segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Os 30 anos da Rádio Moçambique

Podem dizer que sou suspeito, na medida em que fui, muitos anos, trabalhador da Rádio Moçambique, mas a verdade é que não queria deixar passar em branco os 30 anos daquela estação emissora.
Talvez não haja em Moçambique nenhum factor que mais tenha contribuído para a unidade nacional e a consciência da nossa moçambicanidade do que a Rádio Moçambique, a voz que chega ao mais longínquo recanto do território nacional, falando com os seus ouvintes nas línguas que eles melhor entendem.
Nos terríveis tempos da guerra, quando quase todas as outras formas de comunicação estavam cortadas, as ondas da nossa emissora continuavam a passar por cima dos obstáculos para dizer às pessoas o que se passava no País e no mundo. Para lhes levar mensagens de esperança em melhores dias, junto com o divertimento da música ou do teatro radiofónico. Quem não recorda o sucesso que foi o folhetim radiofónico Sandokan, o Tigre da Malásia, transmitido quando a guerra já fazia sentir o seu horrível bafo.
*
Mas a Rádio Moçambique tem sido, ao longo destes 30 anos, muito mais do que uma forma de comunicação que cobre o País inteiro. Tem sido um importante factor de modernidade. É através dela que o camponês analfabeto de Tete ou de Cabo Delgado fica a saber que há homens que viajam no espaço. Que os habitantes de vilas às escuras sabem que a electricidade chegará às suas casas dentro de poucos meses. Que foram dados passos significativos para a cura de doenças que os afligem.
E não quero deixar de falar de um objecto que foi aliado prioritário da Rádio Moçambique em todo este esforço. Estou a falar do rádio Xirico, aquela pequena maravilha, imaginada pelos alemães da extinta RDA, que era montado no nosso País e distribuído por todo o lado a um preço acessível a qualquer um. Não havia quem não tivesse um Xirico em sua casa. Vítima da queda do muro de Berlim, o Xirico desapareceu sem deixar substituto, mas deixando saudades pela sua alta qualidade a baixo preço.
Mas, voltando à Rádio Moçambique, temos que falar do esforço que a emissora faz a nível cultural. Reforçando a cultura local, através das línguas nacionais dos emissores provinciais, e misturando todas as raízes culturais na Antena Nacional. É por seu intermédio que o moçambicano de Gaza aprende a conhecer o ritmo trepidante do Mapico, do planalto de Mueda. Que o habitante da Angónia aprende a ouvir e apreciar os cânticos macuas da Ilha de Moçambique.
Vão-me dizer que a imagem que estou a pintar é demasiado favorável e que a Rádio Moçambique também tem os seus aspectos negativos. E eu tenho que reconhecer que é verdade. A nossa RM perdeu, nos últimos tempos, uma certa imparcialidade que foi a sua marca a seguir à criação da empresa estatal. Está hoje muito mais alinhada com as posições do Governo e do partido FRELIMO.
No entanto, mesmo apesar disso, continua a ser o menos alinhado dos órgãos de informação do sector público e seus equivalentes. Menos alinhada que a TVM, o Notícias, o Domingo ou a AIM,
sem margem para dúvidas.
*
Casa já muito antiga, na medida em que existe há 30 anos como Rádio Moçambique, mas herdou a experiência de dezenas de anos do Rádio Clube de Moçambique e de outras pequenas emissoras do tempo colonial, a RM tem sabido modernizar-se e adaptar-se aos novos tempos.
Começando por cobrir uma pequena área de Moçambique, foi-se expandindo até cobrir todo o território e parte dos países vizinhos. Recordo um responsável da rádio de Madagascar que me dizia que a RM se ouvia em melhores condições, em partes do território malgaxe, do que as próprias emissões locais. O que ajudava a manter as tradições culturais de uma parte da população, oriunda do nosso País, e que continua a falar macua.
Hoje, graças aos milagres da internet, a Rádio Moçambique pode ser ouvida em qualquer parte do mundo. Moçambicanos no estrangeiro ou amigos do nosso País podem, através dos seus computadores, ouvir a nossa música, as notícias ou os programas. São saltos significativos que não podem ser ignorados nem menosprezados. Neste momento de festa aqui vai o meu abraço para todos os colegas que fazem possível a presença da RM, diariamente, nos nossos receptores de Norte a Sul. Que o vosso excelente trabalho continue e melhore por muitos e muitos anos. Para o bem de todos nós.
Machado da Graça
In SAVANA semanário independente”, Maputo 30.09.2005

Pode ouvir AQUI música de Moçambique via internet

7 comentários:

Anónimo disse...

Um estória bem escrita, por alguém que acompanhou de perto o percurso da RM. Folgo em saber que o caminho, embora difícil, está a ser de conquistas, ou seja, a RM está a chegar àqueles que nada têm. Só quem está no terreno é que dá o real valor a tudo isso. Força RM, se possivel cada vez mais independente do poder político.
Kanimambo.

Anónimo disse...

Será que os amanhãs voltarão a cantar, graças à RM?

Anónimo disse...

Estes retornados têm a mania que são de esquerda. Só tanga.

Anónimo disse...

E você, senhor comentarista das 07:59 PM, é retornado ou é metropolitano? Ou é um moçambicano, ex-comunista de meia tigela, e agora oportunista de tigela inteira e bolsos largos?

Anónimo disse...

Sandokan - O tigre da Malásia foi um momento alto de rádio recreativa e de excelente teatro. A minha homenagem aos seus criadores, dos quais destaco Leite de Vasconcelos - o realizador, Álvaro Bello Marques - o director de actores, Luís Vasconcelos Galvão - fez a adaptação do texto de Salgari e também o apaixonado desempenho do papel do "português" - João José Pestana Santa Rita.

Anónimo disse...

Sr.ª Idalina, gostei muito do seu comentário, mas ponha-se a "pau", porque anda neste blog um tenebroso comentador, que dá pelo nome, knick é claro, de bakunine. Ainda vai dizer que a transposição para teatro rádiofónico do romance do Émilio Salgari, Sandokan, O Tigre da Malásia, se tratou de uma manobra sinistra do imperialismo americano, e que tais memórias ou recordações são reacionárias, baseadas em modelos perigosos. Se ele se meter, mande-o para em visita oficial aos Gulags na Sibéria, mas também o pode mandar ver se chove na estrumeira..., de qualquer "kolkose"...

Anónimo disse...

Não gosto de estrumeiras. Não gosto de trabalho colectivo. Não gosto de comunas.

Gosto e li o Salgari. Que ele tivesse servido para fazer esquecer o horror da guerra só me comove.

Também li o "Coração" do D'Amicis.

Em todo o comuna pulsa uma vontade de colonização. Que se sirva dos mitos da colonização, deixa-me divertido. Mas não disfarço a simultânea tristeza. Os comunas são tão primários!