terça-feira, 7 de março de 2006

PACOVIA

Pacovia é um outro nome para Estremunheira, país que tem uma dificuldade particular em acordar, em sentido literal, pois caiu num sono de digerir pedra, segundo dizem e onde as vias abertas pelas autovias tornaram um aperto de mão o que era distante e para trás dos montes. Mas Pacovia já não é o que era, uma sociedade de maçã reineta para proprietários de diabetes e comedores de análises, encostas saloias de legumes húmidos acenando a passantes de burrico atrelado à bunda, mulas antigas das beiras altas apostadas em dar cabo da pacinhência a almocreves da Estrela por caminhos tortuosos e veredas inconsistentes a caminho da capital, LISBIAOA, vizinhas madrugadoras de vozes urbanas, rachadas de sabão azul e algum tabaco, sol alegre desconstipado a secar lágrimas vadias, bandos de meninagem alvoroçada em areias brancas, nabiças rosadas de verde verde e joaquinzinhos saltitantes a pratear as noites em dias de insónia horariada nas traineiras dos confins. Pacóvia já nada é disto, Pacóvia é hoje um DESTINO TURÍSTICO, uma designlândia, lugar em que as vacas já não dão leite mas são objectos de arte-trite, nova forma estética, forma alvo para o público da terceira idade, eternamente jovem como diz o BCP, banco especializado em branquear carcanhóis peganhentos.
Pois bem, primo, os problemas agora avultam porque : a pacóvia roubaram-lhe o acento agudo – diz-se que foi parar ao i de Viagra em apoio a graus de erecção viáveis, tal como se diz do i de leite que... -, e secundo, tem Internet de banda larga. Em Pacóvia não há agora quem não circule na banda larga e não tenha pelo menos dois telemóveis estacionados em ambas as orelhas, simultânea ou alternadamente, cada uma em articulação protésica com um acesso específico a meio cérebro, meio raciocínio e dupla produtividade. É um dois em um que dobra a população activa telefonante, como se sabe base social do salto em frente, salto assumido pelos ministros de Pacóvia como uma salto por cima do obstáculo da dívida, agora a caminho dos quatro ponto oito – numero de má memória este 48.
Hoje tudo está diferente em Pacovia e os pacovienses não só se alimentam de postais ilustrados de gente simpática vestida de carnes étnicas sempre que Agosto os despeja numa hotelaria igual a outra hotelaria, como levam os portáteis para os piqueniques e a meio da melancia expandem memórias até que o disco duro lá meta a lua, o sistema solar, várias galáxias de vazio desconhecido, ou tristezas múltiplas de quilovaites e mesmo o mar, esse continente para o qual ainda não temos guelras que o tornem mais um assunto de bolso.
Sim, que sabemos nós dos extraterrestres, ouve-se na sombra dos pinheiros ainda não ardidos? Este é um tema recorrente dos piqueniques em Pacovia. Convém assinalar que o Piquenique é o verdadeiro herdeiro – peço desculpa pela rima -, da antiga Agora e que é nesse ambiente que se realizam os brainstorming nacionais, nova directiva para implementar a criatividade a todo o vapor e por todo o lado, visto o inglês para todos, desde o berço, não ter resultado em função da nova hegemonia cultural da China, a nova Hiperpotência ( este escrito é em parte inspirado em acontecimentos de 2008, altura em que o balanço da introdução do Inglês mostrará que os pacóvios desaprenderam completamente o português e não pensam em inglês porque não são capazes, além do que, a já explicitada hegemonia do chinês demonstrar que o erro não compensa quando se re-erra, o que já não vem do risco do dito novo, vindo antes das palas assumidas como largueza).
Para além dos enchidos de fumeiro, em Pacóvia, é de facto a temática extraterrestre a dominar a agenda cerebral. Os pacovios juntam ficção e estômago na mesma sandes, por assim dizer. Por fora a metafísica, a crosta do planeta imaginado, o Bil Gates, a utopia galáctica internetiana, por dentro o conduto, o gás que os move, a febra. Talvez isso tenha a sua razão de ser: os sarracenos terão sido expulsos de Pacovia quando varas de porcos pacovianas investiram contra eles numa verdadeira disciplina de centúrias romanas em antecipação da estratégia do quadrado, tão bem sucedida contra Casquela séculos depois. Os romanos, que civilizaram os pacóvios e lhes ensinaram a passar da fase “ao ar livre” para a fase “saneamento básico” ( que está por cumprir apesar da banda larga) deixaram na cultura pacóvia assinaláveis factores estruturantes do seu ser e costumes.
A Autoestrada, esse segredo que tudo aproxima e desenvolve o desconhecimento do pormenor, do detalhe, essa minudência insignificante, vem dos romanos, primeiros cultores de autoestradas.
E de facto o Porco é uma bandeira em Pacovia, tudo apontando para o reforço da sua idolatria ( não há loucura nem gripe que lhes chegue), ao ponto de vários antropólogos afirmarem que inconscientemente os pacóvios têm com os porcos a relação que os indianos têm com as vacas ( como sabem as vacas frequentam o espaço público como verdadeiras senhoras e não há interdito que lhes tolha a quadrupedia multidireccional. Foram já vistas em templos, poseuses, as quatro patas em escultura sexy, ocupando altares, o que, assinale-se, poderá acontecer ao suíno entre os pacóvios, caso a loucura Light prossiga).
Portanto, como se depreende, Pacovia está na crista da onda, tanto mais que os antigos pinhais são agora grandes colombos, verdadeiras hipercatedrais do pentaconsumo, essa forma de comprar cinco em um, descoberta recente e apenas implementada em Pacovia, tal como a VIA VERDE, essa criação genuinamente pacovia que até os Nokia finlandeses invejaram. E não fora a dívida pública os pacovios alegremente se piquenicariam a tempo inteiro nos pinhais ardidos à sombra das cinzas, como verdadeiros navegadores da banda larga, dobrando cabos de boas esperança em doses maciças e revelando a sua paixão pela ledura, essa nova forma de ler sem ler, de consumir já lido.
Será o primeiro país da EURINHEIRA a implementar próteses de leituras lidas nos estudantes, principalmente de português, essa língua que encanta os turistas e que é necessário reimplementar no ensino nacional como língua obrigatória. É verdade, o governo esqueceu-se do português, esse arcaísmo que já nem os brasileiros falam. Felizmente o turismo, desejoso de cor local, obrigou a que em sede de orçamento de estado, a verba do português fosse revista, turismo oblige!.


