segunda-feira, 20 de março de 2006

TESTAMENTO


Foto de Ivone Ralha

Se por acaso morrer durante o sono
não quero que te preocupes inutilmente.
Será apenas uma noite sucedendo-se
a outra noite interminavelmente.

Se a doença me tolher na cama
e a morte aí me for buscar,
beija Amor, com a força de quem ama,
estes olhos cansados, no último instante.

Se, pela triste monotonia do entardecer,
me encontrarem estendido e morto,
quero que me venhas ver
e tocar o frio e sangue do corpo.

Se, pelo contrário, morrer na guerra
e ficar perdido no gelo de qualquer Coreia,
quero que saibas, Amor, quero que saibas,
pelo cérebro rebentado, pela seca veia,

pela pólvora e pelas balas entranhadas
na dura carne gelada,
que morri sim, que não me repito,
mas que ecoo inteiro na força do meu grito.

Rui Knopfli

1 comentário:

Anónimo disse...

Morte de Fernando Gil-A vida cultural portuguesa fica muito mais pobre.Portugal perde um dos mais carismáticos e singulares
dos seus pensadores,natural de Mocambique e doutorado pela Sorbonne.Criador de uma obra muito original na interseccao da Fenomenologia,da Psicanálise lacaniana e da Filosofia Analítica(Wittgenstein),Gil foi dos poucos intelectuais lusos de fama internacional,a par de António Damásio,Eduardo Lourenco e da pintora Helena Vieira da Silva.FAR