quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Eu e os liberais (4)

O meu post anterior teve alguma repercussão, de todo inesperada para mim, tendo sido comentado e debatido aqui e aqui, e tendo havido debates laterais nos quais participei, por exemplo aqui ou aqui. Nem sempre foi possível cumprir estes debates no que tinham de necessário, o que se deve tanto à minha falta de tempo dos últimos dias, da qual os leitores já foram informados, como a certas tacticas terroristas, por exemplo do João Miranda no Blasfémias, que, e como é um profissional de blogue e aparenta viver só para isto, atira rajadas de comentários a um comentário, pega em frases e frasezinhas, e no fim não diz nada. Se clicarem nos links que destaquei verão que foi possível debater com liberais, mas que este liberal não quer debater, mas vencer pela exaustão. É lá com ele. O meu próximo post não foi escrito a pensar no João Miranda, mas agora que olho para ele, assenta-lhe que nem uma luva.

IGNORÂNCIA
Um dos grandes problemas da análise liberal é a questão, ou a ausência dela, dos modelos para a análise. A reflexão liberal apoia-se numa “crença” neo-hegeliana que poderíamos definir exactamente como a definiu Hegel: «o conhecimento pelo Espírito de si mesmo e da sua profundidade». Não escandaliza assim que os liberais entendam a História como um género de “caminho para a realização”; no qual, obviamente, estaremos em determinado ponto definido pela maior ou menor proximidade ao “projecto”. Resulta fácil entender o monstruoso simplismo, até falacioso, deste entendimento que simplifica a realidade a tal ordem que pretende olhar para o “real” como simplesmente “o óbvio”, ou “o necessário”. Diremos que os liberais estão inebriados do óbvio porque o óbvio lhes convém; lamentamos que não saibam sequer perceber o momento histórico concreto do aparente “óbvio”. Mas nós, que não limitamos a análise ao discurso de boas intenções à maneira de John Rawls, sabemos, se o quisermos saber, desde o estruturalismo, que a aparente “ordem” do mundo não passa de uma projecção dos modelos mentais intrínsecos individuais e da sua correspondente matriz transversal, e que esses modelos se definem como “estruturas”, o que não é mais que a única forma que a nossa mente tem de unificar a complexidade, como necessariamente tem de fazer de modo a atribuir-nos a aparência de unidade sem a qual, simplesmente, enlouquecemos. E se aplicarmos isto ao acima citado de Hegel, bem como ao pensamento de Rawls, Milton Friedman ou qualquer dos liberais mais importantes, podemos começar a supor que essas análises não serão mais que “projecções” de desejos concretos internos ao funcionamento do “espírito” (o desejo de unidade) que servirão certamente para dormir mais descansado mas que simplesmente não constituem análise teórica honesta, profunda e bem fudamentada, antes um total embuste teórico! Pois o que chamar a um pensamento que ignora por completo o conceito de Poder, tanto histórica como factualmente? E que repete até ao óbvio o discurso do Poder sem sequer vislumbrar a existência desse Poder, ou seja, que o papagueia? A análise liberal do mundo é, antes de mais, escandalosamente ignorante, e vai-nos valendo nestes tempos de pensamento único a tradição crítica ocidental para podermos ler um Focault, um Deleuze, ou Hardt e Negri, e percebermos qualquer coisa para lá do “nevoeiro das sombras”.

18 comentários:

André Carapinha disse...

Quero, no entanto, deixar claro que o João Miranda, ao contrário de outros que por aí se encontram, é um democrata; e que isto é bastante mais importante que ser de "esquerda" ou "direita",
"liberal" ou "socialista".

Anónimo disse...

Este carapinha é um pós-moderno cultíssmo que até lê Deleuze, tss tss.

André Carapinha disse...

Ler Deleuze? Que escãndalo! Ainda se ao menos fosse a "Maria" ou a "Maxmen"... Agora Deleuze, francamente! Vê-se logo que é um desses tretas pós-moderno!

(Adenda: curiosamente não citei no post qualquer autor conotado com o movimento pós-moderno, mas enfim... o subtítulo do post é Ignorância...)

Anónimo disse...

Ao duo postador, e grandes educadores do povo; presunção e água benta, cada um usa a que quer.

Velho Cangalho disse...

É preciso mesmo escolher entre liberdade e igualdade? Entre estatismo e semi-feudalismo? Eu já escolhi.

Velho Cangalho disse...

Viva quem? Robespierre ou o Termidor? Girondins ou Montagnards? Será que é preciso mesmo escolher?

Anónimo disse...

grandes educadores do povo!!! já os vimos à obra !!! que praga!

Anónimo disse...

Quem não escolhe, não vive.

André Carapinha disse...