f.arom

2 comentários:

Anónimo disse...

A propósito de Estremunheira, recentemente aprendi uma coisa que gostava de partilhar convosco porque é, parece-me, sintomática em muitos aspectos e a diversos níveis.

Em 1797, umas décadas depois de Pombal e do terramoto, dois professores universitários alemães, um de Botânica e outro de Geologia, na casa dos trinta anos, empreenderam uma viagem à Estremunheira para estudar a sua flora e as suas rochas.
Ficaram por cá dois anos, tendo percorrido o país de lés-a-lés e aprendido até a falar algum português.
Em 1801, logo após o regresso à universidade e à Alemanha, um deles, Heinrich Friedrich Link (1767-1851), o botânico, publicou um relato dessa expedição científica.
A obra tornou-se de tal forma importante, em especial para o conhecimento do sudoeste da Europa, que foi traduzida no mesmo ano para inglês: “Travels in Portugal, and through France and Spain, with a dissertation on the literature of Portugal, and the spanish and portuguese languages”.

No ano seguinte foi traduzida e publicada em francês. E assim sucessivamente.
Sabem quando foi traduzida e publicada pela primeira vez na Estremunheira?
Adivinharam: em 2005…!!!!!!!!!!!!
Intitula-se: “Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha”, tradução, introdução e notas de Fernando Clara, edição da BN – Biblioteca Nacional, capa de Henrique Cayatte Design, 308 pp. + 1 mapa de Portugal da época. € 19,00.

Anónimo disse...

Belíssimo texto. Chapeau!