Manhã cedo, 13 de Março de 1896, o vapor "África" fundeia a meio do Tejo, frente a Cacilhas. Fragatas, canoas, botes, dezenas de embarcações a remos e à vela rodeiam o navio que largou Lourenço Marques dois meses antes.Lisboa está em festa. Milhares de pessoas acorrem ao cais para ver o último trofeu de guerra da monarquia. É a "fera cruel", o "pesadelo de todos os governos portugueses", o "régulo sanguinário", como o classificam os jornais nos últimos anos. É Ngungunhane (Gungunhana na ortografia colonial) capturado por Mouzinho de Albuquerque em Chaimite, a 28 de Dezembro de
1895. Depois de horas de insistências, alguns jornalistas conseguem permissão de subir a bordo. Encontram o grupo de 16 prisioneiros a estibordo num exíguo espaço mal iluminado com dois patamares de beliches. Nas esteiras superiores está Ngungunhane com sete das suas rainhas: Namatuco, Machacha, Patihina, Xisipe, Fussi, Muzamussi e Dabondi. No beliche inferior amontoam-se Godide, filho primogénito de Ngungunhane, o régulo Matibejane e as suas três mulheres, o régulo Zixaxa, Molungo, tio de Ngungunhane, e Gó, o cozinheiro do imperador. Ngungunhane está exausto e horrorizado. Desde a captura em Chaimite que receia o fuzilamento. Chora, implora, treme, esconde o rosto com as mãos, oferece tudo o que já não tem para obter a libertação, dinheiro, gado, ouro, marfim, escravos, terras. Aos que o rodeiam pergunta sem cessar: "Digam-me o que querem de mim. Vai morrer? Para que lhes sirvo eu? Deixem-me regressar que morro se não vejo as minhas terras", traduz o intérprete.
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Quem assim acaba enjaulado como troféu de caça, humilhado e escarnecido, fora o senhor do segundo maior império de África do século XIX. Um império que no seu esplendor se espraia do rio Incomáti à margem esquerda do Zambeze e do oceano Índico ao curso superior do rio Save. Olhando o actual mapa político da África Austral, ocupa mais de metade de Moçambique, um pedaço do Zimbabwe e entra pela África do Sul. Tem uma população estimada entre 500 mil a dois milhões de habitantes de várias etnias.
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Quem assim acaba enjaulado como troféu de caça, humilhado e escarnecido, fora o senhor do segundo maior império de África do século XIX. Um império que no seu esplendor se espraia do rio Incomáti à margem esquerda do Zambeze e do oceano Índico ao curso superior do rio Save. Olhando o actual mapa político da África Austral, ocupa mais de metade de Moçambique, um pedaço do Zimbabwe e entra pela África do Sul. Tem uma população estimada entre 500 mil a dois milhões de habitantes de várias etnias.
8 comentários:
Retrato do nosso "humanismo" colonizador. Crueis só os ingleses, os espanhois, os franceses, os holandeses. Nós, nem pensar. Éramos lá capazes? Nós sempre tratamos bem o preto e principalmente a preta. Até lhes fazíamos filhos. O mulato não é uma invenção lusa? Não temos a patente?
È cada vez mais raro lembrar a colonização e a opressão que a ela esteve associada. Muito oportuna esta efeméride.
Parabéns pelo post.
Luis M.
Ao ler este post lembrei-me do Eusébio. Há de facto algumas semelhanças com as suas chegadas a Lisboa. Já em relação ao futuro, o do Eusébio foi mais trágico: foi parar ao benfica.
Não sei porquê algo me une ao João Costa.
Para os puristas raciais gostava de lembrar que há data ainda havia em Lx tantos pretos, que ao vê-los no cais "Gongunhana" ainda hesitou estar em Portugal, pois disse ao tio "não sabia que Chilinguine era tão grande"!.
Não sei se é a verdade histórica.
Mas li isto em decomentação que presumo séria.
Caro João Costa:
Afinal o Gungunhana não foi jogador do Benfica?
Quem é esse tal de Eusébio?
Cordiais saudações.
Nesta ignomínia há que acrescentar dois episódios:
A Coroa e o poder político, que eram as duas faces da mesma moeda de incompetência, arranjismo e boçalidade mental, como não sabiam o que fazer com Mudungazi, Imperador de Gaza, cognominado N'gungunhana (Leão de Gaza), rebaptizaram-no Reinaldo Frederico Gungunhana e desterram-no para os Açores, onde morreu em 1906.
Quase 80 anos depois, em 1985, outro poder político, igualmente ignorante, inepto e enfatuado, teve a desfaçatez de simular (apesar do aparato da cerimónia presidida por Samora Machel) a transladação das ossadas de Gungunhana dos Açores para Moçambique, pois a urna continha «cinzas ao acaso e terra do cemitério de Angra», afiançou o então ministro da República naquela região autónoma, Conceição e Silva.
Boa Zé Maria, acuidade ao nível que sempre nos habituaste!
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