoas (e não foi um ano mau) mas que recentemente impressionou o autor britânico Allan Bennet pela sua “relativa ordem e civismo”, reflectidos nos encontros à noite em conhecidas livrarias onde autores de renome mundial discutem as suas obras recentes, ou apenas tópicos de interesse da actualidade, das artes, das letras. “Já não é possível imaginar-se esse tipo de civismo público em, Inglaterra,” queixou-se Bennet.
Tentei ir ao ao museu Guggenheim. A fila de entrada estendia-se para fora do museu. Um polícia mantinha a ordem na fila até à esquina. Desisti. Mas fiquei a remoer no que tinha visto: Um polícia a manter a ordem na fila para um museu! Verdade! No Museu Metropolitano multidões enchem as salas. No mais pequeno Neue Gallerie há fila para o café vianense, perto da residência privada do Mayor Bloomberg .
E depois as “sociedades”. A sociedade da Ásia, a Scandinavian House, o Instituto Francês – tudo com exibições excelentes. E as salas “privadas” de negociantes de arte, escondidas em arranha-céus como a Zabriski e Greenberg onde recentemente vi uma exibição fotográfica de se lhe tirar o chapéu.
E o teatro e os seus grandes actores, noite após noite, um festival de teatro. E de ballet.
Cultura que faz abrir a secção de artes do New York Times à Sexta-feira e ao Domingo algo como ler um livro.
E a very “rive gauche” East Village. E Brooklyn com a sua juventude, cafés, armazéns, bate chapas e mercearias polacas e de produtos judeus
Nova Iorque ‘e cidade onde durante anos e anos o homem encarregue de preparar as luzes de natal da cidade era um judeu, Cuja matrícula do carro dizia: “Xmas” ( Christmas)
Para mim Nova Iorque e ao contrário de muitos não foi uma cidade de que me senti parte instantaneamente. Não foi amor à primeira vista. Sei contudo que agora não posso viver sem ela. Duas, três vezes por ano tenho que lá ir. Mesmo que só por duas noites Está-me no sangue. Uma das boas coisas da Capital do Império é a estrada para Nova Iorque.
Um abraço,

Da capital do Império Jota Esse Erre (texto e foto)

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