Parece que anda aqui um Anónimo que, à maneira do pensamento único presente, pensa ser muito democrata. A sua noção de democracia é esta: podes pensar o que quiseres desde que seja o que eu permita que tu penses. Ou então estou enganado, e como "grande educador do povo" terei imediatamente de parar de ler Deleuze e começar a ler o que o povo, efectivamente, lê: A Bola (esta por acaso até leio), o 24 Horas, a Maria e a Lux. Porque de outra forma ainda me engano e dou em "grande educador dos intelectuais de esquerda", e não será isso que a minha perfidia almeja. Caro anónimo, dê-me a receita; mostre-me a sua sabedoria democrática e diga-me: o que devo ler? O que devo pensar? Quantos são dois mais dois?

Anónimo disse...

Escandalozamente ignorante é você. Estou cada vez mais certo que você não faz ídeia do que é um liberal, apesar de ter um débito de nomes "sonantes" fabuloso, mas totalmente vazio de conteúdo e de ligação, porque à boa maneira social fascista, faz o nivelamento por baixo, como qualquer bom membro de uma "Nomenclatura" comunista ou social fascista faria à alguns anos atrás. Por acaso já olhou à sua volta? Na rua? No seu trabalho? No autocarro? Já se apercebeu do que é que faz mover as pessoas? Garanto-lhe que não é das teorias falidas e obsoletas que defende. Fala em história? É preciso ter lata! A história é o seu maior inimigo; o seu verdugo! Já reparou que durante milénios o povo foi sempre secundarizado, acefalizado, durante os diversos tipos de monarquias, desde os faraós ás monarquias modernas, passando pelas ditaduras castrantes fascistas e social fascistas, como meras peças de uma máquina de produção de qualquer coisa? Já reparou que os verdadeiros individualistas são aqueles que sempre condicionaram o povo com os seus figurinos monoliticos de desenvolvimento social e cultural? O liberalismo não é mais do que a clonagem natural desses individualistas, democratizando o acesso ao poder, das pessoas que terem a liberdade de escolha do sistema de desenvolvimento que pretendem. Liberalismo selvagem? É verdade, porque tiveram péssimos professores durante a existência da humanidade. Não acha que o individualismo ou liberalismo democrático não é uma consequência dos atestados de menoridade mental passados pelas elites governantes aos conjuntos de individuos que são o povo? Era preciso mais um "quarto reich" de planos quinquenais estatizantes e estupidificantes? O que faz mover e mexer as coisas e as pessoas, é a liberdade e a democracia, a possibilidade das pessoas poderem decidir do seu futuro, como membros maiores de uma sociedade, sem paternalismos e "big brothers", assumindo as responsabilidades dos actos que fizeram perante os outros membros do povo ou da sociedade. É a liberdade e a esperança de um dia poderem viver o seu EU, democráticamente e civilizadamente. Só peço respeito pela diferença. Respeito, seus individualistas mimados e de meia tijela!

André Carapinha disse...

Ao anónimo exaltado:
«Estou cada vez mais certo que você não faz ídeia do que é um liberal»; «O liberalismo não é mais do que a clonagem natural desses individualistas, democratizando o acesso ao poder, das pessoas que terem a liberdade de escolha do sistema de desenvolvimento que pretendem»

Logo, quem não faz a mínima ideia do que é um liberal é v.

O que faz mover as pessoas. Ora, aí está, no meio da verborreia, um tema interessante. Um olhar superficial (liberal) diria: é o seu interesse individual. Um olhar marxista diria: o seu interesse individual, e subterraneamente um interesse de classe, mesmo que as pessoas como o anónimo maldisposto não se apercebam do seu interesse. Neste aspecto sou marxista.

Caro anónimo: apresente-me um argumento, um que seja. Não se limite a dizer "não faz ideia do que é um liberal", explique-me o que é um liberal; não me diga "faz o nivelamento por baixo", mostre-me porque estou a nvelar por baixo; não me diga "já se apercebeu o que faz mover as pessoas", diga-me o que faz mover as pessoas; não me diga que a história é o meu verdugo, fale-me da história e de como as suas tendências são contrárias às minhas ideias; senão, limita-se a lugares comuns como «o que faz mover e mexer as coisas e as pessoas, é a liberdade e a democracia, a possibilidade das pessoas poderem decidir do seu futuro, como membros maiores de uma sociedade, sem paternalismos e "big brothers"», porque isso, caro Anónimo, também eu acho. Simplesmente, eu acho que o liberalismo moderno coarcta a liberdade, a democracia, e a possibilidade de as pessoas decidirem o seu futuro, e procuro apresentar razões para isso. Aconselhava-o, caro anónimo, a duas coisas: agir de acordo com aquilo que apregoa ser, democrata e civilizado, ou seja, respeitar as opiniões dos outros sem os chamar «individualistas mimados e de meia tijela» e, como disse acima, procurar explicar-nos alguma coisa do que pensa, sob pena de também v. dar razão ao subtítulo deste post.

Anónimo disse...

Isto cheira-me a luta de classes.

E lá diz o povo:
pode haver liberdade sem igualdade (séc. XXI!)
mas para haver igualdade tem de haver liberdade (séc. XXXI?)

ou então
só há liberdade se houver igualdade, senão é "make-up".

Anónimo disse...

Sr.Carapinha, tem toda a razão quando menciona os meus lugares comuns, porque o seu discurso já eu o fazia há muitos anos, quando este tipo de discussões eram "cara a cara", e não pela internet. Isto é e por exemplo, no tempo em que era o "vale tudo em Portugal", o famoso PREC, e as RGA(s)nas universidades eram um verdadeiro pandemónio, com pugilato incluído! Pois é Sr.Carapinha, hoje o que você discute e respectiva forma que usa, são puros lugares comuns para mim, mas e não nego, que esses "lugares comuns" são importantes para a formação das pessoas. Quando "aterrar", novo ou velho, talvez os meus lugares comuns lhe façam algum sentido. Quem tem razão é o anônimo das 12:06 AM, que menciona algo relacionado com presunção e água benta...!(também válido para mim..)
P.S.- Não estava mal-disposto.., estava acelerado.Sómente! Quanto aos "mimos" que vos chamei, foram mesmo "mimos", sem intenção de ofender, como é óbvio, porque senão tinha usado outra adjectivação. Penso que deu para entender.

André Carapinha disse...

Continuou sem ler um único argumento contra o meu post. E olhem que gostava mesmo de ter debate a sério!

Anónimo disse...

Sr.André, já teve um debate muito interessante, no "Eu e os Liberais"(3)! Eu recordo-me bem dele. Você estava muito "estatizante"! Mas já agora , aproveito para lhe dizer que o estado é aquele que mais precisa de fiscalização por parte dos consumidores dos serviços estatais...Fiquei aborrecido com o espalhafatoso " IGNORÂNCIA " deste post ! Inibe qualquer um...É muito pouco estético! Talvez "isto" venha aquecer!

André Carapinha disse...

Dois esclarecimentos, então:

1- Sobre o título "ignorância"- procurei afirmar que o pensamento liberal moderno (o que não quer dizer os liberais enquanto tais) é essencialmente ignorante das análises decisivas do nosso tempo. Aliás, não será de estranhar que a maior parte deles se afirme como "práticos", "anti-filosofia" e prefiram a "economia" às "ciências sociais" (assim demonstrando a sua ignorância, uma vez que a economia é uma ciência social).

2- « o estado é aquele que mais precisa de fiscalização por parte dos consumidores dos serviços estatais»- Há aqui uma confusão muito grande, típica do pensamento único presente: parece que quando falamos de "estado" ou de "funcionários públicos" apenas pensamos nos tipos odiosos das repartições de finabças. Esses tipos são uma minoria no universo do funcionalismo público. A maioria são: professores, médicos, juízes, polícias, militares, ou seja, as profissões e os serviços essrenciais para a coesão e a promoção de uma justiça social. O próximo post será precisamente sobre este tema.

Anónimo disse...

Espero ansiosamente pelo post a que se refere no último comentário. Vai ser certeza muito interessante. Quanto à Economia ser também uma Ciência Social, aceito essa classificação, porque ela é válida para qualquer ídeologia politica. Os fins é que podem ser diferentes. O nacional socialismo, o comunismo e a social democracia "avançada" da Suécia deram-nos abundantes case studies. Quanto ao seu post, penso que o uso da "História como um género de caminho para a realização", não é exclusivo dos liberais e que o "óbvio", tal como ´"ele" está inserido no texto também não. Quando as premissas de um racíocinio nascem inquinadas por não serem exclusivas de uma corrente de pensamento, o que vem a seguir poderá suscitar dúvidas, principalmente e por exemplo, quando o caro postador não define o seu conceito de poder. Para mim, se o "poder dos liberais" é aquele do qual já houveram algumas experiências no mundo, não tenho nada contra. Aquilo que nos divide é também, a necessidade que tenho de ver e sentir na prática o exercício de poder desta ou daquela corrente ídeológica, e não ficar preso a interpretações de índole teórica. Só me "zango" com más práticas, e não com más teorias. Os estados modernos estão equipados com mecanismos legais de controle e fiacalização de situações menos claras.

Anónimo disse...

P.S- Encontro este blog cada vez menos participado. Será impressão minha ? Há tantos temas interessantes pelo mundo e pela nossa pobre e mesquinha politica doméstica...
Anônimo das 9:51 AM (ah,ah..